Tal como o primeiro-ministro, os empresários do setor das diversões também não vislumbram o fim da pandemia. Mas, ao contrário de António Costa, aqueles nem sequer sabem se haverá luz ao fundo do túnel.
A suspensão da maioria das atividades económicas lançou esta atividade sazonal numa crise nunca vista. Paralisado praticamente desde outubro, cumprindo o chamado período de carência, o setor não retomou a atividade habitual em março devido à crise gerada pelo novo coronavírus. Todas as festas, feiras e romarias agendadas até final de junho foram canceladas e idêntica atitude já foi assumida por alguns municípios e outras entidades em relação a julho. Feira de Março (Aveiro), Senhor de Matosinhos, Festas das Cruzes (Barcelos), Santo António (Lisboa), São João (Porto, Braga e Évora), Feira de Maio (Leiria) Festas Populares (Pinhal Novo), festas das Chagas e da Quinta do Conde (Sesimbra), entre muitas outras com relevância extrema para a sustentabilidade desta área, já não se realizam este ano.
Os prejuízos estão ainda por avaliar na globalidade. Mas o cortejo da crise ameaça as perspetivas até ao final de 2020. “Atravessamos um período extremamente difícil”, reconheceu à VISÃO Francisco Bernardo, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Diversão (APED). “Estas famílias não têm outras fontes de rendimento e sem receitas não terão dinheiro para conseguir colocar alimentos na mesa para o seu sustento e muito menos para cumprir com obrigações fiscais e financeiras”. A fazer fé num estudo recente da APED, a área das diversões envolve mais de 800 microempresas, grande parte compostas pelo agregado familiar. “Se não forem adotadas medidas de apoio direto, mais de 90% do setor terá morte antecipada”, reforça aquele dirigente.
Ao contrário de outros intervenientes de cariz cultural (artistas, responsáveis pela ornamentação, etc), os empresários das diversões pagam para participar nos eventos, contribuindo, no caso das feiras, festas e romarias já canceladas, com cerca de um milhão de euros para a organização e realização dos mesmas. E as más notícias continuam a chegar. De acordo com Francisco Bernardo, o setor sente-se “traído e abandonado pelos municípios, juntas de freguesia e tantas outras entidades” promotoras de feiras, festas e romarias. “Neste momento, já antecipam cancelamentos até três meses ou mais antes da sua realização, matando qualquer réstia de esperança que poderia existir da nossa parte em fazer aquilo de que mais gostamos: divertir o povo”.
Se nada se alterar, a paralisação poderá durar 18 meses, até março do próximo ano. Para já, as medidas do Governo “contemplam, a nível de impostos e apoios financeiros, os próximos três meses, e a nível bancário (moratórias) os próximos seis”, assinala Francisco Bernardo. “São um adiar do problema. Se, neste momento, já não conseguimos cumprir, quanto mais daqui a seis meses”.
No estaleiro. Até quando?
É num estaleiro comunitário de Vila de Conde, próximo da zona industrial da Maia, que o cenário de fim de festa ganha uma carga ainda mais simbólica.
No local vivem, por esta altura, três casais de empresários com quatro filhos entre os dois e os oito anos, que se distraem a brincar e a dar largas à imaginação nos aparelhos, máquinas e estruturas de diversão paradas. Estas famílias, naturais de Pedrógão Grande e Pampilhosa da Serra, decidiram manter-se no local para proteger os parentes mais velhos a viver nas regiões de origem. Por isso, o nebulado e chuvoso domingo de Páscoa foi ali passado, contemplando a doce traquinice dos pequenos, mas sem disfarçar a sensação amarga do momento.
O espaço, do tamanho de um campo de futebol, foi adquirido em 2015 e pago em prestações por um grupo de seis sócios que decidiram ter uma base comum para acomodar os equipamentos no semestre de “pousio” ou “época morta”.
Para além do estacionamento, o terreno permite a reparação entre eventos e a habitação temporária em modernas caravanas. No local, há uns vinte camiões, trinta semirreboques e um total de 25 divertimentos, entre os quais carrosséis de crianças e adultos, simuladores, jogos tradicionais e até uma montanha-russa comprada em 2017 por 900 mil euros pelos seis sócios, cujas prestações anuais foram agora suspensas no âmbito das decisões governamentais associadas ao combate à Covid-19. Se outras medidas não forem tomadas, “cerca de 70 por cento dos empresários não terá como pagar despesas correntes e 30 por cento irá para a miséria, ficando dependente de apoios sociais”, assume à VISÃO Luís Paulo Fernandes, um dos “estacionados” em Vila do Conde.
