A pandemia veio acelerar a transição para o digital, tanto nas práticas dos consumidores como na das empresas. Assistimos a uma crescente preferência por compras através da Internet e a um acentuar de práticas como shopping em direto.
Nestes eventos online, os vendedores, influencers, ou mesmo celebridades — que são quem geralmente apresenta os vídeos em direto — promovem os artigos e interagem com o público, que tem a possibilidade de fazer perguntas na caixa de comentários. Quem assiste pode, enquanto vê o direto, comprar os produtos que estão a ser apresentados.
Tudo começou em 2016 com a Taobao Live, criada pela gigante tecnológica chinesa Alibaba, que decidiu adicionar transmissões de vídeos em direto a uma plataforma de comércio online, de forma a incentivar os clientes a comprar e a facilitar todo o processo de compra. Esta tendência que, de certa forma, recria a experiência de fazer compras em lojas físicas, acentuou-se em 2020, quando o comércio se viu obrigado a fechar portas.
Sem poder ter clientes dentro da loja durante o confinamento, Sónia Correia começou a fazer diretos no Facebook e Instagram. Mas a gerente da loja na Venda do Pinheiro, Mafra, não vende enquanto faz os vídeos, por achar que “não é muito ético”, mostrando apenas as peças. Além de ter notado um aumento de vendas motivado pelos vídeos, Sónia diz que através dos diretos pode chegar a um público mais vasto, até de outros países, e atender muitos clientes ao mesmo tempo, o que se torna uma vantagem porque, na loja de pequenas dimensões, seria impossível.
Se em Portugal o livestream shopping ainda é uma funcionalidade utilizada principalmente por pequenos comerciantes, através de redes sociais, e com o objetivo dar a conhecer os produtos da loja e não propriamente vender no momento, na China este formato está a transformar o setor do retalho e é visto como um canal cada vez mais competitivo, que gera milhões em receitas.
Segundo um estudo da Coresight Research, estima-se que até ao final deste ano, o mercado do livestream shopping alcance 265 mil milhões de euros na China. Os EUA, onde esta tendência tem vindo a ganhar cada vez mais terreno, deve atingir os 9,7 mil milhões de euros em receitas até ao final do ano, de acordo com o mesmo estudo.
Nuno Milagres, vice-presidente da Associação das Empresas e Profissionais da Economia Digital (ACEPI) considera que os influencers portugueses são um dos motivos pelo qual o fenómeno das compras em direto ainda não se ter estabelecido em Portugal, tal como noutros países, e ainda ser pouco competitivo: “Os influencers que atuam nas redes sociais ainda são muito tímidos quando é para falar do preço do produto, quanto mais para os vender”. O também coordenador do Programa Comércio Digital, iniciativa criada pela ACEPI com o objetivo de promover a transformação digital das empresas portuguesas, alerta ainda: “Os atuais influencers ou se ajustam ou então um novo tipo de influencer — o influencer-vendedor — vai aparecer”.
Desde o lançamento da Taobao Live em 2016, têm surgido aplicações especializadas no shopping em transmissõesde vídeos em direto, como a Bambuser, NTWRK, ou a Whatnot. Estas super apps integram tudo o que é necessário para tornar a experiência de compra online mais conveniente: métodos de pagamento, a possibilidade de fazer vídeos em direto e também formas de interagir com quem está a assistir.
O Facebook, Instagram, Twitter, Youtube e Tik Tok já lançaram plataformas onde é possível fazer compras enquanto se assiste a vídeos em tempo real, sem ser necessário sair das próprias redes sociais. Em novembro, por exemplo, o Youtube promoveu um evento de livestream shopping durante uma semana, com celebridades como Gordon Ramsey a apresentar os vídeos em direto. Já a Amazon, com a Amazon Live, bem como outros marketplaces (plataformas de comércio eletrónico que reúnem vários vendedores e marcas num único local) têm aderido à tendência.
Sophie Abrahamsson, diretora comercial da aplicação Bambuser, não estranha a rapidez com que assistimos ao crescimento do livestream shopping. A presença cada vez maior do vídeo na forma como consumimos Internet é sinal disso: “Fazemos chamadas por Zoom, ligamos por Facetime e assistimos a diretos no Instagram. É natural que comecemos a fazer compras da mesma maneira”, afirma à VISÃO.
A empresa sueca que pretende “ocupar o espaço entre o mundo físico e o mundo digital” do comércio a retalho já fez parcerias com marcas como a Samsung, Adidas e Tommy Hilfiger, o que demonstra também um crescente interesse de grandes marcas pelo fenómenos das compras através de vídeos em direto na Internet.
Se a pandemia veio alterar os hábitos de consumo, as atuais práticas dos consumidores obrigam a que o comércio eletrónico se adapte. Nuno Milagres sustenta “O comércio tem de se reinventar. A loja já não vai ser o ponto principal para efetivar uma venda com o cliente”.