
Foto: Ted Alcord
Alex Cuadros passou os últimos anos a observar, a entrevistar e a escrever sobre os magnatas do maior país da América do Sul e decidiu chamar-lhes brasilionários. A expressão, fruto dos vocábulos em inglês Brazil e billionaires, dá título ao seu livro acabado de lançar: Brazillionaires. Wealth, Power, Decadence and Hope in an American Country. Uma obra aclamada por várias publicações de referência que destacam a forma como o antigo correspondente da agência Bloomberg em São Paulo retrata as desigualdades da sociedade brasileira. São mais de 300 páginas em que ficamos a saber como Eike Batista criou e estoirou a sétima maior fortuna do planeta – incluindo as suas milionárias despesas para não ficar careca. Ou como Blairo Maggi, o rei da soja, foi um dos grandes responsáveis pela desflorestação da Amazónia e é hoje ministro, após ter sido o presidente do Comité Ambiental do Senado. Ou como Jorge Paulo Lemann criou um império que vai da Budweiser ao Burger King e é agora uma das ilustres personalidades que, compreensivelmente, não quer ver Alex Cuadros à frente.
O seu livro está a ser um êxito editorial e de crítica um pouco por todo o lado, mas não o consegue publicar no Brasil. É verdade que o homem mais rico do país, o empresário Jorge Paulo Lemann, está a tentar silenciá-lo?
Eu não sei qual a intenção de Jorge Lemann, mas posso especular que ele preferiria não ver o meu livro publicado em país algum. Quando coloquei perguntas incómodas aos seus assessores, sobre a forma como ele fez fortuna, reagiram muito mal. Algum tempo depois, chegou a mensagem — quer para a minha editora no Brasil, a Zahar, quer para a Random House, nos Estados Unidos — de que Jorge Lemann estava preocupado com o livro. Antes de ver a versão final, porém, a Zahar cancelou o contrato. Garantiram-me que a mensagem de Jorge Lemann não foi um fator “decisivo”, mas que a perspetiva de um processo judicial do homem mais rico do país era algo muito preocupante. É uma pena. A edição inglesa já está a ser vendida em algumas livrarias brasileiras, mas gostaria que estivesse acessível para quem não fala inglês.
Nas últimas semanas, tem ainda publicado textos muito críticos (na Foreign Policy, na Atlantic, na New Yorker, no Telegraph) sobre as elites cariocas, paulistas e de Brasília. Está a tentar ser uma persona non grata para os brasileiros? Não tem medo de outras represálias? A sua namorada brasileira não está preocupada?
Costumo dizer na brincadeira que, em junho, tive de mudar-me para Nova Iorque por estar a ser perseguido por pessoas poderosas no Brasil. Mas não, nunca tive esse medo. Muito mais perigoso é ser jornalista no interior do Brasil e denunciar as malfeitorias dos caciques e coronéis locais. Os multimilionários brasileiros, apesar dos esquemas corruptos, preferem recorrer a advogados. Já não namoro com a pessoa que aparece no livro e os meus amigos brasileiros não estão preocupados. Da mesma forma não tenho motivos para grandes receios com processos judiciais – todos os factos do livro e os diferentes artigos que tenho escrito estão bem documentados. Talvez seja persona non grata para alguns milionários mas, em geral, os leitores brasileiros têm reagido de uma forma muito positiva ao livro e aos outros textos.
Como é que um jornalista dos EUA vai para o Brasil e passa quase seis anos a estudar os “trabiques, negociatas, mamatas, maracutaias e falcatruas” dos mais ricos?
Os meus pais visitaram o Brasil em 1980, o meu padrinho viveu no país e casou com uma brasileira, por isso julgo ter crescido com uma imagem romântica e mitológica do Brasil. Quando a Bloomberg me convidou para ser correspondente em São Paulo, em 2010, aproveitei. A Bloomberg pretendia criar uma equipa de jornalistas que se dedicasse à cobertura dos milionários espalhados pelo mundo e perguntaram-me se eu queria tratar da América Latina. Aceitei de imediato, até por ser algo bem mais interessante do que escrever sobre a bolsa de valores, que era meu trabalho anterior.
No seu livro fala de uma penthouse no Rio de Janeiro em que um dos quartos está forrado com asas de borboleta, mas que possuía um certificado ambiental. As bizarrias dos brasilionários não parecem ter limites. Isso despertou ainda mais a sua curiosidade para escrever esta obra?
Esses luxos bizarros são apelativos mas, a partir de um determinado momento, tornam-se repetitivos. O que mais me atraiu, na verdade, foram as questões de fundo: Como é que pensam essas pessoas? Como é que conseguiram as suas fortunas? Qual o seu contributo para a sociedade? O livro é apenas uma forma de tentar responder a essas perguntas, para melhor entender o país, o estado a que chegou e porquê.
Quais as diferenças entre os brasilionários e, por exemplo, Bill Gates, Amancio Ortega ou Carlos Slim? Faz sentido distingui-los entre heróis e vilões?
Todos esses indivíduos têm em comum algo fundamental: uma vontade de expansão por expansão. As histórias dos multimilionários brasileiros revelam muito mais corrupção, mas a vontade de criar impérios é a mesma. A mim parece-me simplista chamar herói a alguém como Bill Gates, apesar da sua famosa faceta filantrópica. Durante muito tempo, ele manteve um monopólio que esmagava qualquer concorrência, e a Microsoft foi até processada pelos governos dos EUA e da Europa. Por outro lado, há ainda quem questione a forma como ele usa a sua fundação. O Amancio Ortega é discreto, de costumes simples e tal, mas na sua busca de produtos ao menor preço, a Zara já recorreu a fornecedores em países pobres que maltratam os seus trabalhadores. Quanto ao Carlos Slim, julgo ser um exemplo mais em linha com os brasileiros.
E podemos descrevê-los também como hipócritas? Ou eles acreditam mesmo que têm um papel fundamental no desenvolvimento do Brasil? Será esse o caso de Paulo Maluf ou até de Blairo Maggi, o atual ministro da agricultura?
O Paulo Maluf é um exemplo à parte, porque ele parece sofrer de um narcisismo épico, que justifica o simples roubo dos cofres públicos. O caso do Blairo Maggi é mais emblemático. Acho que seria muito difícil viver com tanta riqueza sem criar uma narrativa que a justifique. Pode existir um elemento de cinismo, mas parece-me que os multimilionários em geral acreditam mesmo que os seus interesses coincidem com o interesse público. Eles confundem o crescimento dos seus impérios com o progresso da sociedade como um todo. E isso justifica, por exemplo, usar o dinheiro para influenciar o sistema político.
Há algum motivo especial para Eike Batista ser a personagem a que dedicou mais tempo?
Entre todos os multimilionários que conheci ao serviço da Bloomberg, foi ele que sempre me fascinou mais. Parecia-me quase impossível que alguém pudesse acumular uma fortuna de 30 mil milhões de dólares em tão poucos anos e, nesse sentido, ele era quase a personificação do espírito do capitalismo volátil e bolsista. Definia também a megalomania do empresário que se vê a si próprio como motor do progresso – ele queria não só ser o homem mais rico do mundo, mas também converter o seu país numa potência mundial. Era uma pessoa extremamente contraditória. Ao mesmo tempo que vendia uma imagem de self-made man que não precisava de ninguém para enriquecer, beneficiou do facto de ser filho de um ex-ministro que foi também presidente da Vale (a multinacional mineira). Fez generosas doações a campanhas políticas e recebeu centenas de milhões em empréstimos do governo. Essas contradições ilustram a forma como os brasileiros entendem a riqueza e também as narrativas de mérito que todos os milionários gostam de criar, em qualquer país. Mas o Eike era também uma figura cómica, que falava com orgulho do seu “tratamento capilar” que custou algumas dezenas de milhares de dólares.
O seu livro acaba por dar uma boa ideia do fenómeno da corrupção e da desigualdade no Brasil desde o período colonial até à atualidade. Como se combate a cultura do “rouba mas faz”?
