A paelha é um forte concorrente ao prato mais famoso da gastronomia espanhola – para muitos, é o primeiro que vem à cabeça quando pensamos na cozinha do nosso país vizinho. Agora, o governo de Valência – a região do sul de Espanha onde se originou a paelha – atribui ao prato um estatuto cultural protegido, considerando-o um Bem de Interesse Cultural Imaterial.
O anúncio foi feito na terça feira através de um extenso artigo publicado no diário oficial da região – o Diari Oficial de la Generalitat Valenciana – em que é declarado que, como verdadeiro “epicentro da gastronomia valenciana”, a paelha é “um ícone da dieta mediterrânica, tanto pelos seus ingredientes como pelas suas características como representação da cultura valenciana”.
Os ingredientes usados na paelha incluem carne, peixe, marisco e vegetais, e claro, o “justamente famoso e saudável azeite e o grão completo que é o arroz” – todos ingredientes presentes na dieta mediterrânica, cuja combinação faz da paelha “um dos pratos mais equilibrados da gastronomia”.
Uma tradição com centenas de anos
O decreto descreve ainda as origens do prato, que remontam à zona costeira de Valência, “onde o prato era cozinhado com o fim de dar resposta às necessidades alimentares dos camponeses da zona”. O primeiro registo escrito de uma receita do prato data do século XVIII, que explicava as técnicas para confecionar a paelha, ou o ‘arroz à valenciana’, como também era chamado.
O decreto realça ainda que o arroz, um ingrediente muito querido pelo povo valenciano, foi introduzido de forma ampla em Espanha pelos árabes, quando chegaram à Península Ibérica no século VI. Os árabes introduziram novas técnicas de cultivo e irrigação que permitiram às culturas de arroz prosperar, e o florescimento do comércio das especiarias, como o açafrão, também usado no prato, contribuiu para a sua difusão.
No século XX, a paelha já era conhecida noutras grandes cidades e, com o boom turístico dos anos sessenta em Espanha, iniciou a sua expansão mundial para se tornar num prato globalmente conhecido.
O documento acrescenta ainda que “o seu processo de produção e a arte de a preparar e provar fazem dela um verdadeiro fenómeno social, e até condicionam parte da paisagem e do ecossistema da Comunidade Valenciana através do cultivo e produção dos alimentos de que é feita”.
Como fazer? O decreto também explica
Devido à sua importância e significado cultural, a paelha é considerada “o símbolo do almoço de domingo de família” e representa “a arte de unir e de partilhar”.
Com a conservação deste pedaço de tradição em mente, o decreto estabelece ainda uma série de medidas para a proteção e salvaguarda da paelha, que passam pela “identificação, descrição, estudo e documentação do bem, e ainda a incorporação de testemunhas disponíveis com apoio material para garantir a sua protecção e preservação, ou para assegurar o seu desenvolvimento normal, bem como a sua transmissão às gerações futuras”, de acordo com o jornal espanhol El País. E o governo valenciano não desiste da ambição de que a paelha seja um dia considerada Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
O decreto almeja ainda proteger a paelha de “distorções que possam resultar do turismo massificado”. Embora não tenham sido dados exemplos, é possível que o documento se estivesse a referir a casos como aqueles em que os chefs internacionais Jamie Oliver ou Gordon Ramsay partilharam as suas próprias receitas de paelha, com twists pouco usuais. As receitas partilhadas na Internet incluíam chouriço e chili, respetivamente, o que gerou revolta no povo espanhol, que reagiu prontamente criticando os chefs.
Apesar de não oferecer uma receita concreta – alegando que existem várias maneiras de preparar a paelha, consoante as diferenças regionais – o decreto apresenta algumas recomendações e práticas tradicionais a aplicar na sua confecção.
Para fazer uma paelha o mais semelhante possível à tradicional, o conselho mais importante é, talvez, nunca mexer o arroz, pois fazê-lo irá libertar o amido dos grãos de arroz e torná-lo pegajoso, em vez de seco e solto. A maneira tradicional de cozinhar a paelha manda ainda que se coloque o arroz na frigideira numa camada fina, de modo a formar uma cruz, para que a quantidade de arroz seja distribuída uniformemente.
Além de utilizar ingredientes de qualidade, é fundamental monitorizar a qualidade do fogo, caso a paelha seja cozinhada a lenha. A usada tradicionalmente em Valência é a de laranjeira, que deve estar amolecida, e o fogo não deve libertar demasiado fumo. Caso a paelha seja cozinhada num fogão a gás, é importante garantir que toda a superfície é aquecida de maneira uniforme.
Por último, de acordo com a tradição, a paelha é melhor comida com uma colher de madeira, como era feito antigamente – embora hoje em dia o costume tenha decaído.