“A primeira noite ninguém esquece”, diz-nos um homem de meia-idade, que se apresenta como João, mas que se recolhe na tenda como reação à pergunta “Como foi a sua primeira noite na rua?”. “Não levem a mal, mas não me quero lembrar”, continua e já lhe veio à memória tudo o que quer esquecer. “Foi a primeira vez que pedi ajuda; pedi ajuda aos meus pais e a resposta deles foi porem-me fora de casa. Nunca mais peço ajuda a ninguém…” Fecho corrido na tenda instalada atrás da discoteca Lux, com vista magnífica para o Tejo.
UMA HISTÓRIA DE AMOR
Filipa e Filipe
Ela tem dois filhos, que entregou ao pai das crianças por não conseguir dar-lhes uma vida estável. A primeira vez que dormiu na rua estava grávida de três meses. Ele tinha 14 anos quando seguiu o irmão até uma casa abandonada e passou a adolescência entre a rua, o colégio e a casa paterna. Têm agora 24 e 25 anos, respetivamente

Fecho aberto numa outra tenda, num outro ponto da cidade. Em Telheiras, “zona fina”, faz notar Filipa, a rapariga bonita que dispara as suas respostas a alta velocidade. “Estava grávida de três meses do meu filho mais novo quando dormi pela primeira vez na rua, tinha 21 anos. Não tive medo, estava com ele [aponta para Filipe], e ficámos à porta de um antigo tribunal. Dali passámos para as escadas de uma igreja de Arroios. Levava a roupa que tinha no corpo. Tive muito frio… É nestas alturas que eu vejo que não tenho mais ninguém.” O amor de Filipa e Filipe topa-se a léguas e foi por ele que ela deixou tudo e se fez às ruas da capital. “Os meus dois filhos, de 5 e 3 anos, vivem com o pai deles. Muita gente me diz que eu abandonei os meus filhos por causa de um homem. Não é verdade. Abdiquei deles porque não tenho estabilidade e, para colocar o seu bem-estar acima do meu, entreguei-os ao pai. Foi um ato de amor.”
Filipa tem o coração cheio, mas amor é o que mais falta faz a quem anda assim na vida, que de tetos já nem vale a pena falar. Andreia tem um, mas de vez em quando faz-se à estrada e vai passar umas noites debaixo de um viaduto para poder estar com o namorado, André. Estes nomes parecem inventados, feitos uns para os outros, mas não são.
André tem agora 22 anos, veio há pouco mais de um mês de Guimarães. Na manhã em que largou a casa dos pais, não acontecera nada. Não houve maus-tratos como no passado, sentimentos de abandono, nada. Simplesmente decidiu meter roupa numa mochila, cobertores, duas mantas, dois pacotes de bolachas, uma embalagem de iogurtes líquidos e outra de sólidos. Saiu de manhã cedo e apanhou o intercidades para Lisboa. Tinha lá estado com 9 anos, numa visita ao Oceanário, e nunca esquecera os brilhos da capital. Sem saber onde ir dormir, lembrou-se do aeroporto e lá se encostou num canto, cheio de frio, enquanto as pessoas entravam e saíam de aviões, arrastando bagagem e falando outras línguas. “Um dia, quero ir ao Japão”, diz André, “mas deve ser longe, espero não ter medo de andar de avião…”
O melhor empregado de mesa
Encontramos André debaixo de um viaduto, para lá de Santa Apolónia. Estão por ali uma dezena de pessoas a viver em tendas. Um cão de fila brasileiro impressiona pelo porte e pela beleza. Está bem lavado e bem tratado – mais até do que algumas pessoas ali – e os voluntários do CASA (Centro de Apoio ao Sem-Abrigo) levam-lhe um saco de comida. Perguntam pelo dono, o “Lágrima”, mas respondem-lhes que está a dormir.
