1 #CARNE
Precisa mesmo de comer assim tanta?
Em vez da pergunta: “é carne ou peixe?”, este ano vamos abrir o leque de opções para as refeições, diversicando com uma dieta mais baseada em plantas, com benefícios na prevenção e no tratamento das principais doenças crónicas.
Não precisamos todos de nos juntarmos aos 120 mil vegetarianos que existem em Portugal (quatro vezes mais do que há 10 anos), mas também não podemos continuar a alimentar-nos como até aqui, indiferentes às consequências evidentes para o ambiente e para a nossa saúde. A mensagem tornou-se unânime desde que, há um ano, 15 mil cientistas de todo o mundo se uniram num alerta ambiental, publicado na revista científica Bioscience, pedindo, entre outras medidas, que as pessoas passassem a seguir uma dieta mais baseada em plantas. E, como há estudos para tudo, este do Weizmann Institute of Science, com sede em Zurique, debruçou-se sobre o impacto económico de tal opção, chegando à conclusão de que, se a população dos EUA se tornasse toda vegana, essa poupança daria hipoteticamente para alimentar 358 milhões de pessoas.
É preciso ressalvar que nem toda a carne tem o mesmo impacto no ambiente, a de vaca e a de porco lideram o ranking (um estudo recente publicado na revista Nature relembra que para que uma vaca engorde um só quilo, são precisos 10 quilos de ração, cujo fabrico é responsável pela libertação de dióxido de carbono em quantidades prejudiciais para o meio ambiente).
E nem toda a carne tem o mesmo impacto na nossa saúde. Sabe-se, desde 2015, que a Agência Internacional para a Investigação em Cancro da Organização Mundial de Saúde decretou que consumir carne processada aumenta o risco de desenvolver cancro colorretal e o consumo de carne vermelha “provavelmente” também.
O peixe continua a ser uma alternativa mais sustentável, dependendo do tipo de pesca praticada e da espécie apanhada pois, em breve, também poderá escassear o pescado nos oceanos. Para ajudar a uma escolha consciente, na hora de comprar, o World Wildlife Fund (WWF) aconselha o uso de um código de cores simples (verde, amarelo, vermelho), que avalia o impacto da pesca comercial nas espécies e no meio ambiente. O camarão de Moçambique, a enguia europeia e a tintureira são as únicas apenas com bola vermelha. Os outros peixes são alvo de mais do que uma avaliação, tendo em conta o local onde são capturados e a forma de o fazer. O atum, a sardinha e o bacalhau também receberam bolas vermelhas.
A POLÉMICA SERVE-SE À MESA
O impacto ambiental da produção de alimentos derivados de animais, como carne, ovos e laticínios, está bastante documentado, mas sempre com polémica à volta: gasta, por exemplo, demasiada água (são precisos 297 litros para produzir um litro de bebida de soja, mas para o leite de vaca gastam-se mais de mil. No entanto, cuidado com o consumo destas bebidas, pois para se produzir um litro de “leite” de amêndoa utilizam-se mais de 6 mil litros de água). Um estudo da Universidade de Oxford e do instituto suíço Agroscope, publicado na revista Science, veio ainda mostrar que se seguíssemos uma alimentação de base vegetal, necessitaríamos de menos 76% de área agrícola. Esta investigação já foi, no entanto, objeto de críticas pelo seu simplismo, uma vez que, entre outros argumentos, a área de pasto não é necessariamente convertível em área de cultivo.
“A única forma de revertermos as consequências das alterações climáticas é diminuir o consumo (e consequentemente a produção) de produtos de origem animal. Todos temos de fazer esse esforço, em nome do ambiente. E a saúde também sai a ganhar”, assegura o nutricionista Darchite Kantelal. “Uma dieta à base de alimentos integrais de origem vegetal traz benefícios na prevenção e no tratamento das principais doenças crónicas. Este padrão alimentar deve ser promovido, principalmente nos países ocidentais onde as doenças crónicas não transmissíveis (como as cardiovasculares, obesidade, diabetes, hipertensão e cancro) são tão prevalentes, matam e fazem perder muitos anos de vida com saúde”, corrobora Sandra Gomes Silva, também ela nutricionista e vegetariana.
Atenção que nem sempre as substituições da carne são para melhor. Uma dieta vegetariana pode não resultar numa opção mais saudável, se houver um consumo excessivo de produtos processados (há muita comida pré-preparada neste universo, como soja texturizada, hambúrgueres, salsichas ou bifinhos vegetarianos, e esta é tão má como a sua congénere que utiliza produtos de origem animal). “Idealmente, o mundo deveria ter uma dieta à base de produtos integrais de origem vegetal. Se for totalmente vegetariana, e sem alimentos excessivamente processados, tanto melhor”, defende Sandra Gomes Silva, que escreveu um e-book sobre Como Evitar os Défices Nutricionais numa Dieta de Base Vegetal.
