O telhado de Notre Dame era conhecido como “A Floresta” (La Forêt), por causa dos mais de mil carvalhos utilizados na sua intrincada construção, iniciada no século XII. Quando ele se desvaneceu sob o efeito das chamas, a 15 de abril de 2019, foi lançado um apelo a todos os proprietários florestais para identificarem as árvores centenárias que poderiam vir a ser necessárias.
Desde o início que estava fora de questão a hipótese de recorrer a outro tipo de madeira na reconstrução da catedral parisiense. Os especialistas apenas se digladiavam à volta dos métodos a usar – enquanto uns defendiam que se devia recorrer às técnicas modernas, outros argumentavam que as tradicionais eram as mais adequadas por respeitarem o monumento e, acima de tudo, por terem demonstrado o seu valor ao longo do tempo.
Soube-se agora que ganhou a fação tradicional, e que tal só foi possível porque, no final dos anos 90, um grupo de arqueólogos franceses teve a ideia (“louca”, dizia-se na altura) de construir do zero um castelo fortificado medieval, o castelo de Guédelon, na região da Borgonha. Estavam a estudar o vizinho castelo de Saint-Fargeau, quando descobriram a existência de uma fortificação da Idade Média “engolida” pelos seus tijolos vermelhos. Secundados por historiadores e arquitetos, decidiram, então, recorrer à arqueologia experimental para melhor compreenderem a construção nos tempos medievais.
A aventura começou em 1997 e, ao longo dos últimos 25 anos, foram-se formando lenhadores, carpinteiros, pedreiros e ferreiros, entre outros artesãos, que aprenderam a trabalhar como se estivessem no século XIII. Além das cerca de 70 pessoas contratadas (40 delas na construção), sempre se aceitaram voluntários interessados em aprender os métodos utilizados durante da Idade Média.
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Na clareira de uma floresta, a cerca de duas horas de carro de Paris, nas proximidades de Treigny, ergue-se hoje o castelo de Guédelon – já muito perto de estar finalizado, como se vê neste vídeo. Este ano, prevê-se que fique pronta a decoração do interior da capela, assim como o andar entre as duas torres da entrada principal onde será manobrada a grade de madeira que protegerá o grande portão.
O projeto é apoiado pelo Instituto Nacional de Investigação Arqueológica Preventiva (Inrap) e na sua maior parte financiado pelas receitas geradas pelos visitantes (entradas, restaurante e loja). Aos que até hoje olhavam o local como apenas mais um parque temático, que atrai 300 mil visitantes por ano, os fundadores têm no futuro de Notre Dame um novo argumento para defender a sua ideia “louca”.
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Já se sabe que algumas das empresas que concorreram à reconstrução da catedral contrataram carpinteiros formados em Guédelon, e que o ferreiro-mor do castelo foi encarregado de fazer os machados para cortar a madeira necessária.
“A estrutura do telhado [da catedral] era extremamente sofisticada, utilizando técnicas avançadas para os séculos XII e XIII”, disse Frédéric Épaud, membro do comité que supervisiona a reconstrução de Notre Dame, ao The Observer. “Depois do incêndio, havia muita gente a dizer ninguém sabia sequer como produzir vigas como na Idade Média. Mas nós sabíamos que podia ser feito porque Guédelon tem vindo a fazê-lo há anos.”
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Arqueólogo especialista em madeira, Frédéric Épaud é membro do Centro Nacional de Investigação Científica e do comité científico de Guédelon. Fala, portanto, com conhecimento de causa. “Tenho estudado a técnica do século XIII durante muitos anos e, se respeitarmos a forma interna da árvore, as vigas durarão 800 anos. Guédelon é o único lugar em França, e acredito que na Europa, onde se constrói este tipo de estrutura de telhado em madeira. Todos aqueles que não pensavam ser possível não conheciam Guédelon.”
Em Guédelon, há muito que se aguardava o reconhecimento. “É prestigiante para nós que Notre Dame seja restaurada por muitos que aprenderam aqui o seu ofício”, disse Maryline Martin, co-fundadora do projeto, ao mesmo jornal. “Somos uma empresa privada perdida na nossa floresta que não recebe dinheiro público. Trabalhamos com muitos organismos de investigação estatais, mas algumas pessoas descreveram-nos como um parque temático. Agora, após 25 anos, somos os únicos capazes de fazer o que tem de ser feito.”
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No site é possível acompanhar o andamento da construção do castelo, para lá do trabalho que tem sido feito com a madeira. Vemos como todas as pedras utilizadas são retiradas da pedreira próxima e moldadas pelos pedreiros, como as ferramentas são forjadas no local ou como as cores com que se decoram as paredes são extraídas da terra.
Embora algo desatualizado, também vale a pena ver Secrets of the Castle, a série de documentários que a BBC pôs no ar em 2014. Em oito anos, há muito mais de pé.