Siam, uma mãe muçulmana de dois filhos, estava esta terça-feira, 23, numa praia perto de Cannes, trajando umas leggings, uma túnica e um véu. Às tantas, foi abordada por polícias, que a multaram. A agência France-Presse leu o que se encontrava escrito no papel da coima entregue a Siam, de 34 anos. A muçulmana não envergava um traje “respeitador dos bons costumes e do laicismo”.
Uma testemunha do incidente, Mathilde Cousin, relatou que viu depois a “cena triste de pessoas a gritarem ‘volta para o teu país’ e outras a aplaudirem a polícia”, enquanto uma filha pequena de Siam “chorava”.
Casos como este multiplicam-se em praias de, pelo menos, 15 cidades francesas, cujas autarquias iniciaram uma cruzada contra o Burkini, proibindo e multando o seu uso. O município de Nice, por exemplo, justificou o banimento do traje porque “manifesta a adesão a uma religião numa altura em que a França é alvo de ataques terroristas”. A decisão refere especificamente o atentado levado a cabo por um extremista islamita ao volante de um camião, em 14 de julho, que atirou o veículo contra uma multidão e matou 86 pessoas, assim como o assassínio, 12 dias depois, de um padre, numa igreja perto da cidade de Rouen.
Estas decisões políticas das autarquias têm sido validadas por tribunais de 1.ª instância, que as consideram “necessárias, apropriadas e proporcionais”. No Supremo Tribunal Administrativo francês está agora um recurso de uma ONG, a Liga dos Direitos Humanos, que procura anular aquelas decisões políticas e sentenças judiciais.
Por cá, o presidente da comunidade islâmica de Lisboa, Abdool Vakil, subscreve o recurso interposto pela ONG francesa. “Não é aceitável identificar nem o burkini nem o véu integral, em si mesmos, com extremismos e muito menos com a violência e questões de segurança”, diz Abdool Vakil à VISÃO. “As razões do seu uso relacionam-se com a modéstia na vestimenta da mulher para, como ensina o Islão, não chamar desnecessariamente a atenção do homem.”
Já quando o uso do véu se deva “a uma imposição patriarcal”, ressalva o presidente da comunidade islâmica, “nunca pode ser tolerado, como qualquer abuso doméstico não o é pela lei de todos os nossos países”. Na sua argumentação, não existe aqui “qualquer questão de tolerar o intolerável” por razões religiosas ou do politicamente correto.
“Onde o uso do burkini representa uma opção por modéstia, religiosa ou outra, para proteção da pele, seja pelo que for, não há simplesmente razão nenhuma para excecionalizar e banir essa opção”, afirma o presidente da comunidade islâmica de Lisboa. “Criar um incidente e conotar o Islão com a violência e o inaceitável é excluir e polarizar.”
Abdool Vakil nota que a criadora do burkini, a estilista australiana Aheda Zanetti, “defende que o que esteve por trás desta ideia foi dar liberdade às mulheres e não o contrário, e que deve simbolizar lazer, felicidade, saúde e integração social sem constrangimentos”. Aheda Zanetti explica ainda “ser errado tentar fazer qualquer ligação ao Islão – diz que o burkini é um exemplo de livre escolha e de um estilo individual”.
Mas, em Portugal, Abdool Vakil afirma que “ainda não se ouviu falar de qualquer caso de uso do burkini”. Insiste: “O que cada mulher usa é uma opção pessoal.”