
Michel de Groot
Os que o conhecem dizem que gosta de colocar algumas piadas estratégicas no meio das conversas e que é capaz de rir de si próprio, soltando sonoras gargalhadas. Mas também afirmam que não há nada que o consiga tirar do sério. Exceto, talvez, gabarolas ao volante de carros demasiado vistosos e gestores com egos excessivamente empolados.
Cornelius (Cees) J. de Bruin, de 70 anos, é um homem muitíssimo discreto, detentor de uma riqueza tão colossal quanto a sua discrição. Há mesmo quem chegue a compará-lo ao lendário rei Midas, que transformava em ouro tudo o que tocava.
Em Portugal, o seu nome nunca andou tanto na boca dos media como agora. Nem mesmo quando os seus vinhos alentejanos (Quetzal e Guadalupe) começaram a ganhar prémios internacionais. O frenesim à volta dele cresceu nas últimas semanas, com notícias estrategicamente colocadas: a sua propriedade em Vila de Frades, Vidigueira, deu à luz um centro de arte contemporânea, cuja cerimónia oficial de inauguração se realizou há duas semanas.
Ainda assim, pouco se sabe sobre ele e que, além do toque dourado, Cees de Bruin tem outro dom: o de desviar de si os holofotes. Dessa forma, os olhos do país mediático deslocaram-se para a freguesia no coração do Alentejo, com pouco mais de 900 habitantes, onde a Quinta do Quetzal é um dos maiores empregadores da região. À produção de vinho, à gastronomia e ao enoturismo juntou-se agora a arte com a abertura do Centro de Arte do Quetzal.
Detentor de uma das maiores coleções do mundo – na qual brilham nomes como Charline von Heyl, Pat O’Neill, Maria Lassnig, Marlene Dumas, Luc Tuymans, Raoul de Keyser e também os portugueses Julião Sarmento e Francisco Tropa –, Cees de Bruin fez migrar parte do espólio familiar para o Alentejo.
Apesar de se ter apaixonado por Portugal há mais de 40 anos, passando regularmente férias numa casa da família em Silves, o seu único investimento no País é, para já, a Quinta do Quetzal, uma sociedade agrícola com um capital social de dois milhões de euros e uma faturação de €400 mil.
Mas quem é o enigmático magnata holandês? Uma pesquisa simples diz-nos que é o dono da Indofin, uma sociedade de investimento detida a 100% pela sua família. Fundada em 1968, com sede no nº 3 do Westerkade (Cais Ocidental), em Roterdão, tem ramificações por todo o planeta, gerindo investimentos que ascenderão a €2 500 milhões.
Uma das raríssimas entrevistas, a que concedeu, em julho, ao Financieele Dagblad, revelou-se preciosa para este trabalho. Mas nem nessa se encontram pistas concretas sobre o seu património. Cees de Bruin é daqueles homens de negócios que faz questão em cultivar um certo anonimato. É tão discreto que ninguém dá por ele, quando, após a hora do almoço, faz o seu passeio pós-prandial pelo Cais Ocidental de Roterdão, ali bem perto da Ponte Erasmus, e percorre o caminho do seu escritório situado no edifício que, pela década de 30 do século passado, foi a sede da Associação Comercial do Carvão. Não passará pela cabeça de nenhum dos transeuntes com os quais se cruza que este homem, deslocando-se a pé e vestindo de maneira simples, seja o magnata colocado pela revista de negócios holandesa Quote na 17ª posição da lista das 500 pessoas mais ricas da Holanda – o cérebro de uma teia global de negócios com escritórios em Genebra, Houston, Paris, Kuala Lumpur e Roterdão. É igualmente o detentor de uma fortuna avaliada em €1 200 milhões.
Através de várias gestoras de participações sociais na Suíça, EUA, Holanda e Antilhas Holandesas, o seu grupo atua numa miríade de setores e atividades. As holdings mais importantes são a Roosland Beheer (Holanda), Indofin USA Inc. (EUA), Venture Fund Rotterdam (Holanda), a Middelland Beheer (Holanda) e a Avobone Holding (Suíça). A esta última está ligada a Parkland, com sede no paraíso fiscal de Curaçao (Antilhas Holandesas) e que é detentora da Swaenwerd (Holanda), que, por sua vez, é dona da Quinta do Quetzal.

