Em estúdio só os bonecos não estão a usar máscaras no rosto – até parecem saídos da vida normal que existiu até há um ano. Mas, como não podia deixar de ser, no regresso do programa de sátira política, Do Contra, também existe um boneco Covid, o “covírus”, pintado de roxo e com as espículas à espreita e pronto para infetar.
De pé, os manipuladores erguem os bonecos enfiados nos braços, sempre acima dos seus ombros. Um trabalho duro, de grande exigência física e destreza mental, invisível ao longo das gravações, mas fundamental para o resultado final. No mínimo, existem dois manipuladores por cada personagem Do Contra: um faz mexer a boca e uma mão do boneco; o outro manipula a mão oposta e os olhos. A posição do corpo do manipulador tem de estar sempre defendida para não aparecer na imagem. A técnica passa pelo equilíbrio de tronco e de pernas fletidas em situação confortável. Mais do que pormenores, como o abrir e fechar a boca do boneco, com vogais mais ou menos abertas, “a caricatura é que faz a diferença, é a mais-valia do boneco”, explica Joaquim Guerreiro, um dos manipuladores.
Ajeitam-se cabelos e nós de gravatas antes de a dupla Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, agora apelidados Marcelfie e Super Tosta, entrar para o plateau, com o chroma azul de fundo. Têm as cabeças separadas da restante estrutura do corpo e as suas roupas guardam-se dentro de sacos. O sketch seguinte passa-se à porta do “restaurante Lapso”, com uma jornalista, três populares e o “covírus”. Com todos os manipuladores ocupados, a braços com a bonecada, o realizador Filipe Portela vai ajudar. Enfia no braço a manga de plástico azul e agarra no “covírus”. De joelhos no chão, a Covid vai andar por ali a pairar e a dizer: “Até que enfim, um sítio para conviver. É só cobardes, tudo com medo de uma gripezinha”.
Na próxima segunda-feira, 1 de março, o velhinho Contra Informação ganha nova vida com a estreia do programa Do Contra, para já na Internet, no portal Sapo, mas “não está posta de parte a hipótese de integrar a programação de um dos canais de televisão generalista”, como explica o produtor Maurício Valente Ribeiro. É com A Casa Sem Papel, dedicada ao Lodo Banco (Novo Banco) que arranca a sátira política, com um episódio novo todos os dias. “A grande vantagem de estar na Internet é a liberdade total para os bonecos dizerem tudo. Em qualquer canal de televisão haverá censura editorial”, assume Maurício Valente Ribeiro, da Produtora MauMau Mia. Mas, “economicamente o risco é cem vezes maior ir para a Internet”. Sem qualquer tipo de contrato fixo fica a depender totalmente das visualizações.
“Ganda noia!”, Lembra-se da frase?
Há cerca de um ano e meio, Maurício Valente Ribeiro começou a preparar o regresso dos bonecos, que durante 14 anos, entre 1996 e 2010, passaram na programação da RTP1, inspirado no Spitting Image da ITV britânica e no Guignols de l’info do Canal+ francês. O programa ainda voltou, em 2013, na SIC Notícias e Radical, a chamar-se ContraPoder e teve a sua primeira incursão online, em 2014, intituladoOs Bonecos.
O produtor percebeu que havia espaço e que fazia sentido os bonecos voltarem ao mercado audiovisual. Numa sondagem recente feita para perceber quem poderia ser o novo target, concluíram que as pessoas acima dos 25 anos reconhecem e gostam do programa e dos bonecos.
Maurício começou por procurar Mafalda Mendes de Almeida, fundadora da produtora Mandala, a primeira a produzir o Contra Informação, e a seguir foi atrás de João Quadros para saber se o argumentista (Tubo de Ensaio na TSF com Bruno Nogueira) aceitava escrever os textos. Só depois desse sim “o jogo começou”. A João Quadros deu liberdade total para a sátira e quanto mais insólita e rocambolesca for a atualidade política nacional e internacional, mais cómicos, mordazes e desconcertantes serão os episódios. Cada um com cerca de dois minutos e meio conta com as vozes de Bruno Ferreira, João Canto e Castro, Miguel Lambertini e Mila Belo para fazerem dezenas de personagens. Segue-se em estúdio as gravações das manipulações dos bonecos, já com o apoio do áudio em playback.
Os episódios mais curtos também são uma das novidades. “Cada vez mais as pessoas consomem coisas mais rápidas”, explica Maurício. E, se o Do Contra passar para a televisão, os sketches serão ainda mais reduzidos, para cerca de minuto e meio. “O humor não é preciso esticar demasiado, mais curto funciona melhor”, corrobora Filipe Portela.
Dos planos de Maurício, em conjunto com Mafalda Mendes de Almeida, faz parte a criação de um museu do Contra. Por agora, existem alguns bonecos antigos que precisam de ser restaurados para ganharem novo uso, até porque “é mais caro fazer um boneco novo do que envelhecer um antigo”. Dos guiões farão parte alguns fantasmas, como o de Salazar (Nojeira Salazar), Belmiro de Azevedo (Belmiro Mete Medo) ou José Sócrates (José Trocas-te). Para as personagens novas, como Mário Sem Tempo, Marta Tremido, Cristina Malveira, André Ditadura, Varandico Farandas ou Juiz Filipe Vieira, aos desenhos de Pablo Bach, artista plástico e cartonista argentino, acresce fazer a escultura, o molde e o contra molde, o enchimento, a pintura e o mecanismo.
Novas frases e expressões são esperadas para ficarem na memória como ficaram: “Bobi, Tareco, busca, busca, mata, mata! Penso eu de que…”, proferida por Bimbo da Costa (Pinto da Costa), “É a vida”, de Toneca Guterres (António Guterres), “Ganda noia!”, de Marques Pentes (Luís Marques Mendes) ou “São vinte valores, vinte valores”, de Martelo Rebelo de Sousa (Marcelo Rebelo de Sousa).
Em carteira já estão prontos alguns episódios intemporais, que segundo Maurício Valente Ribeiro são também alguns dos melhores: Joe Berardo a jogar ao Quem Quer Ser Milionário, o Teledisco, em que o cantor Toy, de carne e osso, entra a cantar Toda a noite, Toda a noite com os bonecos, Marcelo numa ida à praia, gravado mesmo num areal em Cascais ou outro dedicado ao escândalo da TAPA.
Do Contra > Estreia 1 março, seg 9h > sapo.pt