O CASA distribui todos os dias cerca de 500 refeições quentes. De segunda a sexta, um cozinheiro contratado prepara a comida que os voluntários irão distribuir, por equipas, em várias voltas a Lisboa. Mas ao fim de semana são os próprios voluntários a ocupar a cozinha. Na volta de Santa Apolónia levam-se cerca de 70 refeições e, como os sem-abrigo estão dispersos, a carrinha vai parando para se ir aos lugares mais escondidos. Como aquele em Xabregas, atrás de uns vagões parados na linha de comboio, que a coordenadora Paula Cortes trepa com destreza para alcançar as pessoas que lá vivem e que conhece pelo nome.
“A segunda noite foi pior do que a primeira. Puseram-me fora do aeroporto e fui para o Rossio. Mas tentaram assaltar-me, levar-me as coisas. Como estava perto de uma paragem de táxis, os taxistas vieram ajudar-me. Eu tinha trazido 80 euros comigo e estava preocupado que me levassem o dinheiro. Não preguei olho toda a noite”, descreve. Toda a gente sabe que estes assaltos são normais entre pessoas sem-abrigo, com a miséria a querer roubar a desgraça e vice-versa. As ruas têm leis e é pela força que elas são impostas. Assim muitos deles aprenderam cedo na vida e serão poucos ou nenhuns os que estão na rua sem que um trauma lhes conduza a ação. André sentiu-se rejeitado em criança e negligenciado na adolescência. Perdeu dois dentes num acidente de bicicleta há alguns anos e nunca foi tratado. Acredita que é por isso que não consegue arranjar emprego na restauração, ele que é “um craque como empregado de mesa”.
Quando estiver bem na vida vou ajudar os outros sem-abrigo
André
André tem o penteado da moda (à João Félix), veste calças e uma camisa formal, com a qual se apresenta quando vai procurar emprego. Só os ténis estragados destoam, mas o rapaz já está a juntar dinheiro para comprar uns novos, com as moedas ganhas a arrumar carros. Tornou-se sem-abrigo para fugir ao que tinha em casa, ele que foi criado, nos seus primeiros anos, entre um irmão e o outro, uma vez que os pais estavam presos, segundo conta: “Andei de mão em mão.” Deixou a escola sem o 9º ano e passou a trabalhar no café dos pais. Mas sentia-se “o escravo da família”.
Números
3 396 pessoas sem teto e sem casa em Portugal
11 113 pessoas estarão em risco de se tornar sem-abrigo (a maior parte vive em caravanas, em casa de familiares ou está na iminência de ser despejada)
44% concentram-se na Área Metropolitana de Lisboa (e 24% no Porto)
(Fonte: Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023)
Mas as ruas também são feitas de acasos incríveis. No Rossio, André encontrou um primo direito que não via há anos. Chamam-lhe ‘‘Lágrima’’ e também é sem-abrigo.
O primo Tiago…
Tiago tem 36 anos e três lágrimas tatuadas a cair dos olhos – duas de um lado e uma do outro. Representam os seus primeiros três anos de vida, com a mãe. Um dia, a mãe pegou nele e deixou-o num parque. Isto contou-lhe uma vizinha, que o terá resgatado do parque e entregado ao pai, um sem-abrigo. Deste triste início de vida Tiago não se lembra, nem dos maus-tratos que terá sofrido com o padrasto ou da vez em que foi amarrado à “barraca do cão, a comer como um cão” – mas aceita a versão da vizinha e sente-a como sendo a sua verdade.
Vivi com o meu pai na rua dos 3 aos 5 anos, a comer dos caixotes do lixo
Tiago
Com o pai viveu na rua dos 3 aos 5 anos, a “comer dos caixotes do lixo”. É a exceção que confirma a regra de que a primeira noite ninguém esquece. Tiago apagou-a da memória. Foi como se aquele período nunca tivesse existido. Então quer contar a primeira noite de que se lembra e convida-nos a sentarmo-nos num improvável sofá amarelo instalado junto às tendas debaixo do viaduto. Tinha 11 anos e fugira da Casa do Gaiato, em Loures. “Nunca tive amor de mãe nem de pai, mas estava habituado a estar com o meu pai e não queria ficar no colégio. Nessa noite estava a chover”, recorda. “Troquei um maço de tabaco por uma ganza e foi a primeira vez que fumei. Deixou-me a cabeça cheia, sem pensar em nada, na família. Fui para a Gare do Oriente, em frente ao shopping. Mas de cada vez que via a polícia, fugia, pensava que iam levar-me para casa do meu pai e eu não queria ir para lá. Por mais que eu gostasse dele, sabia que a mulher que estava com ele ia fazer-me mal e que ele ia voltar a levar-me para o colégio. Nessa noite não dormi, andava sempre para um lado e para o outro. Nem nas noites seguintes. Só dormia de dia.”
