“Não é justo. Vocês, miúdas, nunca se sentiram atraídas por mim. Não sei porquê, mas vou punir-vos por isso. É uma injustiça, um crime. Não sei o que não veem em mim. Sou o homem perfeito, mas vocês preferem esses homens detestáveis em vez de mim, o cavalheiro supremo. (…) Vou ter imenso prazer em chacinar-vos a todas. Aí vão perceber que sou superior, o verdadeiro macho alfa.”

Esta é parte da mensagem em vídeo gravada por Elliot Rodger, em abril de 2014. Semanas mais tarde, a 24 de maio, mataria seis pessoas em Isla Vista, Califórnia, incluindo duas estudantes de uma irmandade universitária, antes de suicidar-se. O mundo ganhou, assim, mais um assassino em massa. Mas, para uma comunidade online dos confins da internet, nesse dia nasceu um herói, um mártir virgem, de 22 anos, com direito a cognome: “Cavalheiro Supremo”.

Rodger foi o primeiro homicida a declarar-se incel, de involuntary celibate (celibatário involuntário), um movimento de jovens e de homens misóginos e antifeministas que partilham as suas frustrações sexuais em fóruns online – acreditam ter direito a sexo, mas não conseguem conquistar uma parceira e culpam a emancipação feminina por isso. Nesses espaços, são comuns os insultos às Stacys, as mulheres que os ignoram, e aos Chads, os homens que eles invejam.

Não é apenas um grupo fechado e inofensivo de ódio e autocomiseração. Nos últimos sete anos, já morreram quase 50 pessoas em ataques de incels, só nos EUA e no Canadá.
Recrutados por grupos racistas
Depois do massacre de Isla Vista, seguiram-se vários outros. Em 2015, Chris Harper-Mercer, um estudante de 26 anos, matou nove pessoas no estado do Oregon; em 2018, Nikolas Cruz, 19 anos, assassinou 17 pessoas na Flórida, e Alek Minassian, 25 anos, atropelou mortalmente dez pessoas em Toronto, no Canadá. Todos eles se consideravam rejeitados por mulheres e mencionaram o nome de Elliot Rodgers e o movimento incel nos seus manifestos. Outros incels foram abatidos ou apanhados antes de conseguirem fazer vítimas ou depois de matarem uma ou duas pessoas.
A grande maioria dos incels não é violenta, apesar de o discurso ser quase sempre agressivo. Mas, no meio daquela massa difusa, é impossível descobrir quem pode passar das palavras aos atos – e eles estão lá, segundo um memorando do FBI. “Embora muitos incels não se envolvam em violência, alguns encorajam ou cometem atos violentos como retribuição por aquilo que apreendem como agressões sociais contra eles. (…) Atacantes incels inspiraram-se noutros assassinos em massa.” A ausência de uma hierarquia e a migração dos fóruns para a dark web (servidores fechados e invisíveis aos motores de busca) tornam a investigação complexa.

Os incels, quase todos brancos, cruzam-se com grupos extremistas “tradicionais”, com os quais partilham uma visão racista e sexista do mundo (é comum dizerem-se ressentidos por mulheres brancas terem companheiros negros). Esses grupos, de supremacistas brancos a terroristas islâmicos, frequentam os fóruns de incels para recrutar membros que só precisam de um empurrão para se tornarem violentos.
A história destes homens que odeiam mulheres tem um lado irónico: a primeira comunidade incel nasceu pelas mãos de uma estudante, no Canadá, que criou um site para as pessoas tímidas de ambos os sexos partilharem as suas histórias de “celibato involuntário”. Depois, desinteressou-se e cedeu o site que acabaria por se tornar o casulo dos incels atuais – que têm de viver com o facto de a sua comunidade de ódio misógino ter origem num projeto de amor criado por uma mulher.