Desde abril, multiplicam-se os dias em que o Iraque acordou com o céu cor-de-laranja, causando uma sobrecarga de doentes nos hospitais. Nas urgências, são milhares os iraquianos a queixarem-se de dificuldade em respirar. Algumas pessoas tiveram de ser ligadas a ventiladores; outras, as empresas onde trabalham disseram-lhes para ficarem em casa. As escolas foram encerradas e nos aeroportos aumentavam os voos cancelados. A vida ficou em stand by no meio de um remoinho de pó.
Em décadas anteriores, eram esperadas duas ou três grandes tempestades de areia a cada ano. Esta primavera, o Iraque já registou, pelo menos, oito, incluindo a de 16 de maio, que levou cerca de quatro mil pessoas ao hospital. Duas pessoas morreram do outro lado da fronteira na Síria. As tempestades mais frequentes estão a provocar a miséria a milhões de pessoas e danos na ordem dos milhares de milhões de dólares.
A verdade é que este fenómeno sempre foi uma realidade no quotidiano da região. O Sara, o maior deserto quente do mundo e o terceiro dos desertos árabes, não carecem de areia. Todos os anos, o vento leva cerca de 60 milhões de toneladas de poeira do Sara até às Caraíbas, na América Central.
Em alguns países, ventos secos e empoeirados são tão comuns que recebem um nome. Os árabes do Golfo Pérsico têm o “shamal”, que vem do noroeste. Os imponentes arranha-céus de cidades como Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, ou Manama, capital do Barein, desaparecem por detrás de uma cortina de areia. Às rajadas de sul no norte de África e na península Arábica, os egípcios chamam “khamsin”, significa cinquenta, porque tende a soprar 50 dias na primavera e chega a conseguir tapar o sol.
Os especialistas dizem que as tempestades de areia são complexas e pouco compreendidas, mas as suas principais causas são naturais. Em 2015, muitas pessoas atribuíram a “culpa” de uma forte tempestade de verão à guerra civil na Síria, pensando que os carros blindados, a rolarem nos campos, conseguiam levantar poeira suficiente para cobrir a região. Mais tarde, investigadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, disseram tratar-se de uma mistura de calor e vento fora do comum – rajadas, não artilharia.
No entanto, o Homem continua a contribuir para piorar o problema. A procura de água está a tornar esta região árida ainda mais seca. Um estudo do Banco Mundial, feito em 2019, descobriu que as ações humanas, como a super exploração de rios e de lagos, produzem um quarto da poeira do Médio Oriente.
O Irão drenou as áreas húmidas para a agricultura. Saddam Hussein secou os pântanos do sul do Iraque para punir os seus habitantes. As barragens turcas no Tigre e no Eufrates significam leitos de rios mais secos a jusante.
Todas essas ações repercutem-se em mais poeira transportada pelo vento. O desaparecimento das poucas florestas da região, por causa de incêndios e extração de madeira, significa que há menos vegetação para conter o vento. A Síria, por exemplo, perdeu cerca de 25% da sua floresta desde 2001, a maior parte para as chamas do verão. Mas, as alterações climáticas irão agravar o problema.
Para quem não tem a sorte de ser saudável, sem doenças respiratórias, e de conseguir permanecer dentro de casa, as tempestades de areia são um incómodo. Os recém-chegados ao Cairo, no Egito, que deixam uma janela aberta para circular a brisa da primavera rapidamente aprendem uma dura lição. A vida de quem trabalha na rua é insustentável, com os estafetas a parecerem figurantes de Mad Max, com cachecóis e óculos de esqui.
Estudos recente revelam que mais de 10% dos sauditas têm asma, uma alta prevalência causada em parte pela poeira. Tempestades de areia trazem pequenas partículas que conseguem atravessar os alvéolos e entrar na corrente sanguínea com efeitos nos mais variados órgãos, desde pulmão, cérebro e coração.
O Banco Mundial estima que a poluição do ar causa 30 mil mortes prematuras por ano no Médio Oriente, com tendência para aumentar.
O mesmo acontecerá com os custos económicos, uma vez que os trabalhadores ficam em casa, as colheitas cobertas de pó, os aeroportos cancelam voos. Segundo a Organização das Nações Unidas, o custo económico direto no Médio Oriente será de 13 mil milhões de dólares (12 mil milhões de euros) por ano. Tempestades de areia ocasionais já eram um inconveniente, as mais frequentes serão uma epidemia.