Dos estaleiros às minas
A família tem interesses no setor financeiro, explora plantações de cacau e minas de ouro. Gere participações em fundos de investimento e propriedades, atua no setor da distribuição e tem fábricas diversas. No passado teve investimentos na conhecida marca

francesa de kits de construção para crianças Meccano.
Os “setores fetiche” do holandês são, contudo, a construção naval, os transportes marítimos e a energia – neste, a atuação vai dos negócios tradicionais de petróleo e gás, passando também pelos de

Imagens da Quinta do Quetzal, na Vidigueira
Gonçalo Rosa da Silva
origem xistosa, terminando nas energias renováveis.
E, claro, a família é a proprietária de uma enorme coleção de obras de arte. Mas de forma tão discreta que, nos últimos 20 anos, o seu nome só apareceu em 2010 na relação dos 200 maiores colecionadores de arte do mundo elaborada pela revista especializada Art News. Nem antes dessa data… nem depois. O que só pode adensar o mistério. Como se desaparece, de um momento para o outro, de uma lista destas? E isso não deve ter sido por ter perdido importância no metier. Um apagamento que só dificilmente o excluirá do clube. É que o seu nome, bem como o da mulher, Inge, continua a ser do mais badalados naquele meio.
Sobre Inge, ainda menos se sabe do que sobre Cees (lê-se Késh). É uma importante figura no mundo das artes e já fez parte da administração do Museum of Modern Art (MoMa), de Nova Iorque. Foi também diretora da Art Basel, a maior feira internacional de arte do mundo com sede em Basileia, Suíça. Além disso, Inge faz atualmente parte do Centro de Arte Contemporânea, em Bruxelas.
Cees de Bruin gosta de fazer passar a ideia que ele é um homem dedicado aos negócios puros e duros. “A arte é com a minha mulher e a minha filha [Aveline, curadora da coleção da família e também do Centro Quetzal], afirmou, em 2010, ao jornal de Volkskrant. “Eu nunca vendo. Vejo o valor intrínseco das peças. Não especulo. Só olho para os papéis da seguradora quando emprestamos alguma peça, para ver qual é realmente o valor. Aí apanho alguns sustos de morte. É sempre um dinheirão.” Mas o envolvimento de Cees de Bruin na arte é mais do que ele deixa transparecer. Assim, por exemplo, faz parte do conselho fiscal do Stedelijk Museum de Amesterdão. Em 2014, integrou a comissão que escolheu a escultura Kissing Earth, do islando-dinamarquês Olafur Eliasson, para colocar junto à Estação Central de Roterdão.
Mais: na entrevista concedida em julho passado ao Financieele Dagblad, Cees de Bruin reconheceu que muitas vezes usa a arte como elo de ligação aos amigos e à extensa rede de contactos que mantém e cultiva no mundo dos negócios e da política à escala global. Vai, por exemplo, à ópera com antigos diretores do grupo.
A inauguração do Centro do Quetzal – ali ao lado das ruínas da vila romana de São Cucufate, onde podem ser visitados os bem preservados vestígios da mais antiga adega da Península Ibérica – deverá proporcionar também uma ocasião para reencontrar amigos. Entre os portugueses que lhe estão próximos contam-se Fernando Ulrich, presidente do BPI, e o João Salgueiro, antigo representante de Portugal na ONU. António Borges, o vice-presidente da Goldman Sachs que morreu em agosto de 2013, também fez parte dos seus relacionamentos. O multimilionário holandês é daquelas pessoas que acredita que no mundo dos negócios ainda é possível fazer e cultivar amizades. Nunca perde os seus contactos de vista. Na sua rede contam-se nomes como Gerhard Schröder, ex-chanceler alemão, que chegou a ser parceiro de investimentos da Indofin, e de George W. Bush. E se as poucas entrevistas que concede são parcas no que respeita a informações sobre a sua vida pessoal e fortuna, não deixam de estar repletas de historietas. Em julho, contava ao Financieele Dagblad que conhecera o ex-Presidente dos EUA em 1977, no Texas. Ambos eram jovens de aproximadamente 30 anos. Tinham sangue na guelra e estavam cheios de vontade de ganhar dinheiro. Bush andava à procura de investidores para um projeto. Nos anos seguintes, o holandês viajou com frequência a Midland, no Texas, e encontrou-se regularmente com o filho do então vice-presidente norte-americano no Petroleum Club, um local frequentado pelos barões do petróleo. “Era engraçado ver Bush sentado à mesa e, à medida que as pessoas passavam, ele ia dizendo ‘uma unidade, duas unidades, cinco unidades’. Concluí que cada unidade correspondia a uma fortuna de 50 milhões de dólares. Ha! ha!”
