A morte é inevitável, mas o envelhecimento talvez não seja, pelo menos de acordo com dois novos estudos, publicados na revista Science, que indicam que algumas espécies de tartarugas e cágados têm taxas de envelhecimento extremamente reduzidas, podendo mesmo nem chegar a envelhecer.
Um dos estudos, liderado pela bióloga portuguesa Rita da Silva, em colaboração com a Universidade do Sul da Dinamarca, concentrou-se em analisar tartarugas que se encontravam em cativeiro sob aquelas que são consideradas condições ideais, por não sujeitaram os animais ao stresse ligado à procura de alimento e à necessidade de escapar a predadores. O estudo analisou 52 espécies cujos registos estavam disponíveis no Species360 Zoological Information Management System, um software usado pelos jardins zoológicos para rastrear dados sobre a criação de animais. As descobertas indicavam que cerca de 75% das espécies apresentaram taxas de envelhecimento nulas ou insignificantes. A tartaruga gigante de Aldabra, por exemplo, não só apresentou uma taxa de envelhecimento insignificante como uma vida média particularmente longa de 60 anos ou mais em cativeiro.
O estudo estabeleceu um paralelo com as atuais condições da vida humana que, para uma grande percentagem da população, já não apresentam as obrigações de outrora para os seus ancestrais: não há escassez de comida nem um instinto de sobrevivência necessidade para fugir de predadores, além de que uma série de outros aspetos ligados à evolução da tecnologia e medicina, assim como de outras áreas, facilitaram e tornaram mais confortável o modo de vida humano.
Ainda assim, e apesar de no caso das tartarugas estudadas por Rita da Silva a taxa de envelhecimento registada ter sido praticamente nula, no caso dos humanos tal não se verifica. Embora tenhamos uma longevidade maior, o envelhecimento está sempre presente. “Como humanos modernos, tendemos a viver em condições muito boas, sendo que o ambiente para nós estaria próximo do ideal [também]”, explicou a bióloga portuguesa à Live Science. “E, ainda assim, não fomos capazes de diminuir a nossa taxa de envelhecimento”, acrescentou.
Compreender a diferença entre longevidade e envelhecimento é essencial para compreender as descobertas de Rita da Silva. Longevidade é um conceito que se relaciona diretamente com a morte e traduz o tempo máximo de vida de uma dada espécie, ou seja, o número de anos máximo que ela consegue viver. Por outro lado, o envelhecimento é relativo ao enfraquecimento de um organismo, ou das suas capacidades para responder às atividades diárias à medida que o tempo passa. Embora o envelhecimento possa, geralmente, associar-se à morte e à passagem do tempo, nomeadamente porque um organismo mais enfraquecido deixará de ser capaz de responder às necessidades do corpo, nem sempre essa associação é tão simples e imediata ou, pelo menos, não no caso das tartarugas.
Nos humanos, o envelhecimento é facilmente visível: à medida que o tempo avança, várias funções do organismo vão sendo afetadas, como é o caso do sistema imunológico, que se vai tornando mais frágil, ou dos próprios ossos, que mais facilmente quebram e fraturam. Com a passagem do tempo, a morte torna-se cada vez mais provável, resultado desse envelhecimento e de todos os seus efeitos. Como realça a Administração da Previdência Social norte-americana, citada pela Live Science, um homem de 50 anos nos Estados Unidos da América tem uma probabilidade de 0,48% de morrer no ano seguinte, percentagem que aumenta para 5,6% num homem de 80 anos e para quase 35% aos 100 anos de idade. No caso das tartarugas, e de acordo com ambos os estudos referidos, esse aumento progressivo do risco de morte, em resultado da fragilização do organismo, não se verifica ou é significativamente mais lento.
Em algumas das espécies analisadas, e segundo as equipas de investigadores, a idade e a passagem do tempo não se relacionam com o aumento do risco de morte. Isso não significa, no entanto, que este animal seja imortal, até porque o risco de morte nunca é nulo, mas as pesquisas apresentadas sugerem que, contrariamente aos humanos e à maioria das espécies, as tartarugas terão um risco de morte semelhante quer tenham 5, 40 e em alguns casos até 125 anos. Ou seja, o envelhecimento é um fator mínimo de risco.
