Ahmed Binalshaikh é provavelmente um daqueles visitantes das exposições mundiais que, apesar de estarem constantemente no recinto, acabam por não ter o número máximo de carimbos no famoso passaporte de passagem pelos vários pavilhões dos países. E porquê? Porque este funcionário da Autoridade de Turismo do Sharjah – um dos sete territórios que constituem os Emirados Árabes Unidos (EAU) – esteve constantemente na estrutura que acolheu a representação portuguesa na Exposição Mundial 2020, no Dubai, que chegou agora ao fim.
Aquele emirati, de 32 anos, começou a estudar a língua portuguesa durante a primeira onda da pandemia e, desde então, não mais parou. O pavilhão de Portugal tornou-se, assim, o melhor local onde praticar o que aprendeu até agora. Já para a representação lusa, Ahmed é, talvez, uma (de várias) das mais de 800 mil entradas que foram registadas ao longo de 182 dias de festa e, simultaneamente, o exemplo da eficácia do que se pretende com estas participações: de que quem visita o pavilhão possa depois viajar até Portugal em turismo ou para investir no País. E por ali passou muita gente, com especial destaque para vários membros da família real e do governo do Emirado, rendidos à comida e à localização privilegiada (mas já lá vamos).

“Acho que já entrei no pavilhão umas cinco vezes. Agora, espero ir a Portugal em maio. Os meus amigos dizem que é a melhor altura, não é?”, questionou Ahmed Binalshaikh, que irá ter de ler esta reportagem em formato PDF, a ser enviado por email, já que o site da VISÃO é um dos que são visados pela censura no pequeno emirado de 3800 km quadrados [mais ou menos do tamanho do distrito de Vila Real].
Não se pode ler a VISÃO [o site é inacessível], assim como não se pode fazer chamadas pelo Whatsapp ou Facebook – e estes são apenas alguns exemplos de um País que recebeu uma exposição universal e bloqueia o mundo livre, onde o superlativo do materialismo, do consumismo e da prosperidade coexistem com o autoritarismo, a censura, o conformismo e a falta de liberdade.
Nos 438 hectares arrancados ao deserto, o Dubai construiu mais uma daquelas estruturas urbanas em que se especializou ao longo de anos, em que o exagero chega a roçar o insólito
Mas na Expo 2020 tal não aconteceu, no que concerne à liberdade de comunicação, por ser considerado um território internacional. Ou, pelo menos, pareceu.
Nos 438 hectares arrancados ao deserto, junto a um outro emirado, Abu Dhabi, o Dubai construiu mais uma daquelas estruturas urbanas em que se especializou ao longo de anos, em que o exagero chega a roçar o insólito, mas também onde se respirou uma certa emancipação – a roupa que cada um podia vestir não estava incluída, já que à entrada da exposição era pedido que as pessoas se apresentassem vestidas dignamente.
Porém, há sempre quem contorne estas regras; a começar pelas várias representações internacionais, como é o caso da de Espanha: a venda de álcool está proibida em pisos térreos, então nuestros hermanos colocaram um degrau à entrada do espaço de alimentação do seu pavilhão, para comercializar as famosas cañas.
“Negociação” pelo espaço, e uma varanda, que valeu a pena
Com um ano de atraso, devido à pandemia, a Expo Dubai abriu portas a 1 de outubro de 2021, mas com as expetativas quanto ao número de visitantes já revistas em baixo, já que eram esperadas enchentes do Oriente – que não se verificaram.
Portugal, tal como outras 191 representações, também teve de se adaptar à nova realidade: dos 10 mil visitantes diários com que se contavam [o que daria agora no final mais de 1,8 milhões de pessoas], o pavilhão luso recebeu uma média entre os 3000 e os 5000.
De acordo com o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Luís Castro Henriques, a quem o Governo entregou a gestão do pavilhão, construído em formato de uma caravela [muitíssimo] estilizada e que custou 21 milhões de euros, após o anterior comissário Celso Guedes de Carvalho ter sido afastado, a própria “expetativa era que até houvesse uma deslocação da diáspora portuguesa em massa até à Expo 2020”. Isso não se verificou. Mas, a organização dá-se por satisfeita.
“Conseguimos atingir o principal objetivo a que nos propusemos: dar a conhecer um País que tem uma enorme diversidade interna, um Portugal tecnológico, inclusivo, e a sua cultura”, assegurou Castro Henriques, salientando o facto de ter sido esta a primeira exposição em que o País se apresentou nos últimos dez anos, quebrando um interregno motivado por decisões governamentais.
Além de toda a construção do edifício, da autoria do arquiteto Miguel Saraiva, ter sido assegurada por empresas portuguesas, outras tantas dezenas de negócios nacionais tiveram ali visibilidade – principalmente na “popstore”, uma loja com produtos portugueses [“mas com design”, como frisou o responsável do AICEP] que teve ali o seu primeiro teste, para poder pulverizar-se não só pelos pontos mais turísticos em Portugal, como pela Europa.

Localizado junto à Praça do Jubileu, que assim levou o nome pelos 50 anos de existência dos EAU, e naquela que foi a melhor das cinco zonas da Expo, o pavilhão, com 1800 metros quadrados e que custou 21 milhões de euros, poderá ter perdido arquitetonicamente pela sua tímida dimensão face às representações de outros países, que apostaram muito mais em luzes, vidros, ecrãs gigantes e umas quantas parafernálias de encher o olho.
Conseguimos atingir o principal objetivo a que nos propusemos: dar a conhecer um País que tem uma enorme diversidade interna, um Portugal tecnológico, inclusivo, e a sua cultura
Luís Castro Henriques, presidente do AICEP e comissário-geral do pavilhão português
Países com pavilhões de média dimensão, como o de Portugal, acabaram por se destacar muito mais; entre os quais se contam o de Israel.

