Naquele dia, Júlia Palha não se apercebeu de que estava perante um momento ou-sim-ou-sopas capaz de fazer a sua vida mudar de agulha. As aulas tinham finalmente acabado e ela só pensava que não queria perder os meses de praia com os amigos para ficar em Lisboa a filmar. Mas o realizador não desmobilizou à primeira recusa. Ao fim de vários castings, João Nicolau vira nela a adolescente de 15 anos que fantasia uma relação amorosa com um vizinho muito mais velho. Na sua cabeça, Júlia era já Rita, a protagonista do seu próximo filme, e por isso telefonou-lhe repetidamente, irredutível: “Vais mesmo ter de ser tu.”
Júlia fora ao primeiro casting por sugestão da mãe, que tropeçara no anúncio no Facebook. Por alguma razão, convencera-se de que seriam apenas duas semanas de filmagens e não o verão inteiro. Só quando João Nicolau prometeu suspender a rodagem durante uma semana e meia, para ela poder ir ao Algarve, é que todos voltaram a respirar.
Cinco anos depois, Júlia conta tudo isto entre gargalhadas. Quando recua no tempo, agradece a insistência do realizador de John From – ter passado aquele verão a fingir que a Melanésia era num prédio em Telheiras foi o princípio de uma carreira no cinema nunca imaginada. Entrara aos 13 anos para a Central Models, onde continuava mais a sério o trabalho como modelo iniciado a fotografar para catálogos aos 4 ou 5 anos. Mas dizia que queria tirar o curso de Gestão porque tinha crescido a tentar mandar nos irmãos e habituara-se cedo a ser responsável e a ganhar o seu dinheiro.
Dois meses a filmar com João Nicolau sobraram para descobrir que, afinal, gostava era de representar. Quando John From chegou às salas de cinema, em março de 2016, Júlia já passara por duas telenovelas da TVI – Jardins Proibidos e Coração d’Ouro – e dali para a frente a estação de Queluz nunca mais a largaria. Nos últimos dois anos, entrou em mais três novelas, Ouro Verde, A Herdeira e A Teia (em exibição), e dois filmes, e estreou-se na apresentação, com Selfie, um programa sobre famosos. Em 2018, ainda teve tempo para um papel na série Verão M, da RTP.
Assim tudo junto num único parágrafo parece que houve uma sobre-exposição da sua imagem, mas a atriz jura que não: “O Tó [Romano, dono da Central] sempre me disse para ir com calma e não querer logo fazer uma protagonista, porque as carreiras que crescem aos poucos são as que no final se tornam mais consistentes.” De todas as personagens, a sua Carlota Alvarenga n’A Herdeira foi aquela que lhe deu maior visibilidade. “Ainda hoje, se vou por exemplo almoçar a um centro comercial, as minhas amigas dizem que fica tudo a olhar”, conta, “mas não tenho essa consciência, sou muito distraída.”
Lidar com as más-línguas
Na rua, o seu metro e 72 de altura, o cabelo comprido loiro (agora sem a franjinha de Carlota) e os olhos azuis-esverdeados chamam a atenção, e nas redes sociais as poses sensuais que não se inibe de publicar levam a que muitos se metam com ela. Só na sua conta no Instagram, onde assume parcerias com algumas marcas, tem 230 mil seguidores, a que se juntam mais alguns milhares numa segunda conta, a @psychop.art_, onde publica sobretudo poemas. Em vinte minutos, pode receber 500 likes numa citação, e quatro horas depois quase cinco mil, mas com a mesma rapidez também lhe chegam comentários desagradáveis sobre a sua poesia.
“Fico muito contente quando elogiam o que escrevo, até porque só comecei a assumir e a publicar há pouco tempo, mas também leio coisas do género: ‘Olha-me esta, com a mania… Só porque és gira, queres ter mais alguma coisa? Dedica-te mas é à representação porque não escreves nada!’”, conta. “É muito frustrante a teoria de que uma pessoa bonita não pode ter conteúdo. E as pessoas, como estão protegidas atrás de um ecrã, acham que podem dizer o que querem e o que lhes apetece, ao abrigo do anonimato.”
Com o tempo, a atriz aprendeu a pôr a fama em perspetiva. Da mesma maneira que sabe que não convém cansar a sua imagem num país tão pequeno, também sabe que quem não tem por hábito ver televisão ou seguir novelas em particular pouco ou mal deu por ela. Foi preciso a jornalista Joana Latino ter feito um comentário ao tamanho do seu peito, no programa Passadeira Vermelha, da SIC Caras, no final de novembro, para muito boa gente ouvir falar dela pela primeira vez. Entre outros mimos, a jornalista causou polémica ao dizer: “Eu também adoraria pôr-me nesse vestido, mas iam chegar as minhas maminhas primeiro e depois eu. Foi exatamente o que aconteceu contigo.”
Dois meses depois, Júlia ainda respira fundo ao recordar este episódio. Diz que se sente bem com o seu corpo e conta que fez do respeito um cavalo de batalha. “Há aquela famosa frase: ‘Todos estamos a travar uma batalha e não sabemos a batalha dos outros.’ Não temos sequer o direito de falar mal a uma pessoa num café. Não sabemos o que lhe aconteceu no dia anterior, se os nossos comentários não vão destruí-la.”
Entre dois mundos
Aos 20 anos, o maior elogio que lhe podem fazer é dizerem-na humilde e aplaudirem-na por a fama não lhe ter subido à cabeça. A atriz conta que as amigas são muito boas a puxarem-lhe os pés para a terra. “Se faço um comentário qualquer mais armada em boa, mesmo que a brincar, há logo uma que diz: ‘Ó loirinha, põe-te lá no teu lugar que tu aqui não és mais do que ninguém!’” A mãe, a jornalista Ana Cáceres Monteiro, também tem esse papel. “Ela trabalha com pessoas deste meio e sempre me disse que nunca devemos achar-nos mais do que ninguém. Porque esta é uma profissão que dá visibilidade, mas que não faz de nós nada demais.”
Ajudará também o facto de ter nascido em dois mundos muito diferentes. Júlia foi registada com os apelidos Cáceres Monteiro van Zeller Palha, que remetem para o jornalista Carlos Cáceres Monteiro (primeiro e carismático diretor da revista VISÃO) e para o ganadeiro Fernando van Zeller Pereira Palha (herdeiro da verdadeira família real de Vila Franca de Xira). De um lado, intelectuais, sobretudo de esquerda, do outro, proprietários rurais, sobretudo de direita. “Muito esquizofrénico”, admite a atriz, com mais uma gargalhada, “mas por causa disso sou uma pessoa aberta e tolerante”.
No seu currículo da Central Models, lê-se que pratica equitação, patinagem e ténis, a par da escrita. Os cavalos são o seu lado ribatejano, a que regressa sempre que volta a Vila Franca, onde morou até há quatro anos. Sabe que crescer numa quinta e no meio da Natureza foi um privilégio. “Quando eu e os meus dois irmãos voltávamos da escola, íamos tentar construir uma casa na árvore ou dizíamos: ‘Vamos fazer uma aventura!’ E o que era a aventura? Era desaparecer para o mato, não havia nada para fazer, mas pelo menos não ficávamos em casa a ver televisão ou agarrados aos iPads.”
Os primos mais novos também acabavam por alinhar nas suas brincadeiras e “maluquices”. No Natal e na Páscoa, Júlia organizava peças de teatro, mascarava-os a todos, dizia: “Agora vamos fazer A Bela Adormecida, eu sou a Bela Adormecida e tu és nananã…” E se a meio já estavam todos fartos e queriam desistir, não deixava.
Na altura, ninguém olhou para ela e pensou que isso podia ser sinal de qualquer coisa. Nem quando o pai comprou um dos primeiros telemóveis que davam para filmar e Júlia começou a fazer pequenos filmes de magia, em que dizia: “Temos aqui a Carminho e vamos fazê-la desaparecer!”, depois punha em pausa, a irmã saía e voltava a gravar. Com a prática, os minifilmes foram ficando cada vez mais complexos e os atores à força mais renitentes. Júlia tinha 10 anos e acabava invariavelmente a ter de contracenar.
Júlia-criança não imaginaria que dez anos depois havia de passar os dias em gravações e a trabalhar para vir a fazer uma novela na Globo e um filme em Hollywood. Até lá, conta que mais depressa inventará tempo para estudar representação, em Londres, do que para terminar o curso de Relações Públicas e Comunicação Empresarial, cuja matrícula suspendeu. “Faltam-me certas bases, têm-me valido os diretores de atores.” Que ninguém a acuse de o estrelato lhe ter subido à cabeça.
BI
Júlia Cáceres Monteiro van Zeller Palha
20 anos
É neta do jornalista Carlos Cáceres Monteiro (primeiro diretor da VISÃO) e do ganadeiro Fernando van Zeller Pereira Palha
Tinha 4 ou 5 anos quando começou a posar para catálogos de moda
Gosta muito de escrever, sobretudo poemas, que publica na conta @psychop.art_
No cinema, estreou-se com John From, de João Nicolau, e entrou em mais dois filmes: Coelho Mau e Gelo na Lua, ambos de Carlos Conceição
Na televisão, podemos vê–la como Renata, na série A Teia, e a apresentar o programa Selfie
Tem parcerias anuais nas redes sociais com as marcas Intimissimi, Swarovski e Miss Sixty
Por falta de tempo para estudar, suspendeu a matrícula do curso de Relações Públicas e Comunicação Empresarial
Tem tatuada na zona das costelas a frase: “If it stays /then it is love /but if it ends /it’s a love story” (Se permanece é amor; mas se acaba, é uma história de amor)