Luís Capão é o único português com o nome inscrito no programa da 9ª edição do FRU.TO, uma jornada dinamizada pelo chefe brasileiro Alex Atala e pelo produtor cultural Felipe Ribenboim, para refletir sobre o impacto da gastronomia na sustentabilidade e pôr os mais novos a pensar na mudança – este ano assenta sobre o Alimento como Ferramenta de Transformação. As palestras e workshops viraram globais, por culpa da pandemia e da obrigatoriedade de os fazer online, nos dias 19 e 20 de novembro, quando antes se realizavam no Brasil. O FRU.TO aliou-se também ao reputado Basque Culinary Center, que fica em San Sebastian.
Mas afinal, que fez este engenheiro florestal, de 41 anos, para merecer isso?
Antes de mais, diga-se que Luís Capão, da Terras de Cascais, não estará sozinho nos 45 minutos que a organização lhe dispensou para o workshop As Hortas Urbanas, Os Cidadãos e a Comida Local, às 12h30 de sexta, dia 20. Desafiou o chefe Frederic Breitenbucher, do Hotel Albatroz, para ajudá-lo a mostrar parte do projeto que gere, dentro da Cascais Ambiente. Neste caso, irão os dois para a horta da Quinta do Pisão, no concelho, para colher legumes frescos que depois serão cozinhados durante o webinar.
Assim, talvez o tempo seja escasso para tocar em todas as valências desta empreitada ambiental da autarquia, que começou em 2009 com o projeto das hortas comunitárias. Hoje, existem 26 terrenos, espalhados por 16 500 metros quadrados e geridos por 550 hortelãos informais. Para o ano, haverá mais três, pois a lista de espera ultrapassa os 1700 munícipes, mas há que garantir a formação contínua das pessoas para que não abandonem os seus talhões.
“Um relvado é um deserto”
Atualmente, além de o concelho estar mais verde à custa das hortas, a autarquia comprou o Mosteiro de Santa Maria do Mar, em Carcavelos, e está a replantar vinha para voltar a existir registos do afamado Vinho de Carcavelos dentro do concelho. Entretanto, já há 19 viticultores distribuídos por outras vinhas comunitárias, a tratar da preservação dessa marca. A mesma lógica vai estender-se igualmente aos pomares. “Temos uma parceria com a geladaria Santini”, revela Luís Capão, lembrando o gelado de meloa da Quinta do Pisão que provou no final do verão e que não cansa de elogiar. As sinergias com locais de bem comer do concelho são para estender ao maior número possível de pessoas, para que se promova a ligação dos alimentos à cultura da região. É isso que o chefe do Hotel Albatroz vai exemplificar para o mundo ver, dando forma e consistência ao projeto-piloto da Horta do Chef.
“Um relvado é um deserto do ponto de vista da biodiversidade, mas com estas iniciativas vamos pintando os terrenos, mudando a paisagem com pessoas, agricultura sustentável e economia circular”, nota o engenheiro florestal, enfatizando toda a componente social dos projetos camarários. A produção das hortas tanto ajuda as famílias, que podem tornar-se mais auto sustentáveis, como serve para doações aos mais carenciados. A horta da Quinta do Pisão, explorada por funcionários da Câmara de Cascais, produz 50 toneladas por ano de produtos biológicos, parte deles são vendidos diretamente na horta, outros vão para cabazes e uma grande fatia é dirigida para a rede social. A horta do Brejo, na prisão de Tires, também está vocacionada para as duas valências de venda e doação.
Ao ouvir as palavras do chefe Alex Atala, o mentor do FRU.TO e do restaurante D.O.M., em São Paulo, sobre o mundo em que vivemos, percebe-se que Luís Capão só podia fazer parte do elenco: “Precisamos de mudar a relação do ser humano com o alimento. Mesmo que nos custe a acreditar, bastarão somente algumas décadas para vermos consumado um problema de proporções importantes e com enormes efeitos nas nossas vidas. O papel das cozinheiras e cozinheiros, como dos que integram a cadeia de valor deste setor, é cada vez mais evidente e necessário: é urgente que adotemos ações sustentáveis e que entendamos que os alimentos são fonte de saúde, mas também de conhecimento, história e cultura.”
Para os dois dias de palestras e workshops, convidaram-se ainda os cozinheiros Douglas McMaster (Silo, RU), Matt Orlando (Amass, Dinamarca), Tracy Chang (Pagu, EUA), Selassie Atadika (Midunu, Gana), Oliver Holt (Kitchen Farming Project, EUA) e Jaime Rodríguez (proyecto Caribe, Colômbia), o etno-botânico Miles Irvin (RU), a ativista Chido Govera (Zimbabué), a designer Elsa Yranzo (Espanha), a arquiteta Carolyn Steel (RU), a ambientalista Camille Etienne e Pamela Coke-Hamilton (International Trade Centre). O programa abordará assuntos como a economia circular, biodiversidade, utilização eficiente de recursos, food design, consumo, organização social, hortas urbanas, cozinha sem desperdício, cozinha de combate, ativismo ou políticas públicas. A transmissão será ao vivo, em 4 línguas, através do Zoom e Youtube. A inscrição é gratuita.