A primeira a tirar um curso superior, a primeira a votar, a primeira primeira-ministra da Europa – e única em Portugal. As listas de mulheres ( portuguesas e não só…) que se empenharam por um país e um mundo mais igualitário são já um clássico deste Dia Internacional da Mulher, mas como ainda estamos longe da igualdade entre homens e mulheres – segundo um estudo do Fórum Económico Mundial, lançado há dois anos, isso só deve acontecer em todo o planeta daqui a mais de 250 anos quando os salários dos dois sexos se equipararem – continua a fazer todo o sentido elencar quem se distinguiu, ao longo da nossa história, para lutar por ideais e direitos que hoje damos por adquiridos.
Comemorada desde 1975 por iniciativa da Organização das Nações Unidas, a data assinala o momento em que, no ano de 1857, as operárias de uma fábrica em Nova Iorque, nos EUA, decidiram entrar em greve para reivindicar a redução do horário de trabalho, o direito à licença de maternidade e a equiparação dos seus salários aos dos homens. Mas não só. Cinquenta e um anos depois, a 8 de março de 1908, um outro grupo de trabalhadoras escolheu a mesma data para avançar para nova greve, homenageando assim as antecessoras – e reclamando então o fim do trabalho infantil e o direito a votar. Apesar do muito que ainda há a fazer, vale a pena lembrar os feitos destas duas mãos cheias de mulheres que mais contribuíram para os direitos que hoje temos como adquiridos. No País e no mundo.
Cá dentro…
Adelaide Cabete
Adelaide de Jesus Damas Brazão Cabete viveu entre 1867 e 1935 e foi pioneira no nosso país na reivindicação dos direitos das mulheres, como o voto e um período de descanso (um mês!) após o parto. Natural de Alcáçovas, no Alentejo, órfã de origem humilde, estudou depois de se casar. Concluiu o curso de Medicina no ano de 1900, na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, apresentando como dissertação de curso um estudo intitulado “Proteção às mulheres grávidas pobres como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações”. Politicamente era uma republicana convicta e assumida, tendo sido ela quem organizou em Portugal as célebres Ligas da Bondade, obra voluntária de assistência social dirigida por mulheres. Além de fazer parte da Associação de Propaganda Feminista em Portugal (de cunho maçónico), dirigiu a revista Alma Feminina e foi ainda presidente da Cruzada Nacional das Mulheres Portuguesas – movimento à frente do qual organizou o I Congresso Feminista e de Educação, em 1924, em Lisboa. Neste congresso apresentou também um projeto de natureza pedagógica relacionado com a luta antialcoólica nas Escolas, um reconhecido marco essencial na Educação em Portugal.
Ana de Castro Osório
Escritora, ativista, pedagoga, ficou para a história como a autora do primeiro manifesto feminista português, publicado em 1905, mas não só. De personalidade multifacetada – escritora, editora, pedagoga, publicista, feminista – Ana de Castro Osório, que viveu entre 1872 e 1935, marcou com a sua intervenção os primeiros tempos da República. Em As Mulheres Portuguesas, profetizava que “só no trabalho encontraria a sua carta de alforria, não no trabalho esmagador, exercido como castigo, mas no trabalho que enobrece o espírito”. Não demorou a que estivesse ligada à fundação do Grupo Português de Estudos Feministas, seguido da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e, passados anos da Associação de Propaganda Feminista (1911). Depois, e seguindo os passos da sua patrona na maçonaria, Ana de Castro Osório manifestou especial predileção pela imprensa periódica e pelo papel que ela podia desempenhar na divulgação das ideias e ideais – o que a levou a fundar a revista feminina intitulada A Sociedade Futura, seguindo-se-lhe a criação ou colaboração em muitas outras. E ainda encontrou tempo para se distinguir como fundadora da literatura infantil portuguesa, escrevendo uma série de obras e traduzindo ainda vários autores estrangeiros.
Carolina Beatriz Ângelo
O caso fez notícia de jornal cá dentro e lá fora, naquela primavera de 1911. Primeiro, na Ilustração Portuguesa, revista semanal publicada pelo jornal O Século – onde se destaca: “Uma nota curiosa das eleições foi a de votar uma senhora, a única eleitora portuguesa, a médica D. Carolina Beatriz Ângelo, inscrita com o número 2513 na freguesia de S. Jorge de Arroios.” Tornava-se assim, poucos meses antes de morrer, na primeira mulher no nosso País a conseguir exercer o direito de voto, alegando que reunia todas as condições estabelecidas na lei, em 1911. Formada em medicina, tinha sido já a primeira a realizar uma cirurgia. Mas votar, naquelas eleições, não foi uma conquista fácil.
A participar em comités e associações ligadas às ideias republicanas desde 1906, era já também dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas quando se anunciaram as primeiras eleições – e não descansou enquanto não encontrou forma de utilizar a lei para votar, levando o caso a tribunal. Ganhou argumentando que o código eleitoral atribuía o direito de voto a “todos os portugueses maiores de vinte e um anos, à data de 1 de maio” (de 1911), fossem “residentes em território nacional”, soubessem “ler e escrever” e fossem “chefes de família” – o que se aplicava dado que enviuvara no ano anterior.
A decisão do juiz que lhe reconheceu o direito ao voto ultrapassaria mesmo fronteiras, mas três anos depois seria aprovada uma legislação que especificava que somente os homens poderiam votar. O voto feminino seria efetivamente introduzido em Portugal em 1931, embora com diversas condicionantes e as restrições ao direito de voto baseadas no sexo dos cidadãos só foram abolidas após o 25 de Abril de 1974.
Regina Quintanilha
“Inquiriu as testemunhas e (…) ao ser-lhe dada a palavra, d’ella usou durante algum tempo com muito brilhantismo, deixando em todos a impressão de que de futuro, a dedicar-se à carreira da Advocacia, muito há a esperar da sua intelligência”. Assim escrevia o jornal “A Luta” a 15 de novembro de 1913 a propósito da estreia de Regina Quintanilha como advogada, depois de ter sido a primeira mulher a licenciar-se em direito em Portugal ainda antes da abertura da profissão – como quem diz antes do decreto que, em 1918, consagrou o exercício da advocacia também às mulheres.
Nascida a 9 de Maio de 1893, em Bragança, no seio de uma família abastada, aos 17 anos pediu a matrícula na Universidade de Coimbra, ingressando no curso depois de o Conselho Universitário ter reunido propositadamente para deliberar sobre o ingresso de um aluno do sexo feminino. No dia da sua entrada na Universidade, foi recebida por toda a Academia formada em alas com as capas no chão a dar-lhe passagem. Terminaria o curso em três anos, mas a sua estreia, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, só ocorreria depois de o Supremo Tribunal de Justiça lhe ter dado autorização para advogar. Passariam ainda cinco anos até que, a 19 de julho de 1918, o decreto n.º 4676 consagrar a abertura plena da advocacia às mulheres.
Maria de Lourdes Pintasilgo
Só por três meses é que não ficou para a história como a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra da Europa, em 1979: seria em agosto que Maria de Lurdes Pintasilgo, expoente máximo do movimento católico progressista, tomaria posse do V governo constitucional – o seu governo de cem dias, destinado a preparar as eleições legislativas seguintes. Margaret Tatcher, a primeira-ministra que governou o Reino Unido entre 1979 e 1990, só lhe tira o título porque tomou posse em maio – antes disso, também só duas mulheres (Indira Ghandi, na Índia, entre 1966 e 1977 e Golda Meir, em Israel, entre 1969 e 1974) tinham ocupado um cargo daqueles.
Além disso, Maria de Lurdes Pintassilgo não foi eleita, tendo formado governo a convite do presidente Ramalho Eanes– mas nem por isso a sua carreira a deixa ficar atrás em empenho e desempenho por uma maior justiça social. Nascida em 1930, formou-se em 1953 em Engenharia Químico-Industrial, pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, numa época em que eram poucas as mulheres que enveredavam pela área da engenharia. Entre os 250 alunos do seu curso, apenas 3 eram mulheres. Nesse mesmo ano, tornar-se-ia a primeira mulher em Portugal a ser nomeada quadro superior da maior empresa nacional, a CUF. A sua atividade cívica não mais pararia.
De 1952 a 1956 presidiu à Juventude Universitária Católica Feminina e, depois, presidente internacional da Pax Romana – Movimento Internacional de Estudantes Católicos. Nessa qualidade, ao longo do ano de 1957, presidiu ao I Seminário de Estudantes Africanos, no Gana, e à Assembleia-Geral do movimento realizada em El Salvador. Em 1958, presidiu ao Congresso Mundial de Estudantes e Intelectuais Católicos, realizado em Viena de Áustria. É também uma das fundadoras do movimento internacional Graal, e enquanto sua vice-presidente, coordenou os mais diversos programas de formação de projetos-piloto no domínio da emancipação da mulher e do desenvolvimento da ação sociocultural. Fez parte de três dos governos provisórios depois do 25 de Abril de 1974 e, quando tomou posse do executivo, no final dos anos 1970, era embaixadora de Portugal na UNESCO, em Paris. Ocupou o cargo durante apenas seis meses, mas nesse curto período conseguiu estabelecer as bases para um sistema de segurança social para todos, empregados ou desempregados. Em 1986, candidatou-se à Presidência da República, tornando-se ainda na primeira mulher em Portugal a protagonizar uma candidatura a Belém.
…E lá fora
Emmeline Pankhurst
Mais do que qualquer outro, o seu nome está associado à luta pelo direito de voto, sendo uma das fundadoras do movimento sufragista britânico. Nascida em Manchester em 1858, casaria com um advogado em 1879 que seria o seu braço direito nos primeiros tempos de ação política. Mas mesmo com a morte de Richard Pankhurst, em 1898, a campanha que já leva a cabo não seria interrompida. Em 1903 fundou então a Women’s Social and Political Union (WSPU), movimento que gerou várias lutas, internas e externas, sendo mesmo acusado de radical por não só apoiar o voto das mulheres, mas também direitos igualitários em áreas como o divórcio e a herança.
As primeiras ações do grupo não foram violentas – organizavam comícios, convocavam ‘parlamentos femininos’ para os mesmos dias das reuniões do governo… Quando um projeto de lei para o sufrágio feminino foi rejeitado em maio de 1905, Emily e a sua WSPU organizaram uma manifestação à porta do Parlamento – mas só um ano depois concedeu: “Finalmente reconheceram-nos como um partido político”. Seria presa pela primeira vez em 1908 por tentar entrar no Parlamento, acusada de obstrução e cumpriria seis semanas na prisão – denunciando depois as condições do estabelecimento onde esteve presa e a forma como ela e outras mulheres foram tratadas. De acordo com a sua descrição, a prisão “tinha vermes”, a comida “escasseava” e as prisioneiras eram submetidas a “tortura civil através de um regime de isolamento e silêncio absoluto”. Seria presa sete vezes antes da aprovação do sufrágio feminino – mas quando morreu, em 1928, tinha atingido a maior parte dos seus objetivos. Em 1999, a revista Time considerou-a uma das 100 pessoas mais influentes do século XX, afirmando: “Moldou a ideia da mulher do nosso tempo e criou um novo padrão de sociedade para o qual não havia retorno”.
Marie Curie
Impedida de seguir para o ensino superior por ser mulher, procurou uma instituição de ensino clandestina e acabou por se tornar uma das mais importantes cientistas do mundo. Falamos de Marie Curie, nascida em Varsóvia, na Polónia, em 1867, e cujo percurso de vida surpreendeu até ao fim, em 1934 – depois de se ter tornado a primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel, sendo também a primeira pessoa e a única mulher a ganhar aquele prémio duas vezes, além de ser a única pessoa que o alcançou em dois campos científicos diferentes. Foi a primeira mulher a ser professora na Universidade Paris e seria mais tarde a primeira a ser sepultada no Panteão de Paris.
Filha de um professor de física e matemática e de uma pianista, esteve sempre contacto com as ciências, tendo mesmo iniciado os seus trabalhos numa universidade clandestina da sua cidade natal. Em 1891, seguiu a irmã mais velha até Paris, onde ingressou na Sorbonne e obteve os seus diplomas em Física e Matemática. Em 1894, conheceu Pierre Curie, com quem partilharia o Nobel da Física em 1903 – mas seria igualmente distinguida com o galardão da Química em 1911. Entre os seus feitos, estão o desenvolvimento da teoria da “radioatividade” –termo que cunhou –, técnicas para isolar isótopos radioativos e a descoberta de dois elementos químicos, o polónio e o rádio.
Foi ainda sob a sua direção que foram conduzidos os primeiros estudos para o tratamento de neoplasias usando isótopos radioativos. Em 1920, fundou o Instituto Curie em Paris, e uma sua delegação em Varsóvia (hoje, dois grandes centros de pesquisa médica), depois de, durante a I Guerra, ter desenvolvido unidades de radiografia móvel para fornecer serviços de raio-X aos hospitais de campanha.
