Seria um normal jogo de treino, numa manhã de sábado de verão, não fosse estar ali em jogo o seu futuro. Estamos à porta do campo relvado do Complexo Desportivo da Abóboda, em Carcavelos – e o nervoso miudinho faz-se notar na expressão de Martim Perestrelo, 18 anos, que já deu por finalizado o Secundário e agora queria era ir lá para fora lutar pela vida. Como quem diz, aproveitar que é bom de bola, e até nem é mau aluno, para se candidatar a uma bolsa e estudar nos Estados Unidos. Fã de Ronaldo, como não podia deixar de ser, o miúdo que até agora tem treinado na União Mucifalense, em Sintra, mal dormiu quando soube que ia haver captações perto de casa. “Vi no Facebook e nem hesitei: para mim era uma grande oportunidade”, comenta, enquanto confidencia que gostava de estudar Gestão do Desporto ou Biologia.
Pela frente ainda tem aquela hora e meia de jogo, que lhe vai parecer toda uma vida, para depois esperar pelo vaticínio da Next Level. Fundada há dois anos por Tasslim Sualehe, 47, português nascido em Moçambique e que conheceu o sistema no Brasil, a especialização da empresa é promover a obtenção de bolsas de estudo académicas e desportivas nos EUA.
Aprovada a candidatura, o bom desportista/bom aluno é acompanhado durante um ano, para que os especialistas da empresa lhe tracem o perfil e o encaminhem para o curso e para a universidade que o possa acolher e em que ele encaixe o melhor possível. “O nosso apoio inicia-se muito antes de partirem: fazemos a avaliação desportiva, a preparação e inscrição para os exames que terão de fazer – por exemplo, o Toefl, referente ao nível de inglês internacional – e depois acompanhamo-los também no processo de adaptação”, conta o empresário Sualehe, que jogou federado em vários clubes entre os 10 e os 18 anos, mas esteve longe de alguma vez chegar àquele nível: “Os meus pais nunca foram sequer ver um jogo meu.”
Lugar para todos
Prontos a entrar em campo, mas bem mais calmos do que Martim, estão Paulo Pereira, 22 anos, e Bruno Luz, 20, jogadores da Fundação Sporting – parceira da Next Level – e que estão prestes a realizar o sonho de estudar na América. Já passaram o exigente processo de seleção e hão de embarcar para o outro lado do Atlântico antes do verão acabar. O melhor de tudo? Na bagagem levam uma bolsa anual de 100%, o que quer dizer que vão ter tudo pago – e aqui é preciso dizer que os apoios monetários a estes estudantes-atletas variam. E se a avaliação tem vagas limitadas, e um custo de inscrição, a partir daí o lugar na universidade parece ser o menos complicado, anuem os dois: “Com perto de duas mil faculdades, há praticamente lugar para todos.”
Também a ver o treino assim, na desportiva, está Henrique Cardoso, 20 anos, que veio passar uns dias de férias. Faz agora um ano que se mudou para a Montreat University, no Tennessee, para estudar Business and Administration, o título americano para Gestão de Empresas. “Joguei 12 anos no Estoril Praia e até já estava na faculdade quando a oportunidade surgiu”, recorda. De início, o pai não estava muito convencido, mas a mãe deu-lhe logo todo o apoio. “Ele já estava em Gestão na Católica, mas não gostava muito do sistema, era tudo muito teórico”, conta Catarina Olim, 44 anos (terapeuta da fala e a única portuguesa no Comité Europeu da especialidade), orgulhosa do passo de gigante dado pelo filho, aluno de 16 de média – para depois acrescentar que, apesar de a bolsa não cobrir tudo, a propina paga à universidade inclui alojamento, refeições e transporte. “Foi também muito bom para a sua autonomia”, remata a mãe, sem esconder o sorriso: “Por exemplo, já sabe pôr roupa na máquina de lavar.”