A seguir, foi um entra-e-sai entre o colégio, a casa do pai e a rua. Começou a roubar e a prisão entrou na equação. Com pena suspensa, está de novo na rua, esse imenso lar onde aprendeu a ser gente.
AS LEIS DA RUA
Tiago
Tem agora 36 anos, mas começou cedo a aprender as regras de quem vive sem teto. Abandonado pela mãe aos 3 anos, viveu com o pai na rua até aos 5. Depois foi um pingue-pongue entre colégios, a casa do pai e a prisão. Cresceu sem amor e orgulha-se de ter conseguido bastar-se a si próprio

Não é tão imenso assim, afinal. Há territórios. Debaixo daquele viaduto manda Tiago. Não é qualquer um que pode montar ali a tenda ou ajudar a estacionar os camiões que vão para o Porto de Lisboa. O ‘‘Lágrima’’ não gosta de quem vá ali sujar a zona e tem o seu cão de fila para o proteger. Além desse, tem mais dois cães de pequeno porte, um deles com apenas um mês. Limpos, cuidados, bem alimentados, brincam um com o outro alheios a tudo. “Não sou feliz, sou triste”, conclui Tiago, “a minha assistente social disse-me que eu precisava de um psicólogo. Mas a família já não pode fazer-me mal porque eu não deixo. Consegui tudo por mim e só me falta ter uma casa e um trabalho”. “Se forem ao Rossio”, pede-nos, “mandem um abraço ao meu ‘tio’”.
… e os “tios” Mateus e Nelson
André leva-nos até ao Rossio para nos apresentar o “tio”. ‘‘Tio’’ está aqui com aspas porque é só uma forma carinhosa de tratarem Mateus, 59 anos, dois terços da vida passados na rua. Quando nos vê, chora porque foi espancado. Não quer dizer porquê, mas as marcas no rosto são bem visíveis. Procura afetos, dá beijinhos, pega-nos pelo braço e leva-nos até ao local onde dorme, nos Restauradores. Não tem tenda, só uns sacos, umas mantas e um livro titulado Os Homens São como Chocolate, uma comédia romântica escrita por Tina Grube. Mas Mateus insiste em dizer que o livro é da sua autoria.
E até é, de um certo ponto de vista. Abre-o, lê passagens que não existem naquelas páginas, só na sua cabeça, e representa toda uma peça de teatro que se chama O Sem-abrigo. Dois atos para duas personagens, o sem-abrigo e o seu pai. A voz de Mateus altera-se, assume uma tonalidade que nos lembra os filmes portugueses dos anos 40-50, o que não é de estranhar num admirador de João Villaret e de Ivone Silva. “Até cheguei a trabalhar no Parque Mayer, a fazer limpezas”, garante-nos.
Mateus gosta dos aplausos, queria ter sido ator. Deixou Vila Chã de Ourique depois da tropa e da morte da tia que o criou e veio para Lisboa. “Na primeira noite fiquei debaixo das escadas de uma pensão. Tive tanto medo! Queria matar-me”, conta.
Voltamos à peça e àquele pai de voz grossa que pergunta: “Quem és tu que cheiras a podre?” Ao que o filho responde, com voz delicada e submissa: “Sou eu, meu pai, este filho que nunca conheceste. Perdoa-me que não sou ninguém no mundo.” E Mateus anda num rodopio naquele passeio, agita-se, ajoelha-se, levanta-se, cai no chão. Os turistas pasmam para o espetáculo que o homem repete várias vezes. Bem pode interpelar aquele pai, dia e noite, que provavelmente ficará sempre sem resposta. Nunca conheceu os pais, que o abandonaram à nascença, segundo diz. Mas a sua história começa a embrulhar-se nas armadilhas da memória e da imaginação.
