Um grupo de especialistas, de áreas que vão da ciência à economia, decidiu criar um mapa de controlo pandémico, divido por cinco áreas específicas. Testar, seguir, isolar, vacinar e informar são as prioridades traçadas pela investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas Joana Gonçalves de Sá, o professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa Pedro Pita Barros, o imunologista da Fundação Champalimaud Thiago Carvalho, a investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência Maria João Amorim e o investigador do Centro de Recursos Naturais e Ambiente do Instituto Superior Técnico Leonardo Azevedo.
Na conta de Twitter de Joana Gomes de Sá, coordenadora do projeto, pode ler-se que esta é uma adaptação de documentos internacionais ao caso português. “Decidimos fazer isto como oferta de base de trabalho, porque ficámos surpreendidos quando percebemos que não havia qualquer plano”, contou ainda à VISÃO a investigadora do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas.
Este “roadmap”, como é apelidado pelos autores, tem assim o objetivo de “oferecer uma possível estratégia de controlo, usando como principais critérios assegurar uma incidência moderada (menos de 50 novos casos diários por 100 mil habitantes durante uma ou duas semanas ) e uma percentagem de testes com diagnóstico positivo inferior a 5 por cento”.
Para desenhá-lo, os investigadores partiram de certos pressupostos, assumindo que o vírus irá “continuar a circular de forma pandémica durante, pelo menos, mais um ano”, que, nesse período de tempo, “não será possível vacinar suficiente população nacional (e mundial) para utilizar a vacinação como forma de controlo da pandemia”, que será necessário manter “intervenções não farmacológicas de mitigação a médio prazo” e que estas medidas terão de ter também “um cariz social e variável conforme o contexto”.
1. Testar
Relativamente à testagem, os autores não usam o índice de transmissibilidade da doença (Rt) como critério, mas “a incidência por 100 mil habitantes a sete dias (que não deverá ser superior a 50) e a taxa de testes positivos (que não deverá ser superior a 5 por cento)”. O plano considera importante controlar a transmissão através da “testagem de todos os indivíduos com sintomas compatíveis com Covid-19 e os seus contactos” e monitorizar as taxas de transmissão, prevalência e gravidade de SARS-CoV-2.
Para isso, sugere-se a utilização de vários tipos de testes: testes de diagnóstico, “que devem ter alta especificidade (>99%) e sensibilidade (>95%)”, como os testes moleculares de RT-qPCR, testes de monitorização de rotina, “de alta especificidade (>97%) e sensibilidade média (>80%)”, como testes de antigénio e, no caso de monitorização muito frequente ou em crianças “também devem ser considerados métodos de recolha de amostra de forma menos invasiva do que a nasofaríngea (como nas narinas ou de saliva)” e ainda testes multiplex, de PCR, que permitem detetar mais do que um tipo de vírus, e “devem ser usados como forma de vigilância epidemiológica geral”.
Foram propostos também grupos alvo de testagem. O grupo de alto risco inclui os profissionais de saúde e internados em hospitais; profissionais e residentes em lares, instalações de cuidados continuados, abrigos comunitários para sem abrigo. No grupo de risco médio encontram-se, por exemplo, os trabalhadores com um número de contactos próximos elevado ou que trabalhem em instalações com elevada densidade de trabalhadores, funcionários em serviços com atendimento ao público, residentes e funcionários de instalações prisionais, alunos, docentes e pessoal não docente de escolas. Já de risco baixo são considerados os trabalhadores em locais de baixa densidade ou sem atendimento ao público e os funcionários em teletrabalho.
Os autores defendem ainda que este roteiro implica um elevado número de testes semanais, que, sublinham, Portugal já mostrou ter a capacidade de fazer. “Durante as quatro primeiras semanas do ano fizeram-se um total de 1 700 000 testes”.
2. Seguir – rastreio de contactos
A importância do rastreio prende-se com a interrupção das cadeias de transmissão e com a capacidade de manter o Rt abaixo de 1. Ainda que, normalmente, este seja feito de uma forma prospetiva, ou seja, “os rastreadores, através de inquéritos epidemiológicos, identificam todos os potenciais contactos secundários de cada indivíduo infetado”, se for combinado com o rastreio retrospetivo, que encontra a origem do caso em investigação, pode redobrar a diminuição do Rt, asseguram os autores do documento.
Além de deverem ser contactados por uma equipa de rastreio “em menos de 48h depois do diagnóstico ou indicação de contacto”, os casos confirmados, sintomáticos ou de infeção provável devem ser notificados “no mesmo dia às autoridades de saúde do resultado do teste”, têm de ser levantadas “as condições individuais para isolamento”, rastreados os contactos “para identificar contactos próximos e de risco elevado” e “recomendar, ajudar e orientar esses contactos para o teste, solicitar que façam o automonitorização de sintomas e que fiquem em quarentena durante 10 dias ou após a realização de 2 testes negativos”.
Os investigadores defendem ainda que, tal como no caso dos testes, “é importante que os reforços nas equipas de rastreadores que tenham sido feitos durante o pico de infeções em janeiro sejam agora alocados a rastreio prospetivo e retrospetivo, e que se mantenham equipas ativas em número suficiente, segundo critérios claros “.
