Demorou menos de quatro anos a construir mas eliminou uma barreira com séculos de história. Os seus efeitos começaram de imediato na Margem Sul do Tejo e perdurarão ainda por muitos anos. Permitiu a construção de blocos de apartamentos onde havia quintas, massificou o turismo na Costa da Caparica e em Sesimbra, deu novas oportunidades aos habitantes de Almada, do Seixal, de Palmela. Mas para tornar Lisboa numa cidade de duas margens, a ponte precisa de novas pontes que unam o que ainda está separado.
“Os urbanistas imaginaram a descompressão de Lisboa não em direção do Atlântico mas para sul”, nota Fernando Nunes da Silva, professor do Instituto Superior Técnico, especialista em transportes. Os planos para a região de Lisboa, realizados durante o Estado Novo, previam uma moderada expansão a norte e a oeste da capital. Para a Costa do Sol, o urbanista francês Étienne de Gröer, que trabalhou em Portugal a pedido de Duarte Pacheco, propunha a manutenção do centro histórico de Cascais e um crescimento contido, de baixa intensidade, no resto do concelho: uma cidade-jardim. Idem, para Sintra: uma vila limitada ao centro histórico e uma enorme zona verde no resto do concelho.
A sul, as coisas seriam diferentes. “Haveria um anel urbanístico em torno do Tejo, na margem Sul, e um segundo polo, industrial, em Setúbal. O resto eram zonas agrícolas ou verdes, sintetiza Nunes da Silva. Para o Montijo estava planeada a passagem do aeroporto. Fora do arco urbanístico da margem sul, o território manteria as características de zona rural. “No plano Diretor da Região de Lisboa previa-se que Almada crescesse na zona do Pragal e que a sul da via rápida da Caparica fosse uma reserva, para a qual o arquiteto paisagista Ribeiro Teles realizou um projeto”, lembra Nunes da Silva.
Os mapas estavam feitos mas os urbanistas falharam. O crescimento da população na área metropolitana foi avassalador: entre 1960 e 1981, o número de residentes em Almada mais do que duplicou e no Seixal mais do que triplicou. “Durante 20 anos, tivemos taxas de crescimento da população na margem sul de 2,5% ao ano, valores que só se observam na América Latina ou em África”, nota Nunes da Silva. “Por isso, a margem sul espirrou, primeiro com as barracas e depois com os clandestinos”.
Apareceram novas zonas urbanas, cidades primitivas, sem saneamento básico, com ruas por pavimentar, desenhadas segundo o capricho de quem construía ilegalmente as suas casas, sem contiguidade territorial, sem racionalidade. As áreas de propriedade privada destinadas à agricultura foram as preferidas para os loteamentos clandestinos. Na Costa da Caparica, primeiro, e depois em Fernão Ferro e na Quinta do Conde, ao ritmo da construção de novos troços da autoestrada do Sul, os clandestinos iam-se espalhando. “A rigidez do plano quanto ao zonamento [o tipo de uso a dar ao território] e a falta de uma lei de solos que permitisse uma intervenção maior do poder público foram as grandes razões do falhanço do plano”, nota o professor do Instituto Superior Técnico.
Clique aqui para aceder a imagens inéditas da construção da ponte, que o Arquivo Municipal de Lisboa tem em exposição no Picoas Plaza até 27 de outubro
TAMBÉM HOUVE OPORTUNIDADES
Para João Ferrão, 63 anos, geógrafo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, além do caos urbanístico a sul, a ponte também trouxe oportunidades. Para uma população cujas opções de emprego se concentravam na indústria, a ponte foi uma lufada de ar fresco. “Os da margem sul passaram a procurar empregos na margem norte no setor terciário”, nota.
Ao permitir o acesso, por carro, primeiro, e por comboio, depois, a outras zonas da área metropolitana a norte do Tejo, a ponte possibilitou ainda uma integração funcional maior. “Hoje há periferias a norte a sul. O interior do concelho de Cascais ou de Oeiras não é muito diferente de zonas da margem sul”, nota o geógrafo. E esbateu estereótipos. “Durante o Estado Novo, a margem sul era margem errada”, nota João Ferrão.
António Fonseca Ferreira dirigiu a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Enquanto presidiu a este organismo, foi realizado um plano para integração dos polos urbanos da margem sul. “A ideia era requalificar as áreas industriais sem uso e também ligar o Seixal ao Barreiro e esta cidade ao Montijo, através de pontes”, nota o engenheiro.
Os antigos terrenos da Margueira (onde esteve instalada a Lisnave), da Siderurgia Nacional (Paio Pires) e da Quimiparque (Barreiro) têm uma área de 560 hectares, maior do que a de 360 hectares onde se realizou a Expo 98 e se construiu o Parque das Nações, em Lisboa. “Vivem naquela zona cerca de 550 mil pessoas, dos cerca de 800 mil que habitam nos concelhos na margem sul”, nota Fonseca Ferreira.