Não é novidade que tartarugas e cágados são capazes de viver durante muito tempo. Recentemente, uma tartaruga gigante das Seychelles chamada Jonathan completou 190 anos, tornando-se a tartaruga mais velha de sempre e o animal terrestre mais antigo alguma vez registado. Mas como evitam as tartarugas o envelhecimento? A resposta continua um mistério, mas o segredo pode esconder-se na sua biologia.
O segredo para morrer sem envelhecer
O mistério do antienvelhecimento das tartarugas permanece por resolver, mas tanto os estudos agora publicados como outros mais antigos sugerem que a resposta estará escondida na biologia interna e externa destes animais. Várias investigações indicam que a tartaruga é capaz de matar rapidamente as células danificadas, num processo conhecido como apoptose, apresentando também uma grande resistência a danos no ADN que, geralmente, se acumulam ao longo do tempo, à medida que as células se dividem.
A esta vantagem alia-se o facto de tartarugas e cágados serem dotados de carapaças robustas que funcionam como excelentes protetores contra predadores. De acordo com o outro estudo recente citado, este tipo de proteção física está associada a baixas taxas de envelhecimento. As carapaças impedem que as tartarugas sejam comidas, o que significa que as suas taxas de mortalidade associadas a fontes externas são mais reduzidas do que as dos outros animais sem esse tipo de proteção.
Esta mortalidade reduzida por fontes externas poderá ter sido essencial ao longo dos anos, dado que provavelmente permitiu que as tartarugas sobrevivessem o tempo necessário para que fossem desenvolvendo uma resposta evolutiva contra os efeitos do envelhecimento, como explica à Live Science David Miller, coautor do estudo e ecologista da vida selvagem no Estado da Pensilvânia. “Se muitos animais são comidos ou morrem por doenças, poucos sobrevivem o suficiente para que haja algum benefício do tipo de processo celular que retarda o envelhecimento”, argumenta.
A investigação de Miller, contrariamente à de Rita da Silva, focou-se nas tartarugas selvagens – contando também com a análise a outros animais como rãs, sapos ou crocodilos -, mas as suas descobertas convergiram. Tal como a portuguesa, também Miller rapidamente se apercebeu que as tartarugas se destacavam pelas suas taxas de envelhecimento quase nulas. “Existem alguns padrões realmente consistentes nas tartarugas, que vivem muito tempo e envelhecem muito lentamente”, explica. Outras descobertas indicam que uma maturidade sexual mais tardia pode estar também relacionada com uma taxa de longevidade superior, embora não necessariamente com uma taxa de envelhecimento mais baixa.
Há muito que os humanos procuram uma solução para os efeitos do envelhecimento, no entanto, e embora envelheçam significativamente mais rápido do que as tartarugas, apresentam, mesmo assim, uma taxa de envelhecimento bastante mais reduzida do que muitas outras espécies. Algures na complexa biologia das tartarugas pode esconder-se o segredo para reduzir ainda mais esta taxa, mas muita investigação tem ainda de ser feita para que possam ser obtidos tais resultados, como realça a autora principal do estudo de Miller, Beth Reinke. Isto porque as baixas taxas de envelhecimento das tartarugas não significam que este animal não envelheça de todo. Jonathan, a tartaruga mais velha do mundo, por exemplo, é cega, incapaz de cheirar e é alimentada à mão, de acordo com descrições do biólogo Steven Austad (Universidade do Alabama), e do investigador de envelhecimento Caleb Finch (Universidade do Sul da Califórnia), incluídas num editorial que acompanha os dois estudos. “Mesmo que muitas dessas espécies fascinantes não tenham mortalidade significativamente crescente com a idade”, escrevem, “algumas claramente incorrem em enfermidades do envelhecimento”.