Antigo presidente da APED, ele decidiu reunir o contributo de dezenas de colegas e enviou, à margem das associações do setor, uma carta aberta ao Governo. Nela são reclamadas, entre outras, medidas de apoio para pagamento de encargos relacionados com este ofício itinerante ou, em alternativa, a suspensão dos pagamentos (seguros, taxas, impostos, etc) até ao reinício regular das atividades. Pede-se ainda a atribuição de bolsas com bens de primeira necessidade para os casos de famílias do setor em situação mais delicada, autorizações para ligação à rede de saneamento e energia dado o facto de alguns empresários viverem nos próprios veículos, e a permissão de estacionamento onde seja viável, sem cobrança de taxas de ocupação.
“Não queremos que o Governo nos entregue dinheiro, como ocorreu no caso dos artistas convidados para o TV Fest [entretanto suspenso]. É um mau exemplo”, assinala Luís Paulo Fernandes. “Mas que assuma as despesas inerentes à paralisação deste negócio, onde a sazonalidade e imprevisibilidade são enormes”, sustenta aquele sócio da APED. “Esta atividade nunca recebeu dinheiro para investimento, nunca conseguiu créditos na banca por causa da sua itinerância e os patrões são, ao mesmo tempo, trabalhadores, mecânicos, motoristas, pintores etc. Sempre foi precária, sazonal, dependente de condições meteorológicas e paga taxas não uniformes de câmara para câmara. Agora, não há união que valha…. Estamos paralisados! E os que já caíram, nunca mais se levantam”, crê Luís Paulo Fernandes. A crise é transversal a todas as diversões públicas e negócios nesta área, dos carrosséis aos vendedores de pipocas. Para já, e no sentido de atenuar dificuldades de colegas de ofício, a sociedade da qual faz parte aquele empresário dispõe-se a acolher no terreno de Vila do Conde as famílias itinerantes que precisem de ajuda e não tenham onde ficar ou estacionar durante este período sem trabalho.
Propostas desesperadas
A Associação para o Desenvolvimento das Atividades em Portugal de Circos, Divertimentos e Espetáculos (ADAPCDE) é outra das representantes do setor, revindicando mais de 1300 associados.
Segundo o seu presidente, Mário Loureiro, a crise pandémica já está a afetar, inclusive, o pagamento de quotas, e também motivou o envio de propostas ao Governo, em todo semelhantes às reivindicadas pela APED e pelo grupo de empresários mobilizado por Luís Paulo Fernandes. “Antes da declaração do estado de emergência, já as organizações das feiras e de festas começaram a cancelá-las, inclusive até de julho, o que para já é um absurdo e reflete a postura pessimista de muitos portugueses. O mesmo aconteceu com a maioria dos circos que foram proibidos de trabalhar pela maioria das autarquias”, acusa o dirigente.
Além de reclamar autorização para emitir declarações que ajudem a colmatar lacunas legais relacionadas com a atividade e cujo caderno reivindicativo é anterior a esta vaga, a associação desafia o Governo a proibir o cancelamento de festas, festivais, romarias, feiras e outras celebrações no período que antecede as três semanas para o início do evento. “Esperamos que o período crítico da epidemia acabe antes do fim de maio e a economia volte a funcionar bem para que tenhamos um verão com muito turismo no período”, refere Mário Loureiro,
defendendo, em caso de impossibilidade, o adiamento das feiras e festas para os meses de setembro a novembro, “as quais devem ser subsidiadas pelo Estado” que, segundo aquele dirigente, não tardará a recuperar os apoios pela via dos impostos diretos ou indiretos.
A APED, pela voz de Francisco Bernardo, sugere ainda “moratórias nos créditos”, no mínimo durante um ano a partir da declaração do estado de emergência, a suspensão da validade de todos os documentos relativos a esta atividade, em particular certificados de inspeções dos equipamentos de diversão e seguros, suspensão de pagamentos de segurança social e impostos durante todo o período de paralisação das empresas e, por fim, a criação de linhas de crédito especificas para o setor, com períodos de carência até doze meses.
Perante as incertezas geradas pela pandemia, nem o País de romarias celebrado pelo poeta António Nobre se salva. Resta saber quanto tempo durará o clima de feira cabisbaixa ou fim de festa. Para já, não há foguetes no horizonte.