Para evitar esses desequilíbrios, no prato de uma refeição no qual não há carne ou peixe, devem existir leguminosas (feijão, grão, ervilhas, lentilhas ou favas). Também se pode usar tofu (uma espécie de queijo de soja), seitan (massa de trigo, a que se retira o amido), tempeh (soja fermentada) ou edamame (grão de soja, colhido quando atinge 80% do seu crescimento). Todos estes substitutos estão disponíveis em lojas da especialidade ou nas grandes cadeias de supermercados (o tofu e o seitan podem até ser produzidos em casa, assim como bebidas e iogurtes vegetais).
“Quando reduzimos ou eliminamos o consumo de alimentos de origem animal, devemos ter em consideração alguns nutrientes importantes, como a vitamina B12, que não existe naturalmente no mundo vegetal”, explica Sandra Gomes Silva. É importante tomar suplementos ou consumir produtos fortificados nesta vitamina. “De resto, através dos alimentos e da exposição solar (no caso da vitamina D), podemos obter todos os nutrientes importantes”, garante. Sem medos.
REDUZIR
Menos uma refeição de carne por semana já faz a diferença. Especialmente se, em alternativa, se aumentar o consumo de hortícolas
ALTERNATIVAS
Trazer mais vegetais para o prato
Há uma série de opções no mercado, ideais para enganar o gosto viciado em produtos de origem animal.
A soja é a alternativa mais comum, nas suas mil e uma variantes: tofu, seitan, tempeh, edamame, iogurtes, margarinas, natas, bebidas. É muito fácil comprar estes produtos, já que, pelo menos alguns, existem em todos os supermercados.
Depois, há um extenso receituário – com o carimbo da Direção-Geral da Saúde – que se baseia em pratos que reconhecemos de sempre, mas que se reinventaram para dispensar a carne ou o peixe, normalmente privilegiando as leguminosas. Aqui ficam alguns exemplos para servirem de inspiração para uma mudança à mesa:
– Rancho vegetariano (inclui leguminosas como grão e hortícolas da época)
– Feijoada de legumes (nabo, cenoura, batata, abóbora, couve-portuguesa)
– Almôndegas de lentilhas (lentinhas, curgete, milho e grão-de-bico)
– Couscous de abóbora (leguminosas como lentilhas e hortícolas da época)
– Bolinhos de curgete e grão
– Ervilhas com ovos escalfados (sem chouriço ou entrecosto)
– Cozido de grão com abóbora, nabo e feijão-verde
– Hambúrguer de grão e cenoura
– Estufado de castanhas com grão-de-bico
– Risotto de legumes
2 #HIDRATOS DE CARBONO
Os grandes vilões para quem quer perder peso
O último estudo que se debruçou sobre a questão das dietas ricas ou pobres em hidratos deu mais pontos à opção de se cortar neste macronutriente. Mas a discussão ainda vai no adro.
O que mais nos emagrece e nos mantém num peso adequado? Reduzir os hidratos de carbono, como pão, batatas, massas ou arroz, ou optar por diminuir as gorduras, especialmente as saturadas? Durante anos, esta discussão fez correr muita tinta no meio académico, com estudos que atestavam a veracidade das duas teorias ou, até mesmo, de nenhuma, defendendo que cada caso é um caso. Ainda hoje existem estas as duas correntes (ou três) e há quem se dê melhor com uma dieta pobre em hidratos e quem continue a optar por um regime baixo em gorduras, com base em produtos light.
No entanto, em novembro do ano passado, os resultados de um estudo de grandes dimensões, publicado no jornal BMJ, do Reino Unido, uma das mais influentes e conceituadas publicações de Medicina no mundo, veio dar crédito à versão que advoga a diminuição dos hidratos de carbono. A investigação chegou à conclusão de que adultos com excesso de peso que cortavam neste macronutriente, e o substituíam por gordura, nitidamente aceleravam o seu metabolismo. Depois de cinco meses a seguirem este tipo de regime alimentar, os adultos envolvidos no estudo queimaram mais 250 calorias por dia do que as pessoas que comeram hidratos sem restrições.
Isto sugere que, restringindo a ingestão deste grupo alimentar, se consegue manter mais facilmente o peso.
O QUE É A QUALIDADE?
O estudo publicado no BMJ, realizado por oito especialistas norte-americanos de várias universidades, é uma das maiores, mais caras e rigorosas investigações na matéria. Recrutaram-se 164 adultos, que seguiram uma alimentação em todas as refeições durante 20 semanas, enquanto eram acompanhados de perto, avaliando-se o seu peso corporal e um grande número de outras medidas biológicas.