De Bruin começou cedo nos negócios. Nas décadas de 60 e 70, estreou métodos de alavancagem de capital (investir com dinheiro emprestado) que só muitos anos depois viriam a ser ensinados nas escolas de gestão como Harvard (EUA) ou o Insead (França).
As origens
Não que tivesse bebido os números no leite materno. Não, ele não é originário de uma família de empreendedores. O pai foi funcionário das finanças, depois professor. A mãe era educadora de infância. Acontece que aprendeu, desde cedo, a olhar para um balanço e a lê-lo corretamente. Talvez por influência do avô materno, que era contabilista.
De Bruin pode ser descrito como um empresário de sucesso, apesar de detestar o glamour, geralmente associado a esse rótulo. Segundo ele, pelo simples facto de conseguir ver oportunidades onde os outros nada vislumbram. E isso aconteceu-lhe cerca de três anos antes de acabar o curso de Gestão na Universidade Erasmus, em Roterdão. Um dia olhou para a página de um jornal com as cotações bolsistas. E percebeu que uma empresa agrícola estava severamente subvalorizada. Aquilo saltava à vista: só os terrenos valiam mais que a empresa. Mas tudo o que ele tinha para investir eram 2 000 florins. Pouco dinheiro, já na altura. Mas, com uma gestão cuidada, os bens imóveis da empresa que estavam mal explorados podiam render uma boa maquia. Cees de Bruin rodeou-se de parceiros que avançaram com capital, apostou e ganhou. Desde então, não consta que alguma vez tivesse perdido.

O ‘mestre’ de Cees de Bruin, Schelte Heerema, fio um engenheiro naval brilhante e visionário com um passado nazi
Terminou a faculdade em 1971 e arranjou logo emprego, através de um amigo, nos estaleiros Sliedrecht, que se concentrava nas plataformas petrolífera em offshore (no mar). Pouco depois começou a trabalhar na empresa de Pieter Schelte Heerema, um engenheiro naval visionário e empresário brilhante, marcado por um passado duvidoso.
Por essa altura, Heerema já havia cumprido pena de prisão por ter pertencido às Waffen SS durante a ocupação nazi da Holanda. Fora o responsável pela colonização da Europa de leste e pelo envio de milhares de trabalhadores forçados holandeses para as zonas conquistadas pelos nazis.
Cees de Bruin diz que só mais tarde é que teve conhecimento do passado sombrio do homem que venera como um mestre. E defende-se dizendo que os seu próprio pai e avô tiveram de se esconder durante a guerra, acrescentando como atenuante o facto de Heerema ter desertado das Waffen SS, fugindo, em 1943, para a Suíça. Sinal de que reconheceu o erro. E, para ele, errar é humano.
Após muitas peripécias e uma discussão com Heerema, bateu com a porta. Cinco minutos depois de ter chegado a casa, o antigo oficial das Waffen SS telefonou-lhe, convidando-o para o conselho de administração e duplicando-lhe o salário.
Muitas histórias podiam ainda ser contadas sobre Cees de Bruin, mas o espaço nestas páginas escasseia. Uma coisa é certa: o magnata com uma paixão pelo vinho português não é homem para entrar em grandes aventuras. Diz que a receita do sucesso é correr riscos e esses têm de ser calculados e enquadrados numa estrutura empresarial sólida.