Uma equipa de cientistas a trabalhar desde o verão do ano passado em grutas no norte do Laos estudou e analisou amostras de saliva, urina e matéria fecal de 645 morcegos residentes naquela zona e descobriu que três espécies de morcegos capturados eram portadoras de vírus muito semelhantes ao SARS-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19.
Estes coromavírus recém-descobertos têm uma característica particular: possuem um ‘gancho molecular’ muito semelhante ao gancho presente no vírus que causa a Covid-19, que lhes permite ‘agarrarem-se’ às células humanas, tendo assim a capacidade de passar dos animais para os humanos.Estes novos vírus são “ainda melhores do que as estirpes iniciais do SARS-CoV-2” a infetar células humanas, acredita Marc Eloit, virologista no Instituto Pasteur, em Paris, que liderou o estudo.
Uma descoberta “fascinante, mas também assustadora”
A descoberta é inédita para os virologistas e afasta ainda mais a teoria de que o SARS-CoV-2 tenha tido origem num laboratório, com o argumento de que a capacidade do vírus de infetar humanos tão eficaz e rapidamente indicava que este não poderia ter evoluído naturalmente de um animal. “Quando o SARS-CoV-2 surgiu pela primeira vez, o domínio de ligação do recetor não se parecia com nada do que tínhamos visto antes”, explica Edward Holmes, virologista da Universidade de Sydney. “Isto fez com que algumas pessoas especulassem que o vírus tinha sido criado num laboratório. Mas esta descoberta confirma que vírus como estes existem, de facto, na natureza”, continua.
Por outro, a descoberta destes novos vírus pode dar aos virologistas algumas pistas sobre como antecipar possíveis pandemias no futuro. Alguns suspeitam que, dentro das condições ideais, estes novos vírus podem resultar em pandemias semelhantes à que vivemos atualmente.
David Robertson, virologista na Universidade de Glasgow, considera que esta descoberta é “fascinante, mas também assustadora”.
Outros vírus semelhantes já tinham sido encontrados no Japão, no Camboja e na Tailândia. Mas os três novos vírus descobertos agora – que receberam os nomes de BANAL-52, BANAL-103 e BANAL-236 – são idênticos em mais de 95% ao SARS-CoV-2.
Uma pista sobre a origem do vírus?
O estudo – que ainda não foi revisto pelos pares – não responde, no entanto, à questão de como o vírus pode ter viajado até Wuhan, onde foi identificado o primeiro caso de infeção Covid-19 num ser humano. Respostas a esta e outras perguntas podem vir de mais pesquisas no sudeste asiático com morcegos e outros animais selvagens, como o pangolim, que estão ser feitas por outros grupos. É certo, porém, que estas descobertas fazem do sudeste asiático um “hotspot de diversidade de vírus semelhantes ao SARS-CoV-2″, afirma Alice Latinne, bióloga na Sociedade de Conservação da Vida Selvagem em Hanoi. Aliás, Eloit prevê que ainda haja muitos mais “parentes” do SARS-CoV-2 por encontrar.
A equipa de Eloit encontrou cerca de duas dúzias de tipos diferentes de coronavírus nos 645 morcegos estudados. No caso de um morcego infetado com um coronavírus ser infetado por um segundo, os dois vírus podem “agarrar-se” à mesma célula simultaneamente, e começar assim a produzir novos vírus híbridos. Este processo, que tem o nome de ‘recombinação’, está a alterar os vírus de ano para ano, teorizam os cientistas.
Num outro estudo, Eloit e os seus colegas analisaram amostras de sangue de laocianos que tinham a ocupação de recolher os excrementos dos morcegos (usados como fertilizantes, entre outros fins). O estudo foi levado a cabo entre agosto e setembro de 2020 – altura em que o Laos tinha um baixo número de casos – e apesar de os laocianos não terem apresentado sinais de infeção por Covid-19, possuíam um certo número de anticorpos que pareciam ter sido causados por outro vírus idêntico, talvez pela exposição aos animais.
Agora, o próximo passo para os cientistas é tentar encontrar mais vírus desta ‘família’ e estudar os seus potenciais perigos. Para Eloit, o melhor sítio para continuar a procura é na zona do sudeste asiático, uma área “correspondente ao norte do Vietname, norte do Laos e sul da China”, afirma. Mas outros cientistas defendem que os vírus podem estar ainda mais longe – como no este da China, Tailândia, ou até na Indonésia ou na Índia.
“Isto não é um problema apenas do sudeste da Ásia”, diz Colin Carlson, biólogo na Universidade de Georgetown. “Estes vírus são diversos, e são mais cosmopolitas do que pensávamos”. Michael Worobey, virologista na Universidade do Arizona confirma: “Claramente, a recombinação está a mostrar-nos que estes vírus são parte de um único conjunto genético que se estende ao longo de centenas e centenas de milhas, se não milhares de milhas.”
No entanto, caso venham a ser descobertos mais ‘parentes’ destes vírus, isso não significa necessariamente que eles originem novas pandemias como a que atravessamos atualmente. Apenas sete dos coronavírus conhecidos até agora conseguiram estender-se das espécies animais aos seres humanos, por isso eventuais novos vírus podem causar apenas surtos pequenos e controláveis, ou não conseguirem infetar os seres humanos de todo.