
O símbolo do movimento MGTOW
Num mundo em que Cristina Ferreira é inflamadamente criticada depois de assumir que foi assediada durante a sua carreira, em que Donald Trump preside aos Estados Unidos depois de assumir publicamente um perfil misógino e, em que a discriminação com base no sexo existe na esfera pública, profissional e pessoal e urge lutar pela igualdade, não deixa de haver espaço para que as opções extremadas contra a igualdade ganhem expressão.
MGTOW. É esta a sigla do site que define o novo mundo dos movimentos masculinos antifeministas radicais. Significa Men Going Their Own Way, em português: Homens A Ir Na Sua Própria Direção.
É um site exclusivamente destinado a homens e na base da ideia está a revolta contra aquilo a que chamam de “tirania das mulheres” e o “Ginocentrismo” ou a prática, consciente ou não, de colocar seres humanos e pontos de vista femininos como centrais da visão de mundo.
O site, que se inclui no conceito de “homemosfera” (fóruns, blogs e sites cuja entrada é exclusiva a homens e onde se discute a masculinidade e prosperam ideias antifeministas), é recente mas o movimento atribui a si mesmo uma história longa. Consideram-se verdadeiramente à frente do seu tempo por reconhecerem esta tendência antes de tantos outros e dizem ter “aberto os olhos” para a realidade – de que o feminismo controla o mundo e escraviza os homens.
Estes homens acreditam que as mulheres são um inimigo , na verdadeira lógica da guerra dos sexos, e recusam, na generalidade, qualquer tipo de relações com mulheres.
No site podemos encontrar de tudo. Desde citações de homens da história que usam em favor do movimento a memes que apontam as mulheres como prostitutas interesseiras. Publicações expressamente contra o género feminino também não faltam: “Se nos chamarem para jurados de um julgamento, devemos atuar unicamente guiados por um preceito: os homens são inocentes e as mulheres são culpadas” diz, segundo BBC, um participante anónimo num dos fóruns.
Registe algumas das frases que definem o movimento:
– “As mulheres são o nosso inimigo. Os homens estão sob ataque”, diz um dos membros mais ativos do movimento que escreve sob anonimato, como fazem quase todos.
– “Se o MTGOW é fogo, então provavelmente o feminismo é gasolina”, pode ler-se na secção “História” do site
– “Não acredito que possamos falar em grandes invenções criadas por homens casados. Esteja sozinho, esse é o segredo da invenção. Esteja sozinho, é assim que as ideias nascem”, apropriam-se desta citação de Nikola Tesla (1856-1943) na secção “História” do site
– “Uma mulher a dar um conselho é o equivalente a manter as portas de Auschwitz abertas”, pode ler-se na secção “Quotes” exclusivas por um participante anónimo que usa o pseudónimo MG-Tower
– “Evitem ter uma parceira. As relações entre homens e mulheres levaram a uma situação de guerra. Porque confraternizarias com o inimigo?”, diz mais um comentário anonimo no site do MGTOW
– “Queremos enfrentar uma sociedade que atua ativamente contra nós”, diz um dos fundadores que se identifica como Solaris e que em 2001 desenvolveu um manifesto para a comunidade
Autointitulam-se como a manifestação da palavra: “não”, rejeitando preconceitos e definições culturais daquilo que o “homem” é. Recusam curvar-se, servir ou ajoelhar-se perante a possibilidade de serem tratados como descartáveis. O grande objetivo: lutar para recuperar a soberania masculina.
A comunidade de discussão no Reddit tem mais de 15 000 subscritores e estes fóruns são, no fundo, discussões sexistas que tanto exploram a fundo as teorias antifeministas como a questão “porque é que as mulheres estão a ficar mais gordas?”.
No site podemos encontrar wallpapers, fundos para o ambiente de trabalho, pósteres, vídeos, áudios, testemunhos e também uma secção de aconselhamento de livros que retratam algumas das bases do movimento para os homens se informarem e o compreenderem: “The myth of male power”; “The manipulated man”; “The predatory female” ou “The war against boys”, são alguns exemplos.
Os membros desta comunidade não parecem ver o feminismo como um movimento pela igualdade mas sim como um obstáculo aos direitos dos homens. Nas discussões é frequente os membros se vangloriarem por acabarem relacionamentos com mulheres que consideravam “feminazis” mas também pelas suas conquistas sexuais passadas.
Muitos destes homens recusam-se a voltar a dormir com mulheres porque se consideram as vitimas das relações e que são elas quem lhes tira todo o potencial. O grupo chega mesmo a estabelecer níveis para os homens procurarem atingir: no nível zero, os homens compreendem que o feminismo é um inimigo e que as mulheres são umas mentirosas manipuladoras; no nível 1, decidem nunca mais se envolver em relações que envolvam sentimentos em relação a mulheres, apenas de cariz sexual; no nível 2 até o sexo é banido e, no nível, final o homem deverá, enfim, estar totalmente iluminado.
Quanto aos simpatizantes, o escritor Richard Ford é das poucas figuras públicas que abertamente apoia o movimento. “Quero ser livre. Como sou solteiro só tenho de pagar os meus gastos. Depois do trabalho não tenho uma lista de coisas para fazer”, diz Ford que chega a confessar que não socializa com mulheres.
O movimento não faz qualquer referência a problemáticas de género, como feminicídios que, com alguma frequência, fazem manchete nos jornais internacionais ou à discriminação, às diferenças salariais, etc.
Dados curiosos e incoerências:
– Apesar do ódio relativamente às mulheres, o MGTOW também se posiciona contra a homossexualidade e aponta-a como principal razão para o sucesso do feminismo
– Embora o movimento defenda a bravura da masculinidade, esconde a identidade do fundador
– Os utilizadores tanto se revoltam contra as mulheres que fazem uma carreira de sucesso como contra as que vivem dos salários dos maridos
– O botão para o log in no site tem a imagem de um homem e o botão de saída de emergência a imagem de uma mulher. Ao pressioná-lo somos direcionados para uma página com o título “Look how cuuuute” com várias fotos de gatinhos e termina com uma noticia baseada num artigo da IFLscience intitulada “Notícia de ultima hora: Parasita dos gatos ligado ao desenvolvimento de doenças mentais nos seus donos”. Referindo o nome de Liz Jones, uma feminista que vive com 17 gatos
– Ao inscrever-se no site o homem tem de aceitar os termos de acesso que incluem os seguintes requisitos: “sou um homem de pelo menos 18 anos e honro a minha palavra. Estou a juntar-me ao grupo pelas razões certas, tenho intenções positivas, compreendo que ser membro é um privilégio e tenho um conhecimento sólido do MGTOW”.