Mais de 1200 cientistas assinaram uma carta publicada na Lancet, com o título a deixar clara a sua posição: “Infeção em massa não é uma opção.” Os especialistas avisam que a estratégia britânica, confirmada na passada segunda-feira pelo primeiro-ministro, Boris Johnson, de levantar quase todas as medidas de confinamento a 19 de julho, é uma ameaça para o resto do mundo, fornecendo terreno fértil para a emergência de variantes resistentes às vacinas atualmente disponíveis.
Também numa cimeira de emergência sobre o tema, esta sexta-feira, conselheiros governamentais da Nova Zelândia, Itália e Israel se mostraram surpreendidos com o plano de desconfinamento britânico e alertaram para os perigos do “Dia da Liberdade”.
“Na Nova Zelândia, sempre olhámos para o Reino Unido como líder no que diz respeito ao conhecimento científico e é por isso que é tão notável que não siga sequer os princípios básicos da saúde pública”, lamenta Michael Baker, professor na Universidade de Otago e membro do grupo de aconselhamento técnico do ministério da Saúde neozelandês.
“Não podemos compreender porque é que isto está a acontecer apesar do conhecimento científico que têm”, concorda o espanhol José Martin-Moreno, da Universidade de Valência, e conselheiro da Organização Mundial de Saúde.
A mesma incredulidade e preocupação chega de dentro do Reino Unido, com a diretora da unidade de investigação operacional clínica da Universidade College London, Christina Pagel, a resumir, na reunião: “Devido à nossa posição como centro global de viagens, qualquer variante que se torne dominante no Reino Unido vai, provalmente, espalhar-se pelo resto do mundo. A política britânica não nos afeta só a nós. Afeta todos.”
Já na missiva, o grupo de cientistas diz acreditar que o governo britânico “está a embarcar numa experiência perigosa e antiética”.
As infeções no Reino Unido estão a atingir um pico a que só se chegou em janeiro último, com o número de mortos em níveis de março.
“Enquanto a terceira vaga domina Inglaterra, o governo britânico planea reabrir o país. Implítica nesta decisão está a aceitação de que as infeções vão aumentar, mas que isso não importa porque as vacinas ‘quebraram a ligação entre a infeção e a mortalidade'”, lê-se. “O fim da pandemia pela imunidade da população implica que população suficiente esteja imune para impedir o crescimento exponencial do SARS-CoV-2. É pouco provável que se atinja a imunidade da população sem níveis de vacinação muito mais elevados do que se pode esperar a 19 de julho”, acrescentam os especialistas, que alertam que a transmissão descontrolada poder afetar desproporcionalmente os mais novos ainda não vacinados.
E apresentam contas: “Números oficiais do governo britânico mostram que, a 4 de julho, 51% do total da população tinha a vacinação completa e 68% parcial. Mesmo assumindo que 20% dos não vacinados estão protegidos graças a uma infeção anterior, ficam 17 milhões sem qualquer proteção contra a Covid-19”.