“Oh não! Isto está a tomar conta de mim outra vez. Dói-me o peito. Parece que estão todos a olhar para mim. Vão notar que estou a tremer. Falta-me o ar. Ai, que me vai dar uma coisa, que vergonha. Sempre tive esta fraqueza. Vou já para casa, senão desmaio ou morro aqui mesmo.” Passaram apenas alguns minutos. Um minuto, na cabeça de uma pessoa à beira de um ataque de pânico, é uma eternidade. O tempo fica suspenso. Mesmo que ninguém se aperceba de nada, tudo está a acontecer, de forma vertiginosa, no corpo daquela pessoa. É provável que ela esteja calada, quieta, a fazer tudo para passar despercebida. É provável que se ausente. Que vá à casa de banho mais próxima. O medo materializa-se em enjoos, vómitos, quebra de tensão, suores frios, cólicas, palpitações, descontrolo da respiração e da locomoção, tremores. Até a visão pode ficar afetada e perder-se a perspetiva e os sentidos.
Ninguém morre de um ataque de pânico. Porém, a última coisa que alguém que passa por isto deseja ouvir é: “Isso passa.” Ou a sua variante: “Se tivesse mais que fazer não tinha tempo para isto.” Por mais indesejável que seja a presença da Dona Ansiedade, que nos visita amiúde, é graças a ela que nós, humanos, sobrevivemos a incontáveis perigos e ameaças e nos adaptamos, contrariamente a outras espécies, cuja existência se resume ao estado fóssil.
Os predadores da Idade da Pedra já não andam atrás de nós para nos comer, mas a memória celular e o cérebro primitivo funcionam como se estivéssemos no Paleolítico. Podemos ser Sapiens Sapiens mas não nos livramos da tríade formada pelo córtex pré-frontal, amígdala e sistema límbico, as áreas do cérebro envolvidas na resposta ansiosa, a resposta ao medo. Ela parece estar mais difundida nas sociedades orientadas para o futuro. Assim sendo, pode este ser o sintoma da incapacidade de viver no presente?
Ai, que nervos!
Somos o País europeu com mais perturbações psiquátricas – um em cada quatro portugueses. O psiquiatra Diogo Guerreiro esclarece que “a maioria destas perturbações (16,5%) corresponde a fobias simples e estados de ansiedade ligeira a moderada, que podem ser modificados” e acrescenta: “O stresse crónico, que inclui a nossa relação com as tecnologias, contribui de algum modo para a ansiedade patológica, pois a nossa fisiologia não se adapta ao estilo de vida atual, em que tudo é ‘para ontem’ e no registo multitarefa.”
Nem todos somos invadidos por ataques de pânico – picos súbitos e imprevisíveis de ansiedade que levam às fobias e aos comportamentos evitantes – ou vítimas de ansiedade generalizada, que é menos intensa, mas prolongada e incapacitante. “O temperamento ansioso é uma resposta inata”, lembra Diogo Guerreiro. Porém, as circunstâncias e alguns tipos de personalidade aumentam a propensão para estados ansiosos, como “a falta de tempo para o prazer e o ócio, níveis de exigência elevados e dificuldade em pedir ajuda.”
A ciência do medo
Se, numa situação não ameaçadora, a sua cabeça lhe diz que está diante de um perigo fatal que é maior do que a sua capacidade para o vencer, esse pensamento infundado (ou distorção cognitiva) influencia o seu estado emocional e ativa a resposta de stresse. Uma crença do tipo “faça o que fizer, nunca será suficiente”: numa situação nova, esta crença desencadeia a perceção de ameaça: a libertação de cortisol e adrenalina no sangue preparam o corpo para atacar ou fugir, mas se o medo for muito intenso, bloqueia a ação.
É como ter um carro numa estrada vazia e sujeitá-lo a acelerações e travagens bruscas. Conclusão: desperdiça combustível, desgasta peças e não chega a lado nenhum. Ou chega, mas de forma precipitada e com mais probabilidade de erros, de cálculo e de execução. Em doses excessivas, a ansiedade complica o processo de adaptação: de “boa” passa a “má”.
As investigações de um grupo de cientistas liderado por Andreas Frick, e publicadas na revista Jama Internal Medicine, mostraram que o cérebro das pessoas com fobia social sintetiza mais serotonina (substância ligada ao humor), e não menos, como se pensava (os antidepressivos são tomados para manter a serotonina em circulação). Diante da incerteza, entra-se em modo de alerta, o campo de visão estreita-se e perde-se a noção do que está à volta. Uma pesquisa divulgada há dois anos no Journal of Experimental Psychology General, de Andrew Todd e colaboradores, mostrou que, sob o efeito de emoções como raiva ou repulsa, só 25% do grupo de pessoas ansiosas conseguia colocar-se no lugar do outro.
Neste campo, nem tudo se resume à biologia: a aprendizagem conta. Isso foi demonstrado através da experiência realizada pela universidade americana de Wisconsin-Madison. A monitorização do cérebro de 600 jovens macacos, através de ressonâncias magnéticas, permitiu demonstrar que as manifestações ansiosas eram parcialmente aprendidas por imitação e que a história familiar era responsável, em 35% dos casos, pela ativação excessiva das regiões do cérebro que processam o medo. O efeito de contágio foi igualmente confirmado pelos resultados de um estudo britânico envolvendo mil famílias com gémeos e liderado por Thalia Eley: o estado emocional dos filhos era mais influenciado pelos comportamentos dos pais ansiosos do que atribuído aos fatores genéticos.
