A questão é antiga: como é que o homem se tornou o primata dominante, capaz de se aventurar das florestas tropicais para a savana e depois povoar o planeta todo – como quem diz, o que o torna único. Entre as várias explicações oferecidas pela ciência, está obviamente o nosso cérebro, o andar bípede e ainda a capacidade de criar ferramentas complexas.
Além disso, sabemos que para os humanos, água é vida – o nosso corpo tem pelo menos 60 por cento de água – e que estamos sempre a perder esse precioso líquido: quando respiramos, quando suamos, quando… É uma água que tem, depois, de ser reposta para manter o volume de sangue e outros fluidos corporais dentro dos parâmetros normais – daí a recomendação de se beber cerca de 2 litros de água.
Mas, o que o mais recente estudo sobre o assunto acaba de revelar é que, na realidade, os humanos fazem uma gestão muito regrada da água que precisam para viver e usam entre 30 a 50 por cento menos desse líquido a cada dia do que, por exemplo, os seus primos primatas mais próximos.
Publicado na Current Biology, a análise em questão mostra claramente que, entre os primatas, o ser humano evoluiu para ser o modelo que precisa de um baixo consumo de água diário, sendo essa capacidade que permitiu aos nossos antepassados caçadores-coletores viajar para mais longe das fontes de água para encontrar alimento.
“Terá sido essa grande vantagem que permitiu aos primeiros humanos viver em paisagens secas e de savanas”, explicou Herman Pontzer, autor principal e antropólogo evolutivo da Duke University, EUA, citado por aquela publicação.
Um outro mistério por resolver
O que Pontzer e a sua equipa fizeram foi estudar a ingestão de água (via alimentos e bebidas) e a forma como a expelimos (via suor, urina e o tracto gastrointestinal) em mais de 300 pessoas com os mais diversos estilos de vida – desde trabalhadores de escritório a agricultores. Depois, compararam esses dados com os de 72 macados que vivem em jardins zoológicos e zonas protegidas, apurando por fim que os humanos processam três litros de água por dia, enquanto chimpanzés e gorilas usam o dobro. E isto surpreendeu os cientistas por duas razões.
Primeiro, pelo facto de o ser humano suar muito mais do que os seus primos primatas, dado que temos 10 vezes mais glândulas sudoríparas do que os chimpanzés por cada 2,5 centímetros quadrados de pele. Depois, porque tendemos a ter muito mais horas ativas do que os grandes símios.
“A maioria dos macacos passa 10 a 12 horas por dia a descansar ou a alimentar-se, e depois dorme durante cerca de 10 horas”, observa Pontzer, notando que estes últimos “só se movem um par de horas por dia”.
Avaliando ainda fatores como as diferenças de clima, o tamanho do corpo, o nível de atividade e as calorias queimadas por dia, o que os resultados sugerem, adianta ainda aquele investigador, é que o ser humano evoluiu gradualmente para precisar de menos água regularmente para se manter saudável. Hipóteses para isto ter acontecido? Uma possibilidade é a resposta à sede dada pelo nosso corpo ter-se adaptado para usar menos água por caloria gasta – mas também pode ter sido devido a um desenvolvimento dos nossos narizes, que ocorreu há cerca de 1,6 milhões de anos, permitindo-nos reter mais humidade da nossa respiração do que os narizes mais achatados de outros primatas.
“É ainda um mistério por resolver”, remata Pontzer, adiantando apenas que “descobrir exatamente como isso acontece será o passo seguinte.”