Este artigo não traz sangue nem mortes. No final da experiência, levada a cabo por uma equipa de investigadores espanhóis, todas as aves foram libertadas novamente, sem qualquer ferimento.
O objetivo era perceber de que forma os neandertais conseguiam caçar animais tão esquivos e espertos como são as gralhas, que eram um dos seus alimentos habituais. Quando a experiência terminou, tinham sido caçadas muitas aves – mais de 5 mil – mas nem um pingo de sangue fora derramado.
Recorrendo à “dramatização”, os cientistas brincaram ao “faz de conta que sou um neandertal”, usando lanternas que cintilavam a imitar tochas de fogo, redes e escadotes – tudo ferramentas semelhantes aquelas que esses nossos antepassados poderão ter usado para capturar as suas presas aladas.
Fizeram-no em cavernas e à noite porque as gralhas recolhem habitualmente sempre ao mesmo ninho/poleiro. E organizaram-se em grupos de dois a dez, porque se sabe que os neandertais viviam em famílias alargadas, com um máximo de dez adultos (mais crianças).
“Demonstrámos que os neandertais provavelmente caçavam gralhas, aves que passam a noite em cavernas, o abrigo preferido desses hominídeos”, afirmou Guillermo Blanco, do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, num comunicado. “Reconstruímos como eles poderiam ter usado o fogo para atrair, cercar e apanhar as gralhas à noite”, acrescenta o primeiro autor do estudo que foi publicado recentemente na revista Frontiers in Ecology and Evolution.
Muito antes de os diferentes grupos de investigadores terem fingido, por umas horas, ser neandertais-à-caça-do-seu-jantar, Gillermo Blanco e os restantes co-autores do estudo reviram a literatura científica sobre cavernas na Europa onde foram encontrados fósseis de ossos de gralhas com marcas de terem sido cortados.
296 ‘caçadas’ em 70 cavernas
“Essas marcas são uma forte evidência de que os neandertais apanhavam e cortavam as aves para comer. E as suas penas pretas brilhantes e os bicos e as garras amarelos ou vermelhos poderiam ser usados para decorar o corpo”, sublinhou Juan J. Negro, da Estação Biológica de Doñana, em Sevilha, citado no mesmo comunicado.
Estabelecida a ligação homem-caverna-aves, partiram à procura de locais, em Espanha, identificando 185 “dormitórios”, sendo que cerca de um terço eram em cavernas, fendas e abismos. No final, realizaram 296 “caçadas” em 70 cavernas.
“Concluímos que as gralhas eram excecionalmente vulneráveis se os neandertais usassem luz artificial, como o do fogo, em cavernas à noite”, explicou, por sua vez, Antonio Sánchez-Marco, do Instituto Catalão de Paleontologia Miquel Crusafont, em Barcelona. “Demonstrámos que as gralhas, quando ficam encadeadas, ou tentam fugir da caverna, e então podemos caçá-las com redes à entrada, ou voam em direção ao teto, onde muitas vezes conseguimos apanhá-las com as mãos.”
Estas caçadas, que se presumem organizadas em grupo, eram importantes para a alimentação dos neandertais. Duas a três gralhas representavam uma refeição completa para um adulto, sendo que os mais habilidosos apanhavam facilmente 40 a 60 aves por noite.