Diz que nem sabe como começou a interessar-se pelo vinho. Na família, era um ambiente natural. “Desde pequena que, em minha casa, se ouvia falar de vinho”, conta à VISÃO Luísa Amorim, 47 anos. Formada em Marketing, Luísa é a mais nova das três irmãs Amorim, a quarta geração da família que, em 2020, está a comemorar 150 anos no negócio das rolhas de cortiça. Nesta entrevista, dispensa falar da hipótese de vir a presidir o grupo e conta como tem enfrentado os efeitos económicos da pandemia. Também revela como, nas caves Burmester, aprendeu a sua primeira grande lição no mundo dos vinhos: a importância de preservar a essência do lugar.
Como correu a vindima deste ano?
Do ponto de vista qualitativo, estamos muito satisfeitos; do ponto de vista quantitativo, quer no Douro quer no Dão, são vindimas muito mais pequenas do que o normal. Os fenómenos climáticos fazem–se sentir, e estamos todos muito preocupados com o que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Valha-nos a qualidade, é o mais importante.
O impacto desses fenómenos é muito visível para quem está na agricultura.
Sim, acho que, para quem segue a agricultura, de perto, e a vitivinicultura, em particular, esse impacto é muito evidente. Antigamente, falávamos num ciclo de agrícola de dez em dez anos. Hoje, isso é completamente impossível. Não há um ano igual a outro, uma colheita igual à outra. É tudo muito imprevisível. No que diz respeito à vindima, é incrível observarmos o quanto ela andou para trás. Nos 15, 20 anos da nossa experiência no Douro, a vindima antecipou-se cerca de um mês: era normal começarmos a vindimar em meados de setembro e, agora, começamos no final de agosto, algumas vezes, já na terceira semana.
Como devemos lidar com essa imprevisibilidade?
Não vale a pena tentarmos correr contra o tempo, não vamos ganhar essa corrida. Temos de pensar de maneira diferente, de alterar muitos procedimentos e, mesmo, a nossa vitivinicultura. Precisamos de nos concentrarmos na qualidade, ir à nossa raiz mais profunda. Talvez possamos, ainda, recuperar algumas técnicas antigas, avaliarmos a resiliência de algumas castas. Também é importante, parece-me, pensarmos no que vai ficar daqui a 30, 40 anos.
Foi através da cortiça que começou a interessar-se pelo mundo dos vinhos?
Na verdade, nem sei bem explicar…
Os vinhos sempre estiveram lá?
Pois, é isso. Desde pequena que, em minha casa, se ouvia falar de vinho. Sempre convivemos com produtores de vinho, sempre visitámos caves pelo mundo fora. Quando viajávamos com a família, íamos visitar produtores de vinho. Para nós, sempre foi um ambiente perfeitamente natural.
A sua mãe tem uma coleção de objetos ligados ao vinho, que, aliás, está exposta na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, num pequeno museu.
É verdade, é uma grande prova de como a família gosta de vinho.
O seu pai, meio a sério, meio a brincar, dizia que o vinho é um negócio com pouca rentabilidade. Foi uma aposta sua ou da família?
Não foi uma aposta minha, foi da família. O negócio do vinho surge no Grupo Amorim como uma aposta do grupo e da família. Agora, é claro que, quando começámos, era um negócio muito pequenino… O vinho, no princípio, precisa de muito investimento e do qual se retira pouca rentabilidade.
Daí a observação do seu pai?
E daí o meu pai brincar com isso. Costuma dizer-se que só as pessoas ricas têm negócios de vinho. A rentabilidade de um negócio de vinho exige tempo. São precisos muitos anos para ele dar dinheiro. Mas a verdade é que, agora, o meu pai já não poderia dizer a mesma coisa. Hoje, os números são completamente diferentes. É preciso esperar algum tempo para darmos alguma rentabilidade, são curvas já esperadas e perfeitamente estudadas. Todos temos de passar por isso.
Como, nas várias quintas, tem lidado com as consequências económicas desta pandemia?
Não sou propriamente uma pessoa de baixar os braços, nunca o fui. Não podemos parar, temos de ter um plano. No mínimo, temos de ir resolvendo, tentando resolver. No verão, conseguimos recuperar…
No caso da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro, conseguiram reorientar-se para o mercado nacional?
Sim, felizmente, temos tido bons parceiros, clientes que se tornaram bons amigos. Julgo que vivemos um período em que somos obrigados a conhecermo-nos uns aos outros um pouco melhor. Estamos numa fase complicadíssima e o que sinto é que esta é também uma época de relações. Não dá para todos da mesma forma, mas vamo-nos segurando, olhando uns pelos outros.
Podemos achar que temos o melhor vinho do mundo, mas o que isso interessa se ele não se vender?
Como é o seu envolvimento com o trabalho nas quintas? Gosta de ir para a adega?
Não sou técnica, apesar de muitos julgarem que sou, mas não sou nem o pretendo ser. Não percebo de vitivinicultura nem de enologia. Percebo de vinhos porque estou nos vinhos há 20 anos. É um negócio que cresceu comigo, e eu cresci com os vinhos.
Mas visita regularmente as quintas. Na adega, dá sugestões? Gosta de provar?
Na adega, não faço nada. Mas toda a criação de lote, toda a arquitetura de lote, desenho de portefólio, perfil , é feita comigo.
O que encontra de diferente nesse trabalho?
