“Não sei o que se passa, mas tenho a impressão de que andamos todos muito irritados.” Na estrada, nas conversas entre amigos, nas reuniões de trabalho na fila da farmácia ou do supermercado e, até, numa consulta médica, este é um sentimento partilhado por muitos.
As flutuações das medidas sanitárias, económicas e laborais, que levam a que o modo de funcionamento provisório a tornar-se regra podem justificar, em parte, uma certa fragilidade, um sentir-se à flor da pele, sinais típicos da resposta de ataque-ou-fuga. Um dia, sem perceber ao certo o motivo, uma pessoa dá por si sem reserva de tolerância, reagindo a situações triviais de forma exagerada, com explosões irracionais, mesmo que tal não faça parte da sua forma de ser.
Há, ainda, a outra face da moeda: sentir mágoa ou ressentimento durante uma conversa que até estava a correr bem. O coração acelera, o desconforto aumenta e a sensação de abalo, inexplicável, depressa se converte em indignação e ofensa. O verniz estala e os instintos mais primários sobem ao palco, tomando conta do protagonista. “Quem é que ele(a) pensa que é?”, “estás parvo(a), ou quê?” Entra-se num registo negativo que pode ser – e mais das vezes é – contagiante. Se é isso que acontece, o que pode ser feito para antecipar os estragos ou lidar com a situação sem grandes dores de cabeça?
Olho por olho
Uma investigação publicada em 2016 mostrou que quando nos deparamos com um comportamento rude numa interação, a probabilidade de responder no mesmo registo, uma vez que, sabem-no bem os psicólogos sociais, comportamento gera comportamento.
O que este estudo traz de novo é o facto de o rastilho partir de condutas negativas de baixa intensidade: uma observação sem importância, mas elevando a voz ou num tom agressivo, ativa uma rede semântica de conceitos relacionados no plano mental, desencadeando a resposta hostil, com implicações nas diversas áreas do quotidiano das pessoas.
Comentários rudes ou precipitados, mesmo de baixa intensidade, têm um efeito de contágio que mina a comunicação e só piora quando não se sabe gerir emoções
A animosidade e as reações acintosas tendem a escalar, agravando um cenário que poderia ser resolvido com a cabeça fria, usando o neocórtex, mais do que o cérebro primitivo – o primeiro a ser disparar quando se percebe uma situação como ameaçadora – e surge a resposta de stresse. Perde-se a perspetiva, ou o distanciamento necessário para responder, à situação melindrosa.
“Muitas vezes, agir com agressividade está ligado a uma frustração ou tensões na vida pessoal ou profissional, que nada têm a ver com a situação ou a pessoa que é alvo”, afirma a Cristina Borges, consultora do Instituto de Ciências Comportamentais e de Gestão.
A fila de espera ou o trânsito afiguram-se, assim, oportunidades para a descarga emocional. Daí dizer-se que não se devem levar estas manifestações a peito, uma vez que, na maioria dos casos, “apenas demonstram baixos níveis de gestão emocional”.
O que a rudeza esconde
Costuma dizer-se que não se apanham abelhas com mel, mas há situações e situações. Alguém com uma emergência pode ter “pavio curto” numa situação pontual, sem que os comportamentos deselegantes ou inadequados façam parte do seu repertório no relacionamento com os outros.
O mesmo não se pode dizer da pessoa que aponta o dedo ao outro e ataca para não ser atacada, ou que se comporta de forma inapropriada porque não sabe lidar de outro modo com aquilo que está a sentir no momento. É o caso da pessoa que, exaltada ou aflita, verbaliza “não estou nada nervoso”, negando o que é óbvio por falta de consciência emocional.
“Um comportamento agressivo visa um benefício próprio, mesmo que seja inconsciente”, observa a consultora. Da mesma forma que alguém come de forma compulsiva para obter conforto, o ganho em adotar comentários rudes traz, pelo menos no imediato, a libertação de mal-estar. Porém, a médio prazo, tais mecanismos não se revelam adaptativos: fica-se refém no registo da revolta, da indignação e da descarga de emoções sem filtro.
Por outro lado, quem se vê na posição de alvo de dislates alheios, ou se sente ofendido com frequência, pode estar em jogo “um baixo autoconceito que leva a personalizar o que é dito como sendo dirigido a si, quando nem sempre é o caso”. A “culpa” é das distorções cognitivas, mas as crenças e os modelos parentais também entram na equação: “Um adulto que cresceu a ver os pais serem agressivos para obterem o que querem ou a dizerem-lhe, em criança, ‘não te fiques, não sejas palerma’ tem mais tendência a seguir esse registo.”
Como prevenir o contágio
Quando falamos de contágio emocional, não podemos ignorar a questão da cidadania, que cabe a todos e a cada um. Isso não quer dizer que se advogue o politicamente correto (não expressar sentimentos por medo de gerar desconforto) ou o seu oposto (dizer tudo o que vem à cabeça).
Cristina Borges, que se especializou em Inteligência Emocional na Universidade de Salamanca, em Espanha, e trabalha na área há 16 anos, esclarece: “As competências emocionais, ou soft skills, não são inatas; aprendê-las é a via para comunicar melhor”. E, já agora, sem os dissabores com os quais se terá de lidar depois do caldo entornado.
O que podemos fazer – nas escolas, nas empresas, na sociedade – para não cair nesta armadilha, ou seja, sem correr o risco de ser contagiado pelos impulsos? A consultora sugere três pistas:
1. Não personalizar
“Sempre que se sentir agredido ou alvo de uma ofensa devido a um comentário desagradável, tenha em conta que ele diz mais da pessoa que o faz do que de si.”
2. Atacar a bola, não o jogador
“Manifestar o seu desagrado na primeira pessoa, de forma assertiva; por exemplo, ‘sinto-me incomodado, não faça isso comigo’. E de forma não violenta, sem qualificar a pessoa.”
3. Respirar
“Quando sentir que está a entrar em stresse, tendo em conta os sinais do corpo, use a respiração abdominal para retomar o estado de calma, sem perder a cabeça.”
Por fim, pode ser útil sinalizar os seus limites, que variam de pessoa para pessoa, fazendo-o de forma clara, travando assim as hipóteses de continuar no registo que não deseja. Se tiver de conviver regularmente com a pessoa em causa, a melhor maneira de lidar com reações hostis pode passar por reduzir as interações ao mínimo, a fim de poupar energia e usar o seu tempo com quem realmente deseja sem ver o seu humor afetado.
Uma vez que é impossível não comunicar – disse-o o famoso psicólogo e terapeuta familiar Paul Watzlawick, da Escola de Palo Alto, na Califórnia – quando se vir a braços com uma situação desconfortável, pode optar por fazer uma pergunta, em vez de responder (indiretamente ou à letra) e surpreender o interlocutor de uma forma diferente.