O Dia Mundial da Atividade Física, que se assinala a 6 de abril, seria apenas mais uma data no calendário, mas não quando quando falamos dos irmãos Miguel e Pedro Ferreira Pinto, 35 e 33 anos. Esta altura do ano representa, para eles, uma fase de intensa preparação para dois eventos decisivos em provas de triatlo: o Challenge Lisboa – competição com uma distância equivalente a meio Ironman – que vai ter lugar a 7 de maio, e o Ironman (percurso completo) a 5 de junho.
A odisseia de Pedro e Miguel, que vivem no concelho de Oeiras, começou no final de 2018, ano em que lançaram o projeto Iron Brothers e decidiram participar nas provas mais difíceis do mundo, conhecidas por testarem os limites do corpo.
Embora aficionados da prática desportiva, os dois rapazes nunca tinham treinado juntos, até a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL), no Lumiar, ter convidado os utentes a participarem na Mini Maratona de Lisboa. “Na altura, eu jogava râguebi, fumava e não levava a coisa a sério”, recorda Miguel.
O caso mudou de figura quando o advogado pôs fim ao vício e se iniciou no Crossfit, tendo sofrido uma lesão pouco depois. Impossibilitado de levantar cargas por uns tempos, virou-se para o triatlo: “Por brincadeira, inscrevi-me na prova de Oeiras (triatlo sprint).”
Tornar o sonho real
Nesse agosto, a um mês do meio Ironman, em Cascais, Miguel e os dois irmãos mais novos estavam no Algarve e não imaginavam assistir a um episódio inesperado que os comoveu e foi determinante no rumo que as suas vidas tomaram depois: um vídeo em que dois irmãos americanos, um deles com paralisia cerebral, terminaram uma prova de Ironman e foram convidados a integrar o Campeonato do Mundo da modalidade, no Hawai.

“Eu também quero!”, exclamou Pedro. “Tu és maluco!”, retorquiu o mais velho da fratria mas, no fundo, sabia que a mensagem era para ser levada à letra. Na APCL, Pedro era conhecido pelo seu espírito de missão, envolvia-se nas ações de angariação de fundos para compra de equipamentos e nutria a vontade de superar limites no plano físico. Na sua cabeça, uma iniciativa idêntica à dos irmãos americanos, em terras lusas, “era a oportunidade de mostrar que pessoas com paralisia cerebral podem e devem participar nas provas que quiserem”.
Duas semanas depois da prova, em Cascais, “num tempo razoável”, Miguel avançou com o irmão para o triatlo junto à Docapesca de Lisboa, ainda “sem a bicicleta adaptada”. O primeiro triatlo completo da dupla viria a acontecer no ano seguinte, em Oeiras. Em outubro desse ano avançaram para a primeira prova de fogo juntos: o 70.3 Cascais 2019 (meio Ironman). Desde então, o céu é o limite.
Soma e segue
A forte ligação entre Miguel e Pedro existiu desde sempre. “Tinha pouco mais de um ano quando pedi aos meus pais um irmão para brincar”, conta. Pedro nasceu com seis meses de gestação, os primeiros tempos de vida foram na incubadora e as sequelas a nível cerebral foram inevitáveis.
Os pais explicaram ao primogénito que ele não iria poder jogar à bola com o mano como esperava, mas aquela pequena diferença não constituiu um problema nem alterou o quotidiano da família. Com uma pequena diferença de idades, os miúdos eram muito próximos: “Vestíamos de igual, íamos mascarados da mesma maneira às festas de Carnaval, fazíamos tudo juntos e a vida ia acontecendo”, observa Miguel.
Houve alturas em que, tomando as dores do irmão, não gostava que apontassem o dedo ”ao menino da cadeira de rodas”, quando iam ao centro comercial e chegou a andar “à batatada” na escola e nos parques infantis, para defendê-lo. Ambos foram crescendo numa irmandade sólida em que partilhavam tudo menos a área desportiva, até ao dia em que formaram o Iron Brothers.
“No começo, não podíamos avançar sozinhos e pedimos apoio a marcas”, esclarece. “A Goldnutrition apoiou-nos com a alimentação e o treinador; o Hospital da Luz ofereceu o trike (bicicleta com três rodas); a Gravity Paint deu-nos a cadeira de correr; a Zone3, os fatos de natação e a Blackjack Wheels, as rodas de alta gama para as bicicletas.”
Mudar mentalidades

Por não estarem contempladas categorias “especiais” nestas competições, a participação dos irmãos Ferreira Pinto tem sido nas equipas gerais. “Existe resistência quanto às provas a que as pessoas com cadeiras de rodas podem ir e só há uma equipa por prova”, nota Miguel. No currículo, a dupla conta já com a primeira prova de distância do Ironman, Multisport Coimbra 2021 – “fomos a primeira dupla na Europa a fazer a prova dentro do tempo e a quinta a nível mundial” – e, em fevereiro deste ano, seguiu-se a Maratona de Sevilha.
Os Iron Brothers orgulham-se do caminho trilhado até aqui e acreditam que podem fazer a diferença, tornando esta modalidade mais inclusiva: “Homens e mulheres com paralisia cerebral começam a acreditar que é possível estarem no desporto, que tem esta função agregadora incrível.”
Em fase de preparação para o Challenge Lisboa (meio Ironman), em maio, Miguel e Pedro desclocaram-se a Roma, onde tiveram uma audiência com o Papa Francisco e lhe pediram a benção dos equipamentos para o Campeonato da Europa de Ironman em Hamburgo, em junho.
Agora, dedicam-se com afinco aos treinos diários, num total de 15 a 25 horas semanais. Cada um tem o seu programa: Pedro, na fisioterapia e na natação, Miguel, na estrada. À medida que se aproxima o dia D, há que organizar-se para o treino conjunto. Porém, e referindo-se às condições em que o fazem, Miguel desabafa: “Em Portugal não há uma cultura desportiva; os carros apitam e os condutores ofendem.” Mas nada parece desviar a atenção da dupla maravilha do seu intuito: conquistar o título de Campeões do Mundo. Não se estranhe, pois tal como na infância, para os manos “não há impossíveis”.
Provas Ironman – Trajeto de 113 km, distribuído por três segmentos
- 3,8 km de natação
- 180 km de ciclismo e
- 42,2 km de corrida
Ironman 70.3 – Metade do trajeto, com os mesmos segmentos
- 1,9 km de natação
- 90 km de bicicleta
- 21,1 km de corrida