Muito se falou nos últimos dias de um revisor da CP que, segundo o Jornal de Notícias, é casado e pastor numa Igreja no Entroncamento. Tudo porque, numa viagem entre o Carrascal e Tomar, abordou uma passageira para lhe cobrar o bilhete – mas depois acabou a comentar algo a despropósito: “Anda bem que não está frio ou as mamocas constipavam-se”.
Sara Sequeira, 28 anos, garante que nem queria acreditar e logo acusou o funcionário de ter “um comportamento nojento”. Segundo o vídeo que divulgou no seu Instagram, o homem não ficou por ali. Replicou que não tratou mal ninguém e que “há normas para viajar num transporte público, acusando-a de “andar a provocar os homens todos”. E que por isso não pedia desculpa, remata a mulher, que remeteu a queixa para a CP e para as autoridades competentes.
Não será caso único, mas, cinco anos depois da lei que criminalizou o chamado piropo, o número oficial dos casos de assédio no nosso país é ainda muito residual ( 0,1%) face a todos os crimes registados. De acordo com o último relatório anual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – APAV, contam-se apenas 25 crimes de assédio sexual em 2019. Um número que, como justifica Daniel Cotrim, daquela associação, se refere apenas a queixas referentes a comentários feitos às mulheres na rua. “Algo que é pouco reconhecido pelas pessoas como um crime.”
“País machista, sociedade marcadamente patriarcal”
Foi em 2015 que o crime de importunação sexual passou a incluir as “propostas de teor sexual”, comummente intituladas de “piropos”. De acordo com o Ministério Público, houve muitas denúncias por este crime – ao todo, foram abertos 4123 inquéritos, dos quais 476 terminaram em acusação. No entanto, Daniel Cotrim considera que Portugal continua a ser “um país machista, com uma sociedade marcadamente patriarcal”. E que casos como este mostram que “a mentalidade não está a mudar”.
O especialista da APAV faz ainda questão de mencionar que as testemunhas de casos destes têm um papel fulcral – mas que demasiadas vezes ainda são cúmplices do que se passa. “Enquanto cidadãos temos de ser capazes de dizer não”, remata, a recordar a campanha promovida em março por aquela associação e pela marca L’Oréal sob o mote “Stand Up”, na qual se apresentavam soluções para as testemunhas intervirem contra o agressor. Atos tão simples como simplesmente “meter conversa” ou “perguntar as horas”.
Quanto às gravações de incidentes do género, Cotrim acredita que ajudem a criar sensibilização para a causa – apesar de, em contexto de Tribunal, “serem ilícitas e não poderem ser usadas como prova”. Mas como relembra o técnico da APAV, “tornar as causas públicas é sempre positivo, desde que a partilha seja feita de forma a quebrar a iliteracia das pessoas sobre o assédio sexual e os seus direitos humanos”.