Na mente de um nervoso
Quem tem uma personalidade ansiosa acumula defesas como se não houvesse amanhã. O que assusta é aquilo que está para vir e não se controla. Desabafo típico: “A reunião de comerciais correu bem, a manhã foi ganha, mas… aquela nódoa na camisa estragou tudo e não consigo olhar o meu rival sem me sentir inferior.” Pensar assim tem um efeito paradoxal: tanta defesa para evitar o que se teme (exemplo: ser vítima de rejeição), acaba por criar condições para que o pior aconteça, qual profecia que se autorrealiza.
As pessoas ansiosas dispensam carrascos: o medo de falhar leva-as a preocuparem-se antes de tempo, a entrarem numa orgia de dever e seus “tenho de” (na língua inglesa aplica-se a expressão “must-urbation”), que atormentam a vida ao próprio e infernizam a dos demais.
APRENDA 4 TÉCNICAS PARA RESPIRAR
Convencidos de estar em perigo a toda a hora, sentem-se alvo do escrutínio alheio e levam tudo à letra, a peito, como se se tratasse de um crime de honra, um caso de vida ou morte. Por vezes, experimentam as emoções nos seus extremos, o sempre e o nunca, com uma carga dramática que, embora funcione na ficção e no futebol, lhes dificulta a adaptação quotidiana. Nos atropelos do carrossel mental, colocar-se no lugar do outro é uma missão impossível. O mais certo é um simples gesto ser lido como um sinal do colapso iminente. E é assim que aquele “ok” teclado em resposta a um convite para jantar a dois com várias linhas de texto significa uma sentença de morte: “Só isto? Já não me liga. É o nosso fim!”
Generosidade e descontração
Quando tudo parece perdido, nada está perdido. Com as perturbações ansiosas a ganharem contornos de epidemia, terapeutas e investigadores estão a apostar em métodos que promovam competências para gerir a ansiedade, sobretudo nas crianças e jovens que, segundo as estimativas europeias e americanas, estão mais vulneráveis. Ana Isabel Pereira, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade de Lisboa, realizou em 2010 um estudo com 569 crianças, com uma idade média de 10 anos (dos 4 aos 19), e concluiu que 46% tinham medo da separação dos pais, 42% referiam dificuldades em interagir com estranhos e 33% preocupavam-se com a possibilidade de não gostarem deles. “As meninas são mais propensas a sintomas ansiosos, talvez por ser culturalmente aceite que os pais as protejam, mas também costumam, mais do que os rapazes, inibir a ação”, explica a psicóloga, que acrescenta: “A ansiedade de separação é reportada em idades precoces e, mais tarde, surgem as fobias à escola.” Ter as coisas limpas e arrumadas era a estratégia mais usada por 39,2% das crianças. Ana Isabel Pereira defende que “é preciso ensinar desde cedo as crianças a aprender a respirar e a relaxar, a mudar crenças e a ganhar resiliência, coisa que as intervenções farmacológicas não fazem”.
As pesquisas do psicólogo canadiano Adam Heenan tiveram o mérito de demonstrar que exercícios de relaxamento e dez minutos diários de caminhada ao ar livre modificavam a perceção do ambiente: os sinais neutros eram menos vezes interpretados como ameaças. Atos de generosidade também têm o poder de facilitar a vida a quem sente “à flor da pele”, como sugerem os resultados da experiência feita pelas cientistas Lynn Alden e Jennifer Trew. Durante um mês, testaram três grupos de pessoas com ansiedade social: o grupo que lavava a loiça aos companheiros tinha menos expectativas negativas e menor medo da rejeição.
Cinco respirações por minuto
Usada há milhares de anos para induzir estados de calma, regular funções do corpo e melhorar a capacidade de foco, a respiração começa a ser encarada, no meio clínico, como amortecedor da ansiedade, que se pode ginasticar e está ao alcance de todos. Um estudo conduzido pelo psiquiatra americano Chris Streeter, da Escola de Medicina da Universidade de Boston, que usou a ressonância magnética para medir os efeitos da respiração e do ioga na gestão da ansiedade, permitiu descobrir que a essas práticas aumentavam os níveis de ácido gama-aminobutírico (GABA), um neurotransmissor que exerce uma ação benéfica nos circuitos do medo, stresse e trauma.
“Aprender a fazer cinco respirações por minuto promove o relaxamento e permite expandir os alvéolos pulmonares onde ocorrem as trocas de oxigénio”, asseguram os psiquiatras americanos Richard P. Brown e Patricia L. Gerbarg, autores do livro Respire (Lua de Papel, 240 págs., €14). Há décadas que o casal estuda técnicas de respiração oriundas de tradições milenares e tem vindo a testá-las e a integrá-las no tratamento da ansiedade. Prevenir crises de pânico, por exemplo, consegue-se com a respiração coerente, três vezes mais lenta do que a que se pratica na sociedade atual. Patricia diz como é: “O que conta não é a profundidade mas sim o ritmo, suave e naturalmente, sem encher muito os pulmões nem pressionar a expulsão do ar.” Um ritmo de 4,5 a 6 ciclos respiratórios (inspirar e expirar) por minuto tem um efeito terapêutico que a psicanalista usa com os seus pacientes: “Em minutos e sem medicação, o corpo diz ao cérebro que não precisa de hiperventilar porque está seguro e baixa o arsenal das defesas.” Ao lado da mulher, na entrevista feita via Skype, Richard acrescenta: “Doentes meus que não tinham melhorias com fármacos e aprenderam a regular a respiração sentiram-se rejuvenescidos, com a mente clara e disponíveis para relacionar-se e cooperar com os outros.”
Na próxima vez que o seu sistema nervoso começar a passar dos limites, antes de aventurar-se no labirinto da mente e reciclar pensamentos “maus”, lembre-se: o truque é continuar a respirar! Com tempo e treino, sossega o carrasco e ganha uma aliada, uma amiga para a vida.
(Artigo publicado originalmente na revista VISÃO +, “primavera/verão” de 2017)