Fazer jornalismo não estava nos planos da antiga universitária em psicologia organizacional, mas o curso não era o que esperava e, enquanto procurava emprego “para pagar as contas”, propôs-se escrever num jornal de distribuição gratuita e numa publicação local com distribuição nacional. Um dos artigos captou a atenção do New York Times. Desde então, colabora com vários títulos e ouvir continua a ser o seu instrumento de trabalho. “Foi uma carreira acidental”, admite. Com uma natureza reservada, prefere ouvir a falar, mas a publicação do seu primeiro livro trocou-lhes as voltas, invertendo os papéis. Pediu para a conversa ser em áudio: “Gosto mais de estar nos bastidores, sem ser o centro das atenções.” Centremo-nos, pois, no que ela tem para contar.
O que a levou a interessar-se a fundo por este tópico?
Ouvir é uma arte que está a perder-se no século XXI. Somos ensinados a valorizar a importância de falar, de liderar as conversas e deixar uma marca, sem perceber que só obtemos informação e aprendemos através da escuta, a forma mais poderosa de comunicação.
Porque não o fazemos mais vezes?
É uma questão cultural: falar conta mais, ouvir é sinónimo de submissão. Quando se diz a uma criança “Ouve o que te digo!”, ela depreende que vai ser repreendida ou fez algo de errado. É toda uma psicologia que nos formata desde cedo e que a tecnologia apenas enfatizou.
Nos media sociais, as pessoas não fazem mais do que projetar, partilhar opiniões, que está longe de envolver o outro. O ambiente em que nos movimentamos não ajuda: num restaurante, numa loja, a música e o ruído são uma presença constante, é preciso falar mais alto para ser ouvido. Se esta capacidade não é usada atrofia, como sucede com um músculo que não é exercitado.
Contudo, os podcasts registam uma popularidade sem precedentes. No livro usa a expressão podfasting. O que quer dizer com isso?
As pessoas adoram porque lhes permite fazer outras coisas ao mesmo tempo e podem acelerar, passar à frente o que estão a ouvir. Ninguém presta atenção exclusiva a um podcast, ele está em pano de fundo enquanto se faz exercício ou se prepara o jantar. As pessoas não suportam ficar em silêncio com os seus pensamentos. Não admira que lhes seja difícil ouvirem outra pessoa. Só podemos ser íntimos de alguém se formos capazes de ouvir. Se não conseguimos fazê-lo connosco, menos ainda com outros.
O que evoluiu desde os estudos de Ralph Nichols, pai da investigação neste campo?
Ele teve o mérito de mostrar como somos tão maus ouvintes através de uma experiência muito simples: depois de ouvirem uma palestra de 15 minutos, as pessoas da amostra só conseguiram prestar atenção a metade, mesmo sabendo que estavam a ser testadas.
Além disso, chamou a atenção para o facto de, na presença de pontos de vista discordantes, poder ser eu, e não necessariamente o outro, que está errado. É que nem se chega a deixá-lo falar, naquilo a que chamo a “cultura do cancelamento”.
Cultura do cancelamento?
Sim, obliterar o outro sem dar hipótese a qualquer tipo de conexão: deixar de falar com ele, apagar conteúdos ou retirar o perfil dele da rede de amigos virtuais, sem querer saber o que pensa e, menos ainda, dispor-se a ouvi-la com uma atitude aberta ou recetiva. Não é prática comum indagar “o que é que esta pessoa sabe que eu não sei”?
Nessa medida, quem tem perdas auditivas pode ficar em grande desvantagem.
Sem dúvida. Helen Keller, que era surda-muda, dizia que lhe era mais penosa a surdez, isolava-a dos outros. Curiosamente, durante o confinamento, recebi cartas em que me confessaram ter ficado mais conscientes desse isolamento, imposto pela distância social. Perceberam como estavam emocionalmente distantes, surdas relativamente aqueles que estavam nas suas vidas. Sem lhes prestarem a atenção devida, os relacionamentos ficavam suspensos, sem condições para se desenvolver.
Confessaram-lhe arrependimento, oportunidades perdidas por faltas de atenção?