Ao contrário do que seria expectável, o estudo, que custou mais de 10 milhões de euros, não veio pôr fim a décadas de discussão acerca da melhor forma de se perder peso. No entanto, é bem evidente que as calorias não são todas iguais do ponto de vista metabólico. Sugere, ainda, que o popular conselho nutricional de contagem de calorias, de redução de porções e de consumo de gorduras pode ter os dias contados. “É tempo de mudar as guidelines, as políticas governamentais e as prioridades da indústria, afastando-nos das calorias e dos produtos baixos em gorduras, dirigindo-nos no sentido de uma dieta de qualidade”, anuncia o cardiologista Dariush Moza .arian, reitor da Friedman School of Nutrition Science and Policy da Universidade de Tufts, nos EUA, ao jornal The New York Times. E qualidade, quer dizer o quê? David Ludwig, um endocrinologista da norte-americana Harvard Medical School, é um dos autores deste estudo revelador. E ele não tem dúvidas de que a epidemia da obesidade que atinge o mundo civilizado está assente nos hidratos de carbono refinados, como o açúcar, os sumos, o pão branco, as massas e os cereais altamente processados.
A explicação não é nova: estes são responsáveis pelos picos de açúcar e de insulina, a hormona que promove o armazenamento de gordura, e ainda podem aumentar o apetite, por serem de digestão rápida. Portanto, qualidade quererá dizer abandonar estes produtos de baixo valor nutricional, mas de alto impacto na saúde? Isso parece consensual, e para todos – quer haja ou não excesso de peso.
GORDURA E FORMOSURA
Sabe-se, no entanto, que reduzir os produtos refinados nem sempre significa substituí-los pelas suas versões integrais e mais saudáveis. Na maioria dos casos, quem deixa os hidratos de digestão rápida, os chamados simples, muda-se para as proteínas, com outro tipo de consequências para a saúde. Até pode haver perda de peso a curto prazo, mas trata-se de um regime difícil de se manter por muito tempo, por ter reflexos no nosso organismo. Primeiro, precisamos de hidratos de carbono (e eles até existem na fruta) para satisfazermos as nossas necessidades energéticas diárias. Depois, o excesso de proteína, proveniente de gorduras saturadas, não é recomendável. Note-se que a gordura é o nutriente mais energético e a sua função é, precisamente, armazenar energia sob a forma de gordura. E tudo vai depender do tipo de alimento que se ingere: as gorduras insaturadas, que se encontram em produtos como nozes, abacates ou sementes de girassol, por exemplo, não têm tanta tendência a acumular-se no corpo e também são bastante mais benéficas relativamente às saturadas, que absorvemos ao ingerirmos carne e seus derivados, bolos ou bolachas, e isto só para enumerar alguns alimentos.
À luz deste novo estudo, e até prova em contrário, optemos por reduzir os hidratos de absorção rápida. Se não precisarmos de perder peso, é só substituí-los por versões integrais. Com o tempo e com o hábito, até vão acabar por saber melhor. Quanto à gordura, podemos continuar a trazê-la para a mesa, mas só a que tem um lado bom. Se o assunto for emagrecer, então só consultando um especialista que perceba qual a versão desta (longa) história que mais lhe convém.
LUTA DE CÉREBROS
Existem muitas provas de que reduzir os hidratos de carbono, especialmente os renados, é mais eciente na perda peso do que deixar as gorduras, mas a comunidade cientíca ainda não chegou a acordo
3 #SAL
Reduzir para metade
Além de se cozinhar com menos sal, é preciso estar atento aos rótulos para controlar as quantidades escondidas nos alimentos transformados.
A Organização Mundial de Saúde aconselha a que se consumam apenas cinco gramas de sal por dia. Os portugueses ingerem o dobro. E as consequências são bem concretas: 40% sofrem de hipertensão (mais de quatro milhões de pessoas, segundo a Direção-Geral de Saúde), doença que está relacionada com as patologias cardiovasculares. Este excesso também está ligado ao aumento do risco de determinados cancros, da sobrecarga do funcionamento renal e de uma maior retenção de líquidos. Portugal é um dos países da Europa que apresenta uma maior taxa de mortalidade provocada por acidente vascular cerebral (AVC), sendo a hipertensão arterial um dos fatores de risco mais relevante. Assim sendo, para 2019, Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, sugere que se cozinhe com metade do sal a que estamos habituados, recorrendo, em compensação, a saudáveis ervas aromáticas (coentros, orégãos ou manjericão) ou especiarias. Por outro lado, para controlar o sal que já vem adicionado aos alimentos que compramos, há que prestar atenção aos rótulos. “A rotulagem nutricional obriga a apresentar as quantidades que determinado produto contém. É só fazer as contas.” Fora de casa, a especialista, que está atenta a este excesso nacional, propõe que se reclame nos restaurantes quando um prato estiver demasiado salgado. “Temos de forçar o sistema, mostrar que não queremos comer assim. Só desta forma a restauração e a indústria reduzirão progressivamente as quantidades.”
Se já existe regulamentação no pão, por exemplo, que antes apresentava altos teores de sódio, o mesmo não se passa com a sopa. Trata-se de um início de refeição muito recomendado, mas se esta for confecionada com muito sal, os seus benefícios passam a ser duvidosos. No entanto, os pareceres científicos da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos determinam que a principal fonte de sódio são mesmo os alimentos transformados, como batatas fritas, enchidos ou refeições preparadas, onde se vai buscar cerca de 70% a 75% do aporte total.
4 #COMÉRCIO LOCAL
Desembalar é a palavra de ordem
As mudanças devem começar a montante, no ato da compra: mais local, da época, sem embalagens nem desperdício.
Mudar a forma de comer também é mudar a forma de consumir alimentos. As razões, ambientais e de saúde, devem estar presentes no ato da compra. Como nota Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas: “Devemos comer menos, mas melhor; comprar menos, mas melhor.”
“O mais difícil é sair do modo piloto automático e dar o primeiro passo. Ir para as compras com predisposição, levar os sacos atrás, pensar enquanto se consome, não pegando apenas no mais conveniente”, avisa Ana Milhazes, criadora do movimento Lixo Zero Portugal, que procura levar o desperdício ao nível nulo. Os números assustam: estima-se que cada português desperdice 100 quilos de alimentos por ano, no total de um milhão de toneladas, o que representa 17% da produção alimentar anual. Há que comprar menos, realmente, cozinhar melhor e aproveitar as sobras, caso existam. Deitar fora, como até aqui, é que não. Seja comida ou outro desperdício qualquer.
Mantendo o ambiente e a saúde na mira, a bastonária Alexandra Bento aconselha a que se consumam os produtos da época e, de preferência, sem embalagens.
“Os alimentos da estação apresentam maior riqueza nutricional, pois, ao não viajarem, são colhidos no melhor momento da sua maturação.” Depois, há que privilegiar o comércio local, com destaque para os mercados, onde a proximidade entre o consumidor e o produtor pode ser cultivada.
Mais ainda se optarmos por nos abastecermos com cabazes de pequenos produtores.
“Teremos mais garantia de frescura e transparência do modo de produção. Ao acabar o anonimato de quem produz, aumentam as possibilidades de comprarmos um bom alimento”, salienta Francisco Sarmento, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.
Ana Milhazes não poderia estar mais de acordo: “Quando estabelecemos uma relação com o produtor, até parece que a comida sabe melhor.” O outro lado da moeda é que há menos fiscalização nos mercados locais do que nas grandes cadeias.
Nos casos de proximidade, nem vale a pena preocuparmo-nos em desembalar, porque nas entregas quase personalizadas não há plásticos à mistura. Nem nas lojas que vendem a granel, cada vez em maior número (consulte-se agranel.pt). O mesmo não se pode dizer de um supermercado convencional.
Nesses, tudo está orientado para que haja um excesso de embalagens. E é então que tem de entrar a rejeição dos saquinhos para pesar a fruta, dos produtos embalados sem se perceber porquê, dos sacos para guardar as compras.
“Noto uma grande diferença desde há um ano. Antes, era um bicho raro que rejeitava palhinhas e guardanapos nos cafés, hoje sinto que as pessoas se interessam e que posso influenciá-las para uma maior poupança”, repara Ana Milhazes, uma declarada alérgica ao plástico.
PROXIMIDADE
Quanto mais local for a compra, maior será a garantia de haver menos intermediários entre quem produz e quem consome
5 #DIETA MEDITERRÂNICA
Comer como os nossos avós
A dieta mediterrânica já é património da Humanidade desde 2013. E muitos estudos científicos têm vindo a relacioná-la com mais saúde. Agora, elegeram-na como o melhor plano alimentar para 2019. Aconselha-se a segui-la à risca.