É a pergunta do milhão de dólares que o Brasil enfrenta agora. Há medidas concretas que podem ajudar. É preciso endurecer as sanções aos políticos; eles deveriam perder a imunidade em determinadas circunstâncias. O próprio sistema político tem de ser reformado, por exemplo, para que as campanhas eleitorais sejam menos dispendiosas e haja menos pressão para se encontrarem doações de “caixa dois”, ou seja, ilícitas.
Qual a sua explicação para quase não haver mulheres e negros entre os brasilionários?
Os rankings de riqueza no Brasil refletem o machismo e o racismo que existem no país. Há (houve) uma mulher presidente, a Dilma Rousseff, mas o Congresso Nacional tem pouquíssimas mulheres, os conselhos das maiores empresas têm pouquíssimas mulheres. É um país onde mais da metade da população assume ter ascendência africana, mas os negros têm pouquíssima representação nos altos escalões da política e dos negócios. Muitos brasileiros gostam de dizer que não existe preconceito de raça no Brasil, só de classe, mas essas discrepâncias ilustram claramente o racismo estrutural. Alguns estudos revelam que os negros brasileiros enfrentam até mais racismo quando têm mais poder de compra. Os médicos negros ganham menos, por exemplo, só por serem negros – por preconceito.
Os brasileiros têm veneração pelos ricos e poderosos?
Acho que os brasileiros, tal como as pessoas de muitos outros países, têm uma relação esquizofrénica com a riqueza. Há quem considere que todos os políticos são corruptos e que os empresários são os únicos que servem o país. As pessoas sonham com uma vida melhor, idealizam o papel do empresário e acham que também podem lá chegar. Julgo que quase todos temos um pouco de inveja de quem tem mais do que nós. Eu não gostaria de ser multimilionário, mas dava-me jeito ter mais dinheiro para comprar um apartamento melhor – sobretudo agora que estou a morar em Nova Iorque…
Nos seus últimos artigos tem explicado que os Jogos Olímpicos no Rio podem ser uma oportunidade perdida. E alega que as infraestruturas construídas favorecem mais a privilegiada Barra da Tijuca, onde vivem 300 mil pessoas, do que o resto da metrópole onde se acumulam 12 milhões. E até identifica um dos grandes beneficiários, o empresário Carlos Carvalho…
Esse tipo de subsídio para os mais ricos é típico no Brasil. Ajuda a explicar por que o país continua a ser tão desigual e também a crise em que se encontra neste momento. A grande contradição do PT, que se considerava um movimento de esquerda, é que se aliou com os grandes empresários e lhes deu milhares de milhões de reais em isenções fiscais e empréstimos a taxas de juro abaixo da inflação. Isso, muito mais do que os programas sociais dos anos de Lula e de Dilma, fez explodir o orçamento federal.
O processo Lava Jato veio demonstrar que a justiça pode funcionar e que a impunidade no mundo da política e dos negócios pode ter os dias contados. Concorda?
Há bons sinais porque a Operação Lava Jato está a atingir altas figuras de outros partidos também – e obviamente a corrupção não é monopólio do PT. Mas a classe política quer proteger-se. Falta ver se este processo acabará como a Operação Mãos Limpas, em Itália, sem introduzir grandes reformas no sistema, ou se irá provocar mudanças como as que ocorreram nos EUA durante a Era Progressiva (1890-1920), quando se aplicam importantes medidas contra a corrupção e a influência do poder económico em geral.
Já revelou publicamente o que pensa do novo Governo e do Presidente interino Michel Temer. Está pessimista quanto ao futuro do Brasil?
Tento ser otimista, mas nem sempre é fácil. Entreguei a primeira versão do meu livro em janeiro de 2015 e, cada vez que revia o último capítulo, tinha que moderar o meu otimismo, porque o cenário só piorava. Acho que os próximos meses não vão ser nada bons. Quando olho para Brasília, receio que o meu otimismo não se deva a razões concretas mas à minha paixão pelo país.