Recebo diariamente mails de leitores que repensaram a sua maneira de estar durante a quarentena, com resultados que não esperavam: conseguir um trabalho ou iniciar um relacionamento estável, por exemplo. Fizeram um esforço de aproximação das pessoas com quem estavam e daquelas de quem estavam separadas fisicamente, ligando-lhes pelo menos uma vez por semana. Um homem contou-me que começou por perguntar a amigos o que viam da sua janela, o que abriu a porta a uma série de conversas interessantes e íntimas. Agradeceu-me por isso, abrir-se a outros perguntando apenas “o que vês?”, “como estás?”, “o que sentes?” e ouvir, efetivamente, o que tinham para dizer.
A disponibilidade para ouvir passa pela questão de género?
Costuma dizer-se que as mulheres são melhores ouvintes que os homens. Discute-se se é uma coisa cultural ou genética. Pessoal e profissionalmente, posso dizer que há excelentes ouvintes homens, do mesmo modo que há mulheres péssimas a ouvir os outros. Para mim, é o mesmo que dizer “todos os homens são mais altos que as mulheres”. Terá mais a ver com fatores individuais do que com uma questão de género.
Qual a relação entre a audição atenta e o processamento cerebral? Fala no livro sobre o papel da amígdala.
O medo e a ansiedade inibem a disponibilidade para ouvir. Um neurocientista explicou-me que o cérebro reage como se fosse um urso quando as nossas crenças e opiniões são desafiadas. Se exercitarmos a capacidade de pensar podemos acalmar a atividade da amígdala e baixar a resposta do medo. Como é que isto se faz? Perguntando ao outro, por exemplo, “como chegaste a essa opinião?” ou convidando-o a dizer mais sobre o assunto, questionando-nos, também: “Deixa ver o penso sobre o que estás a dizer”. É um processo criativo que nos permite estabelecer e aprofundar ligações.
Porque temos tão medo de ouvir os outros?
Todos queremos ser amados e tememos ser rejeitados se não tivermos no mesmo registo, é uma coisa muito primária achar que o outro tem de estar do nosso lado.
Na sua pesquisa estudou os rumores ou boatos. Porque lhes damos tantos ouvidos?
Fiquei impressionada com o número de investigações realizadas neste campo! Embora mal vistos, os boatos servem para obter informações sociais valiosas, sobre o modo como nos afiliamos uns aos outros e questões de natureza moral.
Ao falar de alguém na sua ausência estamos a tentar perceber o que é apreciado ou não, se temos ali um aliado ou um adversário.
No mundo empresarial é frequente empregar o termo “escuta ativa”. O que pode dizer sobre isso?
Fala-se muito de como parece uma pessoa que escuta ativamente, mas pouco do que é de facto. Acenar com a cabeça, dizer “uhm, uhm”, parafrasear o que o outro diz ou manter a boca fechada para não parecer que vai interromper. Porém, o que define um bom ouvinte é a forma como responde à pessoa que tem diante de si: com a mente aberta e sem distrair-se com o que se passa à volta ou perder-se nos seus pensamentos. Fazê-lo é diminuir a importância do outro e a narrativa dele, passar ao lado do que sente sem esforçar-se por compreender o que ele quer dizer. Além disso, só durante uma conversa genuína é que o interlocutor ganha clareza sobre aquilo que pretende dizer.
Estudou ainda o que o gigante Google fez há oito anos, sobre estilos de comunicar.
Queriam perceber quais os fatores que sustentavam uma boa equipa: se era a idade, os passatempos, a escola frequentada e muitos outros. Ao fim de três anos de investigação e muita recolha de dados, a que é que chegaram? Apenas isto: nas equipas de sucesso ouvem-se uns aos outros. As pessoas só partilham ideias sem medo de serem rejeitadas quando têm segurança psicológica para poderem ser elas mesmas e dizerem o que pensam.
O que pode perder não sendo um bom ouvinte? Algum mito que importe derrubar?
A posição mais poderosa na comunicação não está no falar, mas no ouvir, que está presente na forma como nos envolvemos, aprendemos e nos apaixonamos. Ouvir é essencial em qualquer forma de relação bem sucedida A pandemia mostrou isso: quando tivemos de nos fechar em casa, manter a distância e usar máscara, percebemos como as ligações com os outros são a alegria da vida, a razão porque estamos aqui e pela qual seremos lembrados.