Segundo o relatório anual US News and World Report, a dieta mediterrânica é a melhor para quem procura praticar uma alimentação saudável e é também a mais fácil de ser seguida. Para chegar a esta conclusão, de entre 41 tipos de dietas diferentes, juntou-se um corpo de especialistas, composto por cardiologistas, nutricionistas, dietistas, psicólogos e médicos especializados em tratamentos de obesidade. Este é apenas o mais recente coroar de várias pesquisas que já determinaram que este regime alimentar que sempre foi a base da nossa mesa ajuda a prevenir a diabetes de tipo II, o colesterol elevado, a perda de memória e o cancro da mama. Além disso, relaciona-se com ossos mais fortes, melhor saúde do coração e perda de peso. As razões prendem-se com o consumo frequente de alimentos frescos, pouca carne (e muito pouca carne vermelha, dando-se preferência às carnes brancas), mais peixe (sobretudo gordos, como a sardinha, a cavala e o carapau), muita fruta e frutos secos, legumes e verduras, e gorduras ditas boas, como o azeite. À componente alimentar, ainda se alia a prática regular de exercício físico e um estilo de vida baseado na convivialidade à mesa, saboreando as refeições com tempo.
No entanto, nos últimos anos, os portugueses parecem querer deixar de lado estes hábitos, que são próprios da nossa geografia e dos produtos que se dão bem por cá. “A crise veio agudizar essa situação, porque as más opções alimentares tendem a ser mais baratas”, sintetiza Artur Gregório, da associação In Loco, agora também responsável pelo Prato Certo. Este projeto, que começou no Algarve, foi um desafio da Direção-Geral da Saúde para driblar este desvio dos portugueses especialmente dos jovens, idosos e beneficiários da ajuda alimentar do melhor regime que podemos praticar, pela nossa saúde.
Trata-se, pois, de uma campanha de educação alimentar, para mostrar como a dieta é simples, saudável e económica. Além do site Prato Certo, no qual se podem ver vários vídeos elucidativos, com dicas, truques e planeamento das ementas, lançou-se um livro repleto de receitas saborosas que privilegiam os produtos locais e sazonais, encurtando circuitos de forma a embaratecer as opções.
“Cada receita apresentada não custa mais do que um euro por pessoa (dois para dias de festa)”, esclarece o coordenador do projeto que será apresentado no dia 11 de janeiro, no mercado de Arroios, em Lisboa. Com tudo isto, o Prato Certo pretende desfazer os mitos que nos têm afastado do controlo da nossa alimentação e de um regime alimentar baseado nos padrões da bacia do Mediterrâneo.
6 #AÇÚCAR
Largar de vez a “droga” dos doces
Ele está em todo o lado e associamo-lo a momentos reconfortantes e de convívio. É difícil largar o vício do açúcar, mas não é impossível.
Segundo os dados do Inquérito Alimentar Nacional, de 2016, os portugueses consomem, por dia, 84,3 gramas de açúcar adicionado, quando a Organização Mundial da Saúde aconselha a que não se excedam os 50 gramas (12 colheres de chá). E há até quem defenda que se poderia mudar para uma vida sem se adoçar a comida ou ficando-se pela metade do recomendado pela autoridade mundial de saúde. “Devíamos educar o nosso paladar para as opções mais saudáveis e voltar a sentir o sabor natural dos alimentos”, considera Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Neste contexto, os adoçantes artificiais ou naturais não são opção viável. Eles continuam a dar-nos o sabor doce, a desviarem-nos do essencial, a servirem de subterfúgio.
Mas o problema, como nota Sónia Marcelo, autora do livro Guerra ao Açúcar, é que este é viciante, aditivo. Pensa-se “é só hoje”, ou “é só um bocadinho”, mas nunca se fica por ali. Até parece que o corpo sente necessidade daquele instante doce, reconfortante. E, por isso, a nutricionista recomenda que se quebre a adição: “Numa fase inicial, o ideal é cortar radicalmente como quando se faz o desmame de outra droga qualquer. Depois, aos poucos, e inserido numa alimentação saudável, poderá voltar a entrar no dia a dia.” Trata-se de um processo que deveria demorar 21 dias, mas a nutricionista verifica que nunca consegue concluir o tratamento em menos de um mês e meio. “É um caminho moroso, com muitas recaídas.”
Para não se viciar os mais novos, e eles não terem de passar por isto quando forem adultos, evitemos dar doces às crianças que esse miminho fique reservado para os dias de festa, sem exageros. Passemos ao largo dos olhares dos outros pais ou dos comentários “Ai, coitadinho do menino!”, proferidos normalmente pelos mais velhos.
FUGIR DO CARRASCO
A questão nem reside apenas no excesso de peso que esta adição pode causar, mas em todos os problemas de saúde que vêm acoplados a um alimento açucarado. Aumenta o risco de doenças cardiovasculares, causa distúrbios intestinais (as bactérias patogénicas alimentam-se do doce), provoca digestões mais difíceis e diabetes, favorece o aparecimento de celulite e estrias e está já em hipótese académica a sua ligação à doença de Alzheimer e outras demências.
Mesmo sabendo tudo isto, não é fácil fugir ao açúcar. Além de dar conforto emocional, ele está em todo o lado e não apenas naqueles produtos evidentes, como bolos, bolachas ou refrigerantes. Há açúcar adicionado, e muito, em molhos, no pão industrial, nos caldos de carne, no vinagre balsâmico, nos iogurtes, nas granolas…
Começa-se o dia em sobre-exposição ao vilão. Há iogurtes carregados de açúcar; os cereais normalmente apresentam uma extensa lista de derivados, de amidos a xaropes; muitas marcas de granola escondem o doce sob a capa de alimento saudável; os sumos naturais, ainda que não se adocem, já têm uma dose excessiva de frutose.
E depois temos as pastelarias, onde muitos portugueses começam o seu dia alimentar, repletas de bolos nas suas montras. A solução? Iogurte sem açúcar (há que ler os rótulos com muita atenção), e pão artesanal e com o mínimo de ingredientes. Ah, e pequeno-almoço é para ser tomado em casa, sem contacto com tentações.
Ao longo do dia, os snacks são mais diabos à espreita, ávidos por nos encherem de doces. O pacote de bolachas que se guarda na gaveta do escritório, o irresistível chocolate que o colega do lado oferece, a barrinha pseudossaudável daquela amiga “superfit”, o café a que adicionamos açúcar, o refrigerante (e aqui entram também os chás gelados) para matar a sede.
Para eliminar estas tentações, é deixar de ter os produtos doces à mão, comer frutos secos (q.b.) e abolir os refrigerantes completamente.
Uma garrafa de meio litro de cola tem 52 gramas de açúcar mais do que deveríamos comer num dia inteiro.
Água é a única alternativa 100% inócua.
Para levar esta demanda a bom porto, torna-se fundamental aprender todos os nomes sob os quais a indústria pretende esconder o açúcar: tudo o que acaba em -ose (frutose, lactose, glicose…), todos os xaropes e xaropes invertidos, os amidos, o mel.
Mas também ter a noção, depois de se avaliar a tabela nutricional, que se o alimento tiver até 10 gramas por cada porção de 100, o produto é aceitável. Mas se a palavra açúcar constar nos três primeiros ingredientes, então o caso muda de figura.
Para escapar à rede, Sónia Marcelo aconselha a que se procurem os alimentos na sua forma mais natural, que se façam bolachinhas de aveia em casa, com as doses controladas, que se confecionem barrinhas de cereais e até bolos de aniversário. “Evitar comprar tudo feito, porque as quantidades vão ser excessivas, de certeza.”
7 passos para o desmame
– Deitar fora os pacotes de bolachas que estão na despensa ou na gaveta do escritório
– Abolir os refrigerantes dos hábitos alimentares
– Quando sentir desejos de um doce, optar por comer fruta ou gelatina sem açúcar
– Aprender a ler os rótulos para descobrir onde se escondem os adoçantes
– Não adoçar bebidas como o café ou o chá
– Evitar pedir sobremesa nos restaurantes
– Fazer os snacks em casa, como bolachinhas ou barras de cereais
ADOÇANTES
Químicos ou naturais, não se apresentam como a solução final, porque continuamos a estar habituados ao sabor doce
7 #HORÁRIOS
As horas do metabolismo
Conforme temos horários para dormir e acordar, também precisamos de rotinas à mesa. Em 2019, larguemos as refeições fora de horas ou os snacks noturnos.
Nisto das horas de comer, quem manda é o nosso corpo, já o sabemos de forma empírica. Mas, no ano passado, um grupo de cientistas especializados em nutrição chegou à conclusão de que não chega alimentar-nos como deve ser – devemos fazê-lo seguindo os ritmos circadianos (os que nos dizem quando acordar e adormecer). Só assim o nosso corpo cumprirá as suas funções de forma ótima, leia-se: sistema metabólico a trabalhar às mil maravilhas e um peso regular.
Os estudos ditam que, se estivermos cronicamente a interromper esses ciclos – com refeições fora de horas ou com snacks noturnos -, vamos engordar com certeza. Satchidananda Panda, professor do Instituto Salk, na Califórnia, e autor do recente livro The Circadian Code, argumenta que as pessoas que tomam as suas refeições numa janela temporal de oito a dez horas, começando logo de manhã e terminando no início da noite, melhoram o funcionamento do seu metabolismo. O que este investigador verificou é que o padrão mais comum se estende por 15 horas, começando com um café ao acordar e acabando numa refeição tardia, num copo de vinho ou numa mão-cheia de frutos secos, mesmo antes de se adormecer. E isso está errado. “Fomos desenhados para termos ritmos de 24 horas, na nossa fisiologia e metabolismo. Esses existem porque, como o nosso cérebro precisa de dormir todas as noites para se reparar e rejuvenescer, todos os órgãos necessitam de um tempo mais calmo para se restabelecerem”, explica Panda.
Dezenas de estudos demonstram que o controlo dos açúcares é mais eficaz de manhã, assim como a queima de calorias e a digestão. À noite, o cérebro está programado para dormir e não para comer. Se receber alimentos em vez de descanso, vai ficar dessincronizado e em modo jet lag, havendo um maior risco de sofrermos de doenças metabólicas.
RITMOS
Não basta comer bem, há que fazê-lo seguindo o que manda o nosso metabolismo
8 #MEDIDA CERTA
Quantidade na palma da mão
É inevitável. Olhamos para as mãos que ilustram este texto e para as quantidades recomendadas nas várias categorias de alimentos e depressa chegamos à conclusão de que comemos demais.
Estamos sempre a ouvir falar nos gramas que deveríamos ingerir de cada grupo alimentar, mas nunca percebemos se estamos a consumi-los na medida correta. Por exemplo, sabemos o que significam 400 gramas de hortícolas por dia? Se respondermos que não, estaremos a fazer coro com a maioria da população (já agora, acrescente-se que 53% dos portugueses ingere menos do que isso). A Nestlé topou essa nossa ignorância e decidiu dar uma mãozinha e esta é mesmo literal. Desde janeiro que, em vários supermercados do País, podemos encontrar uma nutricionista ao lado de uma banquinha que se apelida de A Dose Certa. Aqui não se promovem produtos da multinacional da indústria alimentar, mas desafiam-se os clientes para um pequeno passatempo, para que tentem adivinhar as doses adequadas de vegetais, gorduras e açúcares, carne ou peixe, hidratos de carbono e fruta, numa refeição. Quem acertar não ganha nada, quem perder fica com mais conhecimento na matéria, de forma intuitiva e usando as mãos. “É um método bastante rigoroso, do ponto de vista científico”, garante Ana Leonor Perdigão, a nutricionista da empresa. “Tudo à nossa volta nos leva a comermos mais do que aquilo de que precisamos. Até o tamanho dos pratos aumentou nos últimos anos. É por isso que a dose certa é muito importante na alimentação e noutras dimensões da nossa vida.” A resposta correta é: um prato deve ser composto por uma palma da mão de carne ou peixe (e um dedo mindinho de espessura), um punho fechado de hidratos de carbono (arroz, massa, batata…), duas mãos abertas de vegetais, meio polegar de gorduras e açúcares e uma mão aberta em concha de fruta. Será que conseguimos?
– 5 refeições por dia
– 5 doses de fruta e legumes diárias
9 #ALIMENTOS PROCESSADOS
O que é fácil nem sempre é bom
Vendem-se como facilitadores de vida, mas acabam por nos fazer mal. Se puder, escape a todos os produtos que tenham uma enorme lista de ingredientes, sobretudo se não souber do que se trata.
“Somos aquilo que comemos”, disse, há 2500 anos, Hipócrates, considerado o pai da Medicina. Fomos nessa altura e continuamos a sê-lo, só que hoje temos uma série de ruídos a interferir nas nossas escolhas. E os alimentos processados são das perturbações mais nocivas que se encontram no mercado. Eles existem, supostamente, para nos facilitarem a vida, porque estão ali, prontos, à mão de semear. Na maioria dos casos, é só desembalar e comê-los, mas basta um olhar mais atento para se descobrir que se trata de uma falácia. “Quando lemos um rótulo e descobrirmos palavras que não reconhecemos, devemos mudar de produto”, avisa Francisco Sarmento, representante, em Portugal, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Acrescenta ainda que seria melhor que privilegiássemos os produtos que fazem parte do nosso património cultural, em vez de embarcarmos nas produções em massa das grandes multinacionais.
Há um truque básico, ensinado por Ana Milhazes, a criadora do movimento Lixo Zero Portugal: “Se descartarmos tudo o que vem embalado, tornamo-nos automaticamente mais saudáveis, pois estes são quase sempre produtos ultraprocessados, com sal e açúcar acima do que precisamos.” De facto, os ingredientes mais adicionados são os açúcares escondidos (frutose, sacarose, xarope de milho, amidos…), e o sal e as gorduras hidrogenadas.
ADITIVOS A MAIS?
Um alimento processado, que se define por ter sofrido algum tipo de manipulação por parte do Homem, também pode levar outros ingredientes artificiais, como corantes, adoçantes, estabilizadores e emulsionantes. Estes aditivos, designados no rótulo pela letra E, seguida de um número com três dígitos, existem para conservar melhor os produtos, para lhes dar uma boa aparência e consistência. São químicos estudados que não apresentam um perigo declarado para a saúde, na dose certa mas a questão reside aí mesmo. Como eles existem em variadíssimos bens que consumimos com frequência, há o risco de os diferentes aditivos estarem a ser ingeridos em excesso, por acumulação.
A tudo isto, acrescente-se as altas temperaturas e a manipulação que ocorre no processamento, acabando por destruir algumas das vitaminas e outras propriedades nutricionais importantes. Normalmente, quando se ingere este tipo de alimentos pensemos num pacote de bolachas ou de batatas fritas, por exemplo, a fome reaparece pouco tempo depois. Isso deve-se ao excesso de açúcar e de gorduras e à pobreza em fibras, conjugação que torna a absorção mais rápida do que é desejado, sem a respetiva dose de saciedade.
É difícil fugir destes produtos. Depois de uma volta num supermercado tradicional, ficam a sobrar a fruta e os legumes, as peças de carne do talho e o peixe fresco. Dá mais trabalho comer e sobretudo cozinhar sem nos socorrermos dos alimentos excessivamente processados, mas, no fim, tudo vai saber muito melhor.
Os principais culpados
Há diferentes graus de processamento, mas se puder fugir de todos, tanto melhor
– Enchidos
– Charcutaria variada
– Enlatados
– Caldos industrializados
– Biscoitos
– Bolachas
– Barras de cereais
– Cereais de pequeno-almoço
– Gomas
– Misturas instantâneas para bolos
– Bolos industriais
– Molhos (como ketchup e maionese)
– Batatas fritas de pacote
– Salsichas
– Pão de forma de longa duração
– Refrigerantes
10 #ALTERNATIVOS
Os novos sabores
Combater o cinzentismo à mesa, recorrendo a alguns alimentos menos comuns, só enriquece as refeições. E o paladar faz uma vénia às novas opções do mercado.
Embora os puristas considerem que devemos ser fiéis às nossas tradições e não importar outras de latitudes distantes porque trazem consigo uma enorme pegada ecológica e nem tantos benefícios nutricionais como desejaríamos, a verdade é que a alimentação não é estática. Os recursos são finitos. Os gostos modificam-se e a forma de produzir o que antes comíamos nem sempre se mantém. “Perante o empobrecimento nutricional dos alimentos que estamos habituados a consumir, culpa do processamento intensivo de alguns grãos, por exemplo, é natural que passemos a olhar para outros produtos com nutrientes mais adequados. Isto é dinâmico”, assegura Francisco Sarmento, representante da FAO em Portugal (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).
Poderíamos sempre falar dos insetos como a mais sustentável alternativa para a falência do nosso sistema pecuário, mas achamos que é prematuro embora já existam empresas portuguesas a produzir farinhas desses pequenos animais. Preferimos, por isso, referir aqui algumas opções saborosas e menos estranhas. As algas, por exemplo, que chegaram até nós através da moda da comida asiática, já estão a ser estudadas na Universidade do Algarve para que exploremos essa riqueza marítima que temos no nosso oceano. Os probióticos, como o kéfir, que beneficiam a flora intestinal, eram olhados com estranheza, mas passarão, cada vez mais, a estar nas prateleiras dos supermercados. Cozinhar apenas com trigo já era. Hoje pode optar-se por farinhas tão variadas como as de aveia, alfarroba, espelta ou cânhamo. E acompanhar os pratos com trigo-sarraceno, bulgur, cuscuz, quinoa ou mandioca.
BEBIDAS
O elogio da água
Não há bebida mais equilibrada do que a água – sem calorias, hidrata e satisfaz na perfeição todas as nossas necessidades. É o principal constituinte celular, serve de meio de transporte dos nutrientes e está envolvida em todas as reações metabólicas do organismo. Ao beber água, regulamos a temperatura corporal e promovemos o normal funcionamento dos órgãos internos. Mais: as pessoas que consomem quantidades adequadas de água (pelo menos, 1,5 litros por dia), ingerem menos calorias a partir de bebidas açucaradas, menos gordura total e saturada, menos açúcar, menos sal e menos colesterol.
E, ainda por cima, custa pouco: a rede pública é de boa qualidade e, por todas estas razões, deve tornar–se a bebida de eleição de 2019, deixando de lado as nada ecológicas garrafas de plástico das águas minerais. Para esta adoção ser plena, há que pôr de parte os refrigerantes (estão associados ao aparecimento de diabetes do tipo II devido às quantidades anormais de açúcar), assim como os sumos naturais (quando se espreme uma peça de fruta, ela perde quase toda a fibra, ficando praticamente reduzida ao seu açúcar). E guardar o álcool (de preferência vinho) para os dias festivos.