Faz hoje 100 anos que o hidroavião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral pousou suavemente na baía da Guanabara

Faz hoje 100 anos que o hidroavião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral pousou suavemente na baía da Guanabara

Aquilo que Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram foi “um prodígio, uma extraordinária façanha de navegação”, sublinha José Correia Guedes. “A viagem foi demorada, mas isso não lhe tira o mérito – os dois portugueses queriam demonstrar que era possível navegar no oceano sem referências visíveis e conseguiram-no.”

Cem anos depois de o Fairey 17 que tinha como piloto Sacadura Cabral, então com 41 anos, e como navegador Gago Coutinho, de 53, ter pousado suavemente na baía da Guanabara, frente aos hangares da Aviação Marítima Brasileira, no Rio de Janeiro, é assim que o antigo comandante da TAP olha a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, Lisboa-Rio de Janeiro. Uma maravilha, uma coisa sobrenatural. Não isenta de percalços, nota.

“Primeiro ponto a ter em conta: não foi uma façanha de aviação”, diz. “Demoraram dois meses e meio a fazer a travessia, podia ter sido menos demorado, mas tiveram de usaram três aviões porque partiram dois. Álvares Cabral foi mais rápido”, ri-se.

“As pessoas acham que um hidroavião é muito seguro porque se tiver uma panne pode pousar no mar, mas isso não é verdade porque, à mais pequena ondulação, os flutuadores partem. Só podem pousar em águas calmas”, ensina o autor da biografia de Carlos Bleck, “herói esquecido da aviação portuguesa”.

Não foi uma façanha de aviação, portanto, “mas foi uma extraordinária façanha de navegação porque conseguiram encontrar no Atlântico dois pedregulhos, os Penedos de São Pedro e de São Paulo, com poucas centenas de metros, onde estava um cruzador português, o República, à espera para os abastecer”, conta.

“A navegação era feita por sextante de marinheiros adaptado por Gago Coutinho (que era um passageiro, um cientista, nunca foi piloto) para ser utilizado em voo. O sextante dos marinheiros funciona com referência ao nível do mar, o seu permitia a orientação do avião sem ser preciso visualizar o horizonte. E isso foi inédito. Revolucionou a navegação aérea e foi extremamente eficaz. Encontraram os tais penedos e a ilha de Fernando de Noronha que tem 17 quilómetros quadrados, o que em termos de Atlântico é um pontinho.”

Do ponto de vista da aviação, aconteceriam vários acidentes, o que atrasou muito a viagem. Os dois portugueses não contavam demorar tanto, acreditavam que iam fazer toda a travessia num só avião. Mas demorariam 62 horas, a pilotar todo o tempo e à mão (não havia piloto automático). Só a “perna” entre a cidade da Praia, em Cabo Verde, e os ditos penedos, demorou mais de 11 horas seguidas, “o que em termos de fadiga é um esforço gigantesco; e também para o motor”, diz José Correia Guedes.

Gago Coutinho e Sacadura Cabral partiram de Lisboa às 7 da manhã do dia 30 de março de 1922, a bordo do hidroavião Fairey III D Mkll, batizado de Lusitânia. A primeira avaria aconteceu logo quando pousaram junto aos Penedos de São Pedro e São Paulo e se partiu um dos flutuadores.

Salvos pelo República, ficaram à espera de um segundo hidroavião, o Fairey 16, batizado de Pátria, que chegou a bordo de um vapor brasileiro. Retomada a viagem, a 4 de maio tiveram uma panne do motor, sendo obrigados a pousar no meio do oceano.

Desta vez, já o cruzador português não estava por perto. Piloto e navegador não tiveram outra opção, por isso, a não ser deitarem-se nos flutuadores, esperando que alguém os avistasse ali no meio do Atlântico Sul. Deitados muito perto da água, viam como dois tubarões rondavam o hidroavião; embora tivessem comida, decidiram não a usar.

Gago Coutinho ia disparando flares e, só ao fim de oito horas, já durante a noite, é que os dois homens foram localizados por um navio comercial, sendo finalmente salvos. Não desistiram e ficaram em Fernando de Noronha, à espera de um novo hidroavião para poderem concluir a travessia.

O terceiro aparelho, o Fairey 17, batizado de Santa Cruz, chegaria a bordo de um navio da marinha portuguesa. Seria nele que os dois iriam, por fim, pousar na baía de Guanabara, a 17 de junho de 1922.

“Eles escolheram este tipo de avião em especial tendo em atenção a fiabilidade do motor, um Rolls Royce de 350 cavalos, que, não obstante, teve a tal panne que os ia deixando serem comidos por tubarões”, nota José Correia Guedes, avançando mais um detalhe importante:

“Gago Coutinho inventou um aparelhómetro que é um corretor de rumos. Lançavam boias de fumo para o mar e depois avaliavam a direção e a intensidade do vento através da deslocação do fumo. Tinham uns riscos marcados na cauda do avião que lhes permitia graduar a intensidade do vento. Em função disso, corrigiam o rumo do avião. A determinação da posição era feita pelo sextante. O cálculo do rumo é que era feito em função do vento. Era um método muito falível, mas funcionou.”

Cem anos depois, navega-se com GPS. Quando antigamente era aceitável um erro de 20 ou 30 quilómetros, hoje o GPS dá erros de 20 cm, “quanto muito”, sublinha o antigo comandante da TAP. “Dá muitíssimo menos trabalho. Se não houvesse GPS, ainda hoje não seria fácil encontrar os tais penedos. O que eles fizeram foi, por isso, um prodígio.”

Naquele dia 17 de junho de 1922, a comoção que o feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral gerou no País inteiro seria enorme. “Portugal era na altura um país à procura de si próprio”, lembra José Correia Guedes. “Foi uma euforia enorme e foi aí que Carlos Bleck decidiu que ia ser piloto e que iria levar a Cruz de Cristo nas asas de um avião, através do mundo.”

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