Vejo-o como um trabalho muito criativo. Além disso, é um trabalho de amor. Não acho possível fazer um vinho de qualidade sem ter paixão pelo que se faz. Tal como não acho possível pintar um quadro ou desenhar uma porcelana. Criar vinhos é um pouco como criar arte, é preciso amor, tempo, dedicação, interpretação. O nosso enólogo [Jorge Alves] diz muitas vezes que se trata de uma enologia de contemplação. Acho que ele tem razão: é o estar ali, e acaba por ser um trabalho simples, de ligação à terra e à Natureza, às coisas simples da vida.
É importante que o enólogo se identifique com o seu modo de trabalhar?
Tenho uma ótima relação com ele, conhecemo-nos há muitos anos. Mas, não desprezando o enólogo, acho que é importante falarmos de toda a equipa. O trabalho de uma grande casa não é só o trabalho dos acionistas e do enólogo, é muito mais do que isso. E tem de ser mesmo um trabalho de equipa, de consistência, de persistência, de muita vontade, ao longo dos anos. E aqui incluo também a parte financeira e comercial. Podemos achar que temos o melhor vinho do mundo, mas o que isso interessa se ele não se vender?

Numa entrevista recente à VISÃO, Leonor de Freitas, da Casa Ermelinda de Freitas, disse que os vinhos portugueses podiam até ser melhores do que os franceses ou os italianos, mas que só conseguimos vendê-los lá fora por serem baratos. Está de acordo?Gosto imenso da Leonor, é uma pessoa que prezo imenso, essa pergunta é bastante traiçoeira [risos].
Vamos por partes: a sua forma de estar no negócio do vinho é diferente?
O meu modelo de negócio é completamente diferente. Nós dedicamo-nos a uma gama de vinhos superior, à restauração, às garrafeiras, aos sommeliers. Mas eu tenho imensa pena de que haja essa ideia sobre os vinhos portugueses. Provavelmente, tivemos vários fatores históricos (e também alguma falta de oportunidade) que levaram a que não tivéssemos tido a promoção certa, na altura certa. Como aconteceu, por exemplo, com os vinhos argentinos. Agora, o mundo do vinho não é feito só de vinhos caros. Hoje, é feito também de vinhos mais baratos – e bem!
E há uma, digamos assim, uma certa democratização do consumo?
Existe uma democratização do consumo que, em parte, é permitida pela modernização da vitivinicultura. Passámos de uma vitivinicultura tradicional para uma mais moderna que, em vez de produzir quatro mil quilos por hectare, produz 18 e 20 mil quilos por hectare, em vinhas mecanizadas, sem qualquer problema. Juntamente com outros países, Portugal é um dos países que conseguem produzir vinhos com imensa qualidade, porque há imensas horas de sol. Conseguimos pôr esses vinhos em muitos pontos do mundo que, de outra forma, não teriam acesso ao vinho. Essa democratização do mundo do vinho também permite que o consumidor, hoje, prove Merlot, amanhã, beba Cabernet Sauvignon e, depois, Syrah. Isto é válido para o vinho português, mas também se aplica ao vinho argentino, e ainda aos imensos vinhos italianos e franceses que são vendidos ao preço dos vinhos portugueses.
Podemos achar que temos o melhor vinho do mundo, mas o que isso interessa se ele não se vender?
A Quinta da Taboadella, no Dão, é um projeto com preocupações ambientais e arquitetónicas. No Douro, na Quinta Nova, preocupou-se, sobretudo, em preservar o que já existia. O que têm em comum estas duas quintas?
Julgo que há um ponto que nos orientou em ambos os projetos: a essência do lugar. No Douro, temos uma quinta com terroir, com vários microterroirs, com uma cultura muito própria. Quando fizemos o hotel, em 2005, lembro-me perfeitamente de as pessoas me perguntarem se íamos fazer um design hotel. Era o que se usava na altura… Um norte-americano ou um francês, quando chega ao Douro, quer ter a cultura do Douro, quer sentir que está numa casa e numa adega que são dali. E, mesmo para fazer os vinhos, é ali que temos de nos inspirar, naquelas 41 parcelas. Aprendi muito nas caves do vinho do Porto, quando trabalhei na Burmester. E, nomeadamente, aprendi aquela que foi a minha primeira grande lição no mundo dos vinhos: a importância do estilo da casa.
E o que é esse estilo da casa?
Apesar de todas as casas de vinho do Porto terem vintages, todas elas diferem no estilo da casa, que é a cultura de uma marca com anos de História. Tem que ver com a essência. E eu acho que, quando nós olhamos para essa essência, para essa História, para esse passado, encontramos uma ideia de futuro. É assim que criamos o nosso lugar.

No Alentejo, na Herdade Aldeia de Cima, apesar de se tratar de um projeto pessoal, já disse que fez todas as contas que havia para fazer. Há sonhos, mas não há apostas no arame?
[Risos.] Acho que é preciso sonhar, ter alegrias, sempre, mas também gosto de viver a vida com equilíbrios, é essa a minha forma de ser. Na serra do Mendro, um sítio extremamente fresco, criámos um projeto pequenino, são só 20 hectares de vitivinicultura. Também é um projeto sustentável, em patamares, que tenta resgatar algumas das castas que estavam um pouco esquecidas no Alentejo. Ainda estamos a dar os primeiros passos, mas é um projeto de futuro, que me liga à terra.