Simone de Beauvoir
Filha de um advogado e de uma mulher da alta burguesia, estudou matemática, literatura e línguas e ainda filosofia. Autora de uma série de romances, ensaios, biografias e monografias sobre política e questões sociais, ficaria conhecida pela obra O Segundo Sexo, considerada um tratado fundamental do feminismo contemporâneo. Estávamos em 1949 e Simone de Beauvoir (1908/1986) era já a companheira de Jean Paul Sartre, ao lado de quem pregava o seu ideal de independência feminista e da igualdade, evitando conceitos ‘burgueses’ como casamento e filhos – o que os tornaria o casal mais influente do século XX.
Mas o seu pensamento crítico dar-lhe-ia reconhecimento por mérito próprio: numa inteligente reflexão filosófica, O Segundo Sexo aponta significados sociais para os quais nem havia palavras à época, um tempo em que as mulheres ainda guardavam silêncio sobre as fantasias projetadas sobre os seus corpos. Entre outras ideias heterodoxas, a mais ilustre moradora do Quartier Latin, o bairro mais inteletual de Paris, defendia que “Não se nasce mulher, torna-se mulher” – abrindo assim caminho para o provocativo slogan “o pessoal é político”, que seria a marca do movimento feminista a partir dos anos 1960. Na década seguinte, Beauvoir voltaria a mostrar a sua fibra, ao empenhar-se no movimento de libertação das mulheres em França, que reivindicavam o direito ao aborto legal.
Rosa Parks
Rosa Louise McCauley, mais conhecida por Rosa Parks, mulher que viveu entre 1913 e 2005, tornar-se-ia o símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos EUA depois de, em 1955, ter-se recusado a ceder o seu lugar no autocarro. Nascida no Alabama, no Sul dos Estados Unidos, casara em 1932 com Raymond Parks, membro da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), uma organização que luta pelos direitos civis dos negros, da qual se tornaria uma fervorosa militante.
O caso dos transportes públicos seria só um dos seus alvos – mas o que a marcaria para sempre: desde 1900 que era legalmente segregado por raça. A comunidade negra sempre reclamou, afirmando que era um sistema injusto, mas sem grande efeito. Até que naquele dia 1 de dezembro de 1955, Rosa Parks entrou no autocarro e sentou-se na primeira fileira de bancos reservados aos negros. Quando o autocarro encheu, e notando que havia várias pessoas brancas de pé, o motorista do autocarro alterou o sinal da fileira onde Rosa se sentara, exigindo que os passageiros negros sentados se levantassem e dessem o lugar aos brancos que seguiam de pé. Rosa recusou. Detida e acusada de violar a lei de segregação da cidade, acabaria a instigar um boicote aos autocarros da cidade, eventos que contariam com a presença de líderes religiosos e ativistas Martin Luther King e do seu amigo e mentor Ralph Abernathy. Os mais de 40 mil utilizadores diários dos autocarros da cidade e arredores prosseguiriam o boicote durante mais de um ano, até que, em 1956, o Supremo Tribunal julgou inconstitucional a segregação racial em transportes públicos.
Simone Veil
Conhecida pelo facto de, enquanto ministra da Saúde ter defendido, em 1974, um projeto de lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez em França, foi também a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu – num percurso de vida marcado também pela sobrevivência a um campo de concentração.
Falamos de Simone Veil, que nasceu em 1927 e cuja família, na década de 1940, sentiu na pele as perseguições então movidas pelas autoridades aos judeus, depois de a Alemanha ter tomado Paris. Ainda concluiu o liceu, em 1943, mas no ano seguinte, toda a família seria enviada para Auschwitz. Com exceção de Simone e da sua irmã Madeleine, todos os outros morreram naquele campo de extermínio. No fim da guerra, em 1945, ingressa no curso de Direito, exercendo como advogada até 1974.
Foi quando aceitou ser titular da pasta da Saúde no governo liderado por Jacques Chirac, cargo que conserva nos executivos seguintes até julho 1979 – e ao longo dos quais não só facilitou o acesso a variados métodos contracetivos como elaborou e fez aprovar a lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que entraria em vigor a 17 de janeiro de 1975. No final da década, saiu do governo para liderar a lista do seu partido às eleições ao Parlamento Europeu, do qual seria eleita presidente. Volta depois ao governo francês até 1995 e em 1998 é ainda nomeada membro do Conselho Constitucional de França, onde permaneceu até 2007. Morreu duas semanas antes de cumprir 90 anos, em 2017.