Podia ser uma sexta-feira igual às outras. A diferença é que, uma vez por mês, há creches e jardins de infância com movimento à hora do jantar. À primeira vista, os transeuntes mais curiosos podem associar este corrupio a um evento que ali vai ter lugar. O que talvez seja menos óbvio é que os adultos que ali comparecem estão prestes a ausentar-se para umas horas de lazer, a solo ou nem por isso, e com a consciência tranquila.
Lá dentro, os bebés e as crianças comportam-se como em casa. Ou como na casa de um familiar. Respondem bem à presença da educadora, que costuma brincar com eles e lhes conhece os hábitos, as preferências alimentares e até os sinais que antecedem a hora de ir para a cama. No dia seguinte será normal acordarem na sua casa, sem se aperceberem que foram transportados de um local para o outro durante o sono solto, por volta da hora da Cinderela, ou um pouco mais tarde até.
É a célebre Noite dos Pais, um serviço muito requisitado em alguns estabelecimentos privados do ensino pré-escolar. A função que antes era um exclusivo dos avós, tios, amas e baby-sitters, começa a ser, no meio urbano, transferida para quem cuida dos pequenos desde cedo e em quem os adultos confiam plenamente. Durante algumas horas, eles podem usar o tempo a seu bel-prazer, até mesmo no conforto do lar. Não gostam menos dos filhos por isso, muito pelo contrário: é o que, na gíria anglo-saxónica, se designa por me-time – tempo para si e, já agora, para “nós”. Em zonas urbanas como o Parque das Nações, em Lisboa, começam a existir opções inovadoras que os progenitores agradecem.
“Fomos pioneiros a facilitar ao máximo a vida dos pais”, afirma Vanda Vasques, diretora da Creche do Gato Amarelo, que acolhe 55 crianças, dos três meses aos três anos. O estudo prévio feito à população residente, para identificar os serviços que os pais gostariam de ter disponibilizados, permitiu apurar que “os modelos existentes não se adequavam às necessidades da população da Grande Lisboa”. A mensalidade contempla serviços como horário alargado (12,5 horas diárias, até às oito da noite), “permanência das educadoras até às 18h30 para, se for necessário, falar com elas”, inclusão da alimentação e dos serviços de higiene, e a Noite dos Pais.
Agendado para sexta ou sábado, entre as 20h00 e as 2h00, este evento “não é um luxo”, antes um “mimo” que o estabelecimento oferece aos clientes, sem acréscimo na mensalidade. Os pais sentem-se confiantes e seguros para irem onde quiserem e os pequenos ficam bem entregues: “As pessoas que trabalham aqui estão efetivas e conhecem os rituais da brincadeira, da refeição, do adormecer de cada um dos meninos. Na hora de irem para casa, eles nem chegam a acordar.”
À medida que os bebés crescem, “os pais ficam mais à vontade para tirar um serão para eles”. Vanda acrescenta que a procura aumenta sempre que há eventos concorridos na capital e, a partir da primavera, quando as noites ficam mais convidativas para sair de casa.
Parentalidade com rede
O conceito do tempo de qualidade para os adultos e a sua vida privada, livre das exigências profissionais e familiares, nem sempre é levada a sério e até costuma ser alvo de piadas. Basta pensar em comédias como Mães à Solta, uma sequela em torno de três amigas a braços com as mil e uma solicitações diárias de filhos, companheiros, mães e, até, dos animais de estimação.
Preservar a individualidade sem sucumbir ao esforço da gestão familiar gera momentos de humor mas, na vida real, pode ser problemático. Fatores inibidores não faltam. Dar satisfações a terceiros para ter uma pausa é suficiente para desistir da ideia.
Foi a partir destas dificuldades que surgiu o Parents’Night Out (PNO), iniciativa que conquistou adeptos nos Estados Unidos da América e no Reino Unido (ver caixa Sextas sem filhos).
Em Portugal existem perto de 500 mil crianças com cinco anos ou menos. Ao contrário do que sucedia há uns anos, mais de metade frequenta a rede pré-escolar, que inclui berçários, creches e infantários ou jardins de infância. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística permitem afirmar que o setor público leva uma ligeira vantagem e, em qualquer dos casos, as listas de espera são uma realidade.
Agora, que a discussão sobre os modelos de funcionamento de pré-escolar está na ordem do dia, no sentido de adequar o apoio prestado às necessidades dos pais com dificuldades crescentes em conciliar o tempo dedicado ao trabalho e à família, é expectável que iniciativas orientadas para o lazer e a promoção do bem-estar individual e conjugal não sejam entendidas, ainda, como uma prioridade, embora o sejam também.
No Cantinho das Alfazemas, em Lisboa, um estabelecimento privado com capacidade para 68 crianças até aos três anos, em cada primeira sexta-feira do mês prolonga-se a ideia de casa num ambiente familiar. “Os pais experimentaram, gostaram e repetem sem se sentirem culpados”, assegura a diretora, Ana Sá Oliveira. Geralmente usam esse tempo para fazerem o que não conseguem quando estão com a prole: ler um bom livro, ir aos saldos, jantar a dois ou ir a um bar com amigos. Noutros casos, o valor que pagam pelo serviço – 15 euros – pode ser apenas para pôr o sono em dia: “Já tive pais que pediram para o bebé ficar nessa noite, de modo a conseguirem ter umas horas bem dormidas.”
E como lidar com reações dos pequenos, ao darem conta de que os pais não vão estar com eles? “Há quem opte por ir a casa, dar banho e trazê-los para jantar aqui, outros não conseguem fazê-lo ou preferem não ter essa descontinuidade”, explica Ana Sá Oliveira, também ela com uma filha e mais um bebé “a caminho”. Para que tudo corra de feição na noite programada, o segredo consiste em preparar as crianças que passam o serão na creche: “A meio da tarde vamos falando do que vai ser o jantar, antes da hora de saírem os outros meninos.”
Serviços de baby-sitting com pessoal da casa é outra solicitação comum, mesmo com familiares por perto, geralmente os avós. Há uma explicação: “Quem é reformado pode tomar conta de um neto mas achar demasiado cansativo quando são dois. E há quem não abdique do seu próprio tempo de lazer.” Os tempos mudaram e isso tem um lado bom. Constituir família, hoje, envolve estruturas sociais e ritmos de trabalho bem diferentes dos que vigoravam nas gerações anteriores.