A 19 de março, já em pleno estado de emergência e com a população confinada, uma retroescavadora entrou por uma das cinco frentes de obra do Sky City, futuro empreendimento de moradias e apartamentos, perto do marco geodésico de Carnaxide, sem olhar nem à fauna, nem à flora. Por ali ainda se encontram zambujeiros e algumas orquídeas, mas também já foi avistado um casal de águias e os mais comuns peneireiros (falconídeos). É Jorge Marques, bancário reformado, sócio da Sociedade Portuguesa de Naturalogia e um interessado nas questões ambientais, que dá conta à VISÃO do que se passa nesta zona verde inserida na Área Metropolitana de Lisboa. O Sky City é apenas um dos quatro projetos urbanísticos cuja construção não para nos 600 hectares da serra de Carnaxide, enquadrada com o Estuário do Tejo e a meio caminho entre a serra de Sintra e o Parque Florestal de Monsanto, uma trilogia que perfaz um extenso corredor ecológico.
Estão ainda previstos o AquaTerra Masterplan da Jackyl, empresa imobiliária inglesa, outro dos projetos imobiliários que prevê um centro comercial, entre outras infraestruturas; uma cidade desportiva do Sport Lisboa e Benfica, um contrato feito há 11 anos com a autarquia de Oeiras, que contempla um complexo com pavilhão de artes marciais e ginástica, um campo de râguebi com pista de atletismo, um centro de massagens, uma pista de corrida indoor, uma piscina, um pavilhão desportivo, um campo de futebol, restaurante, centro de reuniões, clínica, ginásio e um silo de estacionamento com 540 lugares de automóveis. A Urbanização Alto da Montanha também causa polémica por se situar em redor do marco geodésico de Carnaxide, que a par do farol da Gibalta em Caxias (junto à linha de comboio) e do farol do Esteiro na Mata do Estádio Nacional, na Cruz Quebrada, auxiliavam as embarcações que queriam entrar na barra.
“O que está lá em cima, aquelas cinco frentes de obra do Sky City já são um crime”, diz Jorge Marques. O movimento criado por um grupo de cidadãos preocupados com a preservação da serra de Carnaxide, envolvendo investigadores ligados ao ambiente e à saúde, apela que a preservação deste local se torne uma preocupação nacional e não apenas local. Na Área Metropolitana de Lisboa mora um terço da população portuguesa, por isso o movimento considera que a betonização de uma serra que a todos afeta, pela proximidade e raridade, é um tema de relevância nacional. “As nossas pretensões são variadas, desde um parque natural, a um parque biológico, até à simples fruição por parte das pessoas”, acrescenta Jorge Marques.
É possível passear pela serra de Carnaxide e ali ainda encontrar as mães de água mandadas implantar pelo rei D. José I, nomeadamente o Aqueduto das Francesas, um ramal subsidiário do sistema do Aqueduto das Águas Livres, com início em Carnaxide, passando por Alfragide e chegando à Buraca. Esta é uma zona de vértissolos, terrenos raros e férteis (apenas 5% desta qualidade existe em território nacional), mas uma excessiva urbanização destas zonas irá, certamente, aumentar o risco de inundações e cheias.
Lançada em dezembro de 2019, a petição Preservar a Serra de Carnaxide está há sete meses a recolher assinaturas. Até agora já ultrapassou as três mil, mas precisa de reunir quatro mil para o assunto ser levado de novo à Comissão de Ambiente, antes de ir a Plenário. Há três anos, o assunto da serra de Carnaxide ficou-se pelo “interesse local”, mas para este grupo de cidadãos “a destruição de uma serra é um assunto de interesse nacional”.