3. Isolar
Se o rastreio é importante para encontrar e interromper as cadeias de transmissão, o isolamento é fundamental para quebrá-las definitivamente. O plano proposto debruça-se largamente sobre o apoio ao isolamento. Isto é, assegurar que existem as condições necessárias ao seu cumprimento, nomeadamente um local de isolamento e capacidade financeira para cobrir as despesas necessárias. “A utilização de apoios ao isolamento deverá ocorrer sempre que comprovadamente necessário, o que implica a necessidade de um processo imediato de avaliação de necessidade”, lê-se.
Considerando a reabertura das escolas como uma necessidade prioritária, e tendo em conta que estas se encontram no grupo médio de risco, os autores do plano defendem que os estabelecimentos de ensino “devem receber apoio das autoridades para desenharem e implementarem um sistema de automonitorização, quer de medidas de distanciamento e higiene, quer de qualidade da ventilação, quer de testagem abrangente”.
Abrangida nesta estratégia de reabertura “progressiva com análise de impacto semanal” das escolas, está também a testagem, onde devem ser priorizados “testes pouco invasivos, como os de saliva com análise molecular a 24h e, para redução de custos, deve ser equacionada a possibilidade de ensaios de lote (batch testing) em que amostras de grupos de estudantes são analisadas em conjunto, principalmente quando a transmissão é baixa”.
O documento advoca ainda que as escolas com mais de mil alunos deverão considerar “fazer a análise in loco ou estabelecer parcerias com laboratórios de investigação”, devendo a identificação de amostras positivas levar à testagem rápida de todos os contactos e isolamento.
4. Vacinar – o critério deveria ser a idade
No que respeita a vacinação, o fator crucial parece ser a definição de prioridades de vacinação que, na opinião dos autores do plano, tem de ser mais detalhada. O documento defende, como sendo a opção mais acertada, uma possibilidade, neste momento em discussão, que implica “baixar a prioridade da resiliência do estado (forças de segurança, governantes) e reforçar a vacinação de maiores de 80 anos ou de outros grupos de risco muito elevado”.
É que, como apontam os autores, a ciência tem mostrado que o risco de morte decresce com a idade e que, à exceção de doentes com mais do que uma comorbilidade grave, “o risco de morte de indivíduos de 70 anos é sempre inferior ao risco de doentes Covid-19 com mais do que 80 anos, mesmo que sem comorbilidades conhecidas”.
Assim, de froma a reduzir a mortalidade e simplificar o sistema, a recomendação é que a vacinação seja feita usando a idade como principal critério e que siga a seguinte definição de prioridades: maiores de 80 anos e pessoal de primeira linha (clínico e de assistência social), maiores de 75 anos, maiores de 70 e indivíduos muito vulneráveis (por exemplo, em contexto hospitalar), maiores de 65 anos, maiores de 60 anos , todos os adultos com várias comorbilidades graves identificadas, maiores de 55 anos e, por fim, maiores de 50 anos.
Proposta de prioridades de vacinação:
- Maiores de 80 anos e pessoal de primeira linha (clínico e de assistência social)
- Maiores de 75 anos
- Maiores de 70 e indivíduos muito vulneráveis (por exemplo, em contexto hospitalar)
- Maiores de 65 anos
- Maiores de 60 anos
- Todos os adultos com várias comorbilidades graves identificadas
- Maiores de 55 anos
- Maiores de 50 anos.
5. Informar verdadeiramente
O último ponto estratégico proposto, prende-se com a importância de uma informação clara e transparente que facilite a compreensão da população e a consequente adesão às medidas de mitigação da pandemia.
Neste caso, as sugestões vão da utilização de códigos de cor “tipo semáforo” para indicar as zonas de maior incidência da infeção, à realização de dashboards com informação em tempo real sobre vacinação, testes e existência de novas variantes, e ainda a partilha de dados sobre mobilidade e previsões de fluxos de movimentos.
Comunicar as razões, ouvir e reconhecer dificuldades; comunicar os “como”, comunicar com respeito e partilhar sucessos são cinco princípios de comunicação considerados pelos autores como essenciais na adesão voluntária da população a medidas restritivas.
Task-force flexível é essencial
Utilizar, efetivamente, este Roadmap a fim de navegar melhor através da pandemia, parece ser algo possível apenas se existir uma estreita colaboração com o poder executivo. “Assim, propomos a criação de um grupo de trabalho que coordene todos os esforços”, afirmam os especialistas, acrescentando que este grupo de “peritos técnicos multidisciplinares e decisores políticos”, deverá coordenar os esforços de recolha, gestão e análise de informação, definir consensos estratégicos e orientar a coordenação dos esforços de mitigação, com poder o político e executivo.
Apesar de admitir que o plano apresentado tem ainda várias limitações, o grupo de investigadores responsável pela sua elaboração afirma que “a capacidade do sistema científico português tem sido subaproveitada com graves consequências para a vigilância epidemiológica”. Para um futuro próximo, pedem uma agilização de protocolos entre hospitais, universidades e institutos e a criação de “sistemas desburocratizados para aprovações éticas, sobretudo quando os estudos não requerem amostragem invasiva ou identificação de indivíduos”.