Ou como o da Ucrânia, que apesar de muito pobre no seu desenho, nos materiais de construção e nos conteúdos expostos, acabou por se destacar. Com a invasão do País pela Rússia, as paredes dos três pisos do pavilhão ucraniano encheram-se de “post-it” com mensagens contra a guerra e pela paz.
Porém, o facto de contar com varanda – uma extensão do restaurante do Chef Chakall – sobre a praça que recebeu os maiores espetáculos, como o de encerramento em que esteve a cantora americana Christina Aguilera, o pavilhão português tornou-se uma aposta ganha, já que os lugares daquele terraço privilegiado passaram a ser muito disputados.
“Vários membros do Governo e das famílias reais (dos emirados)” fizeram questão de ali estar, e repetir a presença, como sinalizou Luís Castro Henriques, adiantando que, na última semana da Expo, uma das filhas do emir Mohammed bin Rashid Al Maktoum alugara metade da varanda para o aniversário, cobrindo o espaço com panos pretos e exigindo ser apenas servida por funcionárias do restaurante.
À VISÃO, Maricon e Ariel Reyes, mãe e filha filipinas que trabalham no Dubai, destacaram aquele espaço como dos melhores em toda a Expo. “O pavilhão português é muito relaxante, e calmo, principalmente depois de percorrermos toda a feira, com tanta gente. Mas o melhor é mesmo a varanda; já aqui vimos dois espetáculos na praça”, adiantou a jovem, que no último dia da exposição não pagou pela entrada [a organização terá oferecido milhares de acessos].
Castro Henriques admitiu ter valido a pena a “difícil” negociação para a instalação naquele local específico de um pavilhão em cujos interiores pontuaram os azulejos portugueses. Agora, desconhecendo-se qual possa ser o futuro do edifício, “há pelo menos já cinco municípios portugueses que manifestaram a intenção de levar este pavilhão, para os mais diversos usos”, explicou.
Objetivo alcançado: do Top 10 para o melhor restaurante
Na reta final da Expo Dubai, o número de visitantes disparou no Pavilhão de Portugal a reboque de alguém que está habituado a recordes: Cristiano Ronaldo.
Graças a duas taças emprestadas pelo Museu de CR7 na Madeira – réplicas das ganhas pelo Manchester United na temporada de 2007/2008 na Liga Inglesa e na Liga dos Campeões Europeus -, mais de 15 mil pessoas passaram por ali diariamente. Muito mais interessadas em se fotografarem com o galáctico português do que em assistirem ao vídeo imersivo sobre o País.
Segundo Larissa Garcia, que foi supervisora dos guias do pavilhão, “foi um sucesso enorme esta aposta”. “As crianças já chegavam fazendo o ‘siiiimmmm’ de Cristiano Ronaldo”, contou à VISÃO, num momento em que a esplanada do pavilhão contava com muito mais gente do que aquelas que aguardavam na fila da representação venezuelana (ali em frente e cujas luzes de neon estiveram vários dias – até ao final da Expo – com o U, o E e o A, de Venezuela, apagadas). Ou até mais do que o pavilhão brasileiro, detentor de um lago enorme no seu interior, cujo material expositivo pouco mais era do que uma enorme publicidade à hidroelétrica da Itaipu Binacional.

Portugal conseguiu ainda outro feito: ter o restaurante Al-Lusitano classificado pela organização da Expo Dubai como o melhor da feira. Para Chakall, que concorreu à exploração do espaço, “o objetivo inicial era ficar entre os 10 melhores restaurantes”.
Houve umas semanas em que esteve a par e passo com o do Luxemburgo e do Japão, mas a taça coube ao conhecido chef argentino, que elaborou um menu profundamente inspirado em Portugal – até as cartas do menu vinham acompanhadas de um pequeno chocalho.
“Há três meses que somos o melhor restaurante”, destacou orgulhoso Chakall, que, devido ao efeito da pandemia na bilheteira da Expo, só nas últimas semanas conseguiu cobrir o investimento de 350 mil euros que foi feito pelo sócio Pedro Rodrigues, um especialista em retail parks que se fixou no Dubai. “Sozinho não viria para aqui. Houve dias, aquando de uma das ondas de Covid-19, que olhávamos lá para baixo [praça] e víamos uma ou duas pessoas”, revela, agora, num momento em que conta com umas quantas propostas para abrir espaços de restauração nos EUA, em princípio em Abu Dhabi e Dubai.
Os olhos de Portugal estão, entretanto, já focados em Osaka (Japão), onde se realiza a Expo 2025; não sendo de descartar, como disse Castro Henriques à VISÃO, a possibilidade de na década de 2030 Portugal voltar a repetir a sua experiência de 1998, em Lisboa. “Pode ser uma oportunidade”, lançou o responsável do AICEP.
A exposição mundial acabou por fechar portas já na madrugada da última sexta-feira, quando um forte nevoeiro se abateu sobre aquela área que era anteriormente um deserto. Ainda assim, apesar de não se ver um dedo à frente dos olhos – ao ponto de os carros terem que aguardar algum tempo para haver visibilidade – a organização não deixou os créditos por mãos alheias: o fogo de artifício agendado para as três da manhã foi mesmo lançado, sendo que, à exceção do som forte do rebentamento da pólvora, não se avistou rigorosamente nenhuma luz ou cor. Resultado de que a natureza é a única a conseguir trocar as voltas à máxima daqueles emirados – de nunca sonhar pequeno quanto ao tipo e ao local de construção.
A VISÃO viajou a convite da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal