Não é fácil falar de cancro. O assunto é sério, a palavra assusta. Exige-se decoro, voz baixa, meias palavras. Tudo o que Marine Antunes, 27 anos, evita praticar. Marine, sobrevivente de cancro, é barulhenta. Quando conversa, ou escreve, usa todas as palavras, mesmo aquelas que nos ferem os ouvidos. Fala de cancro, morte, sofrimento e angústia. Sem nunca deixar de rir.
Aos 13 anos, Marine descobriu que tinha cancro. E desde o início percebeu que era uma doente “completamente atípica”. Porque se ria. “É uma atitude totalmente natural. A minha família é toda assim, divertida e bem disposta”, alega, em jeito de justificação. Para melhor o ilustrar, conta um episódio em que estava a família toda reunida em casa, durante a fase dos tratamento, e para interromper o silêncio a mãe dá um murro na mesa e declara: “aqui ninguém morre de cancro.” A mãe decidiu, está decidido.
Esta postura, otimista e frontal, que está bem clara no seu blog Cancro com humor e ainda nos dois livros Cancro com humor (1 e 2), pode ser muito desconcertante e gerar até reações algo agressivas. “Não consigo perceber porquê, mas a alegria por vezes é vista como uma afronta”, lamenta. Ainda na semana passada, num post que publicou em defesa do humorista João Quadros (num twitt, Quadros ironizava com a mulher de Passos Coelho, doente oncológica) recebeu centenas de comentários, muitos deles bastante agressivos. “Nestas situações prefiro nem ler”.
Também lhe aconteceu, há pouco tempo, estar a dar uma palestra numa universidade e um médico, também ele doente oncológico, ter-se levantado, insurgindo-se contra a sua forma de falar da doença. “Não é que eu queira fugir da minha história. Sou sobrevivente de cancro, um namorado meu morreu de cancro, lido diariamente com pessoas doentes e nunca vou deixar de ter medo”, admite. Mas nada disso a faz deixar de ser uma defensora do humor.
Neste segundo livro, Cancro com humor 2, uma edição de autor, graças ao patrocínio da empresa biotecnológica OncoDNA, Marine apresenta-se mais madura e profunda. Fala, por exemplo, da necessidade de haver um “desapego do cancro”. “É importante não ficar agarrado à doença. As pessoas falam em “meu cancro””, nota.
A partir de 9 de setembro, a autora andará de norte a sul do país, numa carrinha pão-de-forma, a promover o livro. E a espalhar gargalhadas.