NO PALCO
Mateus
Aos 59 anos, sem nunca esquecer o sonho de ser ator, declama a poesia da sua lavra com voz grossa e teatral. No palco da rua representa ainda uma peça que inventou. Chama-se O Sem-abrigo

O oposto de Nelson, 68 anos, que nos descreve o seu percurso mais longínquo sem se esquecer do ano, do mês e do dia, da cidade, do bairro e da rua. Ah, e de quem estava com ele em cada situação. Sentado numa paragem de autocarro do Rossio, rodeado de voluntários do CASA, primeiro, e depois da Comunidade Vida e Paz, é um homem atencioso, educado, bem-falante, por quem todos sentem um especial carinho.
E se relata sem embaraço os 22 anos que dormiu na rua ou a sua primeira noite, a 7 de janeiro de 1995, já as razões que o levaram lá custam a lembrar, deixam-lhe o rosto ainda mais enrugado. Resume: é do Algarve, zona de Portimão, teve pais que lhe foram muito queridos, mas aquando da morte do pai, uma desavença com o irmão levou-o a deixar tudo para trás. E chega. Nunca mais voltou ao Algarve.
“A primeira noite, passei-a na antiga estação do Barreiro, dormi numa carruagem de um comboio que estava em repouso. Estavam lá dois peregrinos também. Dormia pouco, estava preocupado, não conhecia nada. Saí do Algarve só com um blazer e fui correr mundo, caindo na rua em Lisboa”, descreve.
DAR A VOLTA
Nelson
Ao fim de 22 anos a dormir nas ruas de Lisboa, Nelson, agora com 68, conseguiu uma pequena casa. Nunca mais voltou ao Algarve

Depois vai percorrendo com a memória todos os locais onde pernoitou, das arcadas dos ministérios no Terreiro do Paço à Rua do Comércio, das Escadinhas de São Crispim a um quintal desativado perto do Centro de Estudos Judiciários, com companheira ou sem ela, com amigos ou sozinho, até chegar ao dia em que uma associação lhe arranjou uma casa, ali bem perto do Rossio. “Mas é muito pequena, não tem nada que ver com aquele quintal onde vivi no Limoeiro. Tinha uma antiga capela, com chão em terra batida, só com um banco, e eu dormia lá. Estava com uns colegas… Tinha luz, servia-me de água no chafariz, ia tomar banho aos balneários de Alfama… Sentia-me bem, tenho saudades.”
Mulheres, o elo mais fraco
Filipa e Filipe apanham o metro em Telheiras e, num ápice, estão a sair em Arroios, onde apanham a carrinha do CASA. Ali, a distribuição não é feita na rua – aliás, a intenção da Câmara Municipal de Lisboa é de acabar com a distribuição de comida na rua e concentrá-la em espaços como este NAL – Núcleo de Apoio Local, no Largo de Santa Bárbara. É uma sala triste, com as paredes enegrecidas pela humidade, mas onde os sem-abrigo e as pessoas desfavorecidas podem ter uma refeição com dignidade, à mesa, como se fosse uma cantina.
Ordeira, mais de uma dezena de pessoas espera à porta e não entra enquanto a comida não é colocada em cima das mesas. Depois, forma-se outra fila para quem vai apenas buscar a refeição para comer em casa. Estamos numa freguesia multicultural, que alberga pessoas de 92 nacionalidades, e a hora de jantar no NAL é reflexo disso mesmo. Metemos conversa com dois italianos ainda jovens que, embora tenham um teto, encontram ali uma ajuda para os parcos rendimentos. E há muitos idosos e idosas, sempre carregados com os seus sacos de compras, em que parece caber toda uma vida de minguada amontoação.
A juventude de Filipa, com 24 anos, o seu cabelo loiro e bem penteado, as unhas primorosamente arranjadas e pintadas, chama a atenção naquela sala. “Para que queres tu tantos bolos?”, repreende Filipe, ávido de levar mais comida para a tenda. Filipe tem 25 anos, é muito magro, e a acumulação de comida entende-se quando nos diz que trabalha como rapaz de entrega de comida ao domicílio para uma dessas novas empresas tecnológicas que invadiram Lisboa. Não tem moto nem bicicleta elétrica, vai numa bicicleta antiga emprestada, colina acima, colina abaixo, e a reserva de bolos e folhados salgados serve-lhe de almoço no dia seguinte.
Estava grávida quando dormi pela primeira vez na rua. Tinha 21 anos
Filipa
Filipa anda a pedir. “Às vezes, os homens oferecem-me dez ou 20 euros para lhes fazer certas coisas. Vêm logo assediar. Sinto-me humilhada, ando a pedir para comer, não ando a vender o meu corpo. Não é nada fácil ser mulher nas ruas, somos o elo mais fraco. Sozinha não era capaz!”, continua. “Quer outro exemplo? É um problema quando estamos menstruadas e nem sempre há dinheiro para os pensos.”
A vida num cilindro
O casal ora vive na rua ora vive num quarto alugado ou em casa de algum amigo ou familiar. Ela nem sempre consegue ver os filhos por desavenças com o pai das crianças. E diz não ter tido o apoio da família quando decidiu separar-se do ex-companheiro. “Não aceitaram a minha relação com o Filipe, e em casa da minha mãe o ambiente com o meu padrasto não era o melhor. Vim com ele e não podia trazer as crianças para a rua. Com 2 anos, a minha filha chamou-me ‘puta’. Foi o que os ouviu dizer de mim. O meu filho, entreguei-o com 3 meses. Mas agora, quando nos vemos, eles sabem que eu sou a mãe deles, querem vir comigo e ficamos todos a chorar quando me venho embora, eles e eu”, relata.
Filipe foi para a rua com 14 anos, atrás de um irmão sem-abrigo que ocupava uma casa abandonada em Algés. Tinha sido retirado aos pais, várias vezes, e metido em colégios, de onde fugia constantemente para voltar a casa dos progenitores. “Não me dava muito bem com o meu pai, houve maus-tratos, sim, e ele esteve preso. Mas a razão pela qual me tiraram aos meus pais foi porque eu deixei a escola. Não era para mim. Contas feitas, estudei até ao 4º ano”, explica.
Falta-lhes tudo na tenda, sobretudo mantas para as noites frias. Mas não esquecem o tempo em que estiveram pior, alojados num cilindro de cimento das obras. Não olham para o futuro, nas suas vidas só há presente. “Um dia de cada vez”, resume Filipa.
POR UM FUTURO RADIOSO
André
Tem 22 anos e muita vontade de trabalhar para poder alugar um quarto. André é um experiente empregado de café, mas atribui ao facto de lhe faltarem dois dentes a desventura de não conseguir emprego. A falta de uma morada também não ajuda…

Já André anda cheio de sonhos. Que vai ter um emprego, um quarto, quem sabe uma casa. Que vai voltar a servir às mesas, juntar dinheiro e um dia, talvez, conhecer um bocado mais do mundo. Que alguém, alguma vez, olhe para ele e o ajude com o problema dos dentes que tanto o aflige. André olha para a frente e vê uma vida imensa. E uma certeza já tem: “Só dependo de mim.”
O que faz a Câmara?
O foco do Presidente da República nas pessoas sem- -abrigo pode ser um empurrão decisivo nas políticas para esta área. As associações acusam a Câmara Municipal de Lisboa de nada fazer há, pelo menos, três anos e a autarquia deita as culpas no Governo, com o vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo, a declarar ao Expresso que o Executivo não tem dado “quaisquer apoios financeiros”. Mas há metas definidas até 2023. Resta saber se serão cumpridas. Estas são as três principais:
Casas
A câmara quer tirar todos os sem-abrigo das ruas de Lisboa até 2023, disponibilizando 400 casas através do programa Housing First
Orçamento
Serão disponibilizados 14,5 milhões de euros para as respostas sociais, incluindo a melhoria de equipamentos, como os Núcleos de Apoio Local e os centros de alojamento temporários
Tratamento
A problemática dos sem-abrigo não se esgota na oferta de casas, por isso a autarquia promete respostas ao nível das doenças mentais e do tratamento das toxicodependências