Ficar no circuito
Há mais quem já tenha feito as malas. Falamos de Rita Pedroso, 18 anos, que joga ténis desde os dez, e foi este agosto para Akron, no Ohio, também estudar Economia e Gestão. Aluna com média a roçar o 17, a número 3 nacional de juniores conseguiu uma bolsa de 100% e não podia estar mais satisfeita: “É muito bom poder conciliar a parte académica com o ténis e ainda poder competir na primeira divisão do circuito universitário americano.” O seu treinador no Sport Clube do Porto, o também ex-selecionador nacional Pedro Cordeiro, 53 anos, sabe que estes rituais de passagem fazem parte – afinal, também disse recentemente adeus aos três filhos que quiseram ir estudar na América enquanto jogam… futebol. “Eu também fui aliciado, mas como não tinha quem me orientasse, me explicasse como era, acabei por não ir”, revela, sobre os idos de 1980, e como, na esperança de se manter no circuito, acabou por não estudar.
Mas a jovem tenista Rita Pedroso é só a mais recente aquisição do contingente luso do outro lado do Atlântico – uma passagem iniciada há já uns dez anos, quando a jovem Priscila Duarte deixou os courts do Algarve, onde vivia, e se mudou para a Florida, ainda aluna do Secundário. “Era muito novinha, e fui sozinha. O que me ajudou foi a internet e poder ligar para casa quando me apetecesse.” A partir daí, não havia volta a dar. No ano seguinte, contactou a universidade para onde queria ir, propôs-se à bolsa e partiu – “Aqui és só tu, tens de te mexer”, assume a jovem portuguesa que, aos 26 anos, está a terminar o mestrado em Gestão, na Palm Beach Atlantic University. “Claro que às vezes tenho muitas saudades, mas faz parte…”
A (outra) boa notícia desta história é que há mais modalidades que permitem ir estudar lá fora ao mesmo tempo que se aposta na modalidade de eleição. Por exemplo, no basquetebol, conta Dermot Russel, o fundador da Player’s 1st, empresa sediada em Dublin, na Irlanda – e que há três anos faz recrutamentos de jogadores para as universidades, tanto na sua terra como para Itália ou Reino Unido.
“O seu desempenho, desportivo e académico, é determinante para definir a bolsa que lhes vai ser atribuída”, explica o irlandês, do outro lado do computador. Aos 41 anos, 25 a bater bolas, o ex-internacional de básquete, agora agente certificado pela Federação Internacional de Basquetebol, confessa que está de olho nos melhores. Até porque, “se um jogador for de elite, a bolsa é total”. A sua empresa faz a ponte entre o atleta e a universidade, e esta recompensa-o, monetariamente, pelo trabalho de ‘olheiro’.
Patrícia Lourenço sabe do que falamos. Desde os 15 anos que queria deixar o seu Algarve natal e ir para fora: estudar e jogar basquetebol. Aos 17 soube que havia ‘captações’ em Lisboa; no ano seguinte, acabou o secundário e voou para Dublin. Esteve lá dois anos. Agora, quer seguir para Manchester, e lá terminar os estudos em Condição Física para poder ser treinadora. Além disso, tornou-se uma espécie de porta-voz da Player’s 1st cá em Portugal, para que outros possam seguir-lhe as passadas. “Abrimos candidaturas pelo menos uma vez por ano.”
Para o golfista Pedro Figueiredo, o processo não foi tão facilitado – não há, que conheça, empresas a fazerem a parte ‘chata’ do trabalho e a encaminharem jovens golfistas para um percurso académico no estrangeiro. Mas nem assim baixou os braços. Apaixonou-se pela modalidade aos seis anos, a partir dos dez começou a fazer parte das seleções mais jovens e nunca mais parou. “A escola que frequentei foi muito importante: organizavam aulas extras para que as pudesse acompanhar, marcavam os testes em dias específicos de acordo com o meu calendário…”, elogia o jovem atleta, 25 anos, já regressado da América. “Como sempre quis tirar um curso no melhor sítio do mundo para a minha carreira, contactei umas 30 universidades americanas, e acabei por visitar umas oito antes de fazer a escolha…”, diz, a lembrar a viagem de duas semanas, com os pais, em que só pagou a viagem (o resto ficou a cargo das instituições). Acabou por ir estudar Economia na UCLA, na Califórnia, com uma bolsa total – estava entre os cinco melhores do mundo nos sub-18 e acabara o Secundário com média de 17. Agora uma jovem promessa do golfe profissional, Pedro Figueiredo não tem dúvidas de que valeu a pena: “Foram os melhores anos da minha vida.”