A Lusoponte, concessionária das travessias do Tejo, propôs-se construir parte da via do Arco Ribeirinho Sul, a ligação que permitira vencer a barreira dos esteiros que criam as baías do Seixal e do Montijo. “A ideia era reservar uma faixa da via apenas para transporte público rodoviário e permitir a ligação do metropolitano da margem sul até ao Barreiro”, lembra Fonseca Ferreira.
A obra é tanto mais urgente quanto o tráfego na Ponte Vasco da Gama está muito aquém da sua capacidade máxima.
Enquanto no primeiro semestre do ano passado, segundo dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, uma média diária de 136 mil veículos cruzaram a Ponte 25 de Abril, a Vasco da Gama foi usada apenas por 54 mil.
Serão necessárias novas travessias do Tejo para ordenar melhor a área metropolitana? Nunes da Silva considera o corredor Chelas-Barreiro (que perdeu, nos anos 90, para a opção Montijo-Sacavém) essencial e interessante uma travessia entre a Trafaria e Algés, que seria parte importante de um dominó territorial que permitisse a requalificação da Costa da Caparica. Para Fonseca Ferreira a travessia em Chelas é essencial para o transporte ferroviário, seja por causa do TGV ou das mercadorias. Já João Ferrão espera por argumentos que o convençam. “São necessários estudos de custo-benefício mas, com os dados que tenho, julgo que há coisas mais prioritárias neste momento”.
Sesimbra
Recuam à época de Dom Diniz as origens do povoado piscatório de Sesimbra. Foi uma importante zona de construção naval durante os Descobrimentos, tirando partido da baía de águas calmas em torno da qual a povoação cresceu. Com a chegada da autoestrada ao Fogueteiro (1966) e a Coina (1978), o acesso à vila tornou-se mais rápido. Chegaram as segundas habitações em redor da vila, os hotéis e também os clandestinos à zona norte do concelho (Quinta do Conde). A seguir à descolonização, o emblemático Hotel Espadarte foi ocupado por retornados. Na parte nascente da Baía, foram encavalitados empreendimentos turísticos de gosto duvidoso e equilíbrio periclitante
Baixa da Banheira
Atravessada pela linha de comboio do sul (Barreiro-Vila Real de Santo António), a localidade do concelho da Moita foi povoada por alentejanos e algarvios que ali se radicaram para trabalhar nas unidades industriais do Barreiro e do Seixal. A sua urbanização remonta aos anos 40, mas a construção da Ponte 25 de Abril contribuiria, anos depois, para a densificação desta zona ribeirinha situada num dos esteiros da margem sul do Tejo
Pragal
Foi aqui que se implantou a Praça da Portagem, a umas centenas de metros da margem do rio. Vista do Cristo Rei, a paisagem mudou radicalmente: surgiram os edifícios do Hospital Garcia de Horta, do Santuário Nacional do Cristo Rei e da zona comercial de Almada, situada no fundo da autoestrada, já na freguesia do Feijó. Este é a via usada por milhares de portugueses que vão às praias da Costa da Caparica e que atravessam o rio para trabalhar numa das suas margens. Em fevereiro de 2016, cerca de 150 mil veículos cruzaram diariamente a praça da portagem, evidenciando uma retoma do tráfego, afetado nos últimos anos pela crise económica
Cova da Piedade
Foi aqui que em 1938 foi inaugurado o Arsenal do Alfeite e que mais tarde se implantou a Lisnave. As instalações da Marinha e do estaleiro naval fizeram aumentar significativamente a população, mas foi a Ponte 25 de Abril que lhe mudou a face. Entre 1960 e 1981, a população da freguesia passou de 24 mil para 65 mil habitantes. Atravessada pela Estrada Nacional 10, passou também a ser um importante corredor de ligação a áreas do concelho do Seixal. Foi uma parte independente do concelho de Almada até 2013, altura em que passou a integrar a união das freguesias de Almada-Cova da Piedade-Pragal e Cacilhas
Palmela
Quando a autoestrada chegou a Palmela e a Coina, em 1978, o surto urbanístico atingiu estas terras ocupadas desde o neolítico. Fortaleza militar crucial durante a época da reconquista, Palmela já tinha um núcleo histórico consolidado, o que não impediu que as zonas limítrofes do castelo fossem ocupadas por blocos de habitação social. No concelho situa-se uma das principais unidades industriais do País, a Autoeuropa. Uma bem sucedida atividade agrícola (produção de vinho) manteve incólume vastas zonas do interior do concelho, mais afastadas da autoestrada e da linha de caminho de ferro Lisboa-Setúbal