“Ágil, muito concentrada, rápida a analisar as adversárias e a tomar decisões”. É assim, de um golpe, que Filipe Melo descreve as principais características de Marta Caride. Os resultados alcançados pela esgrimista mostram que não há, nas palavras do treinador, qualquer ponta de exagero. Basta referir que, desde que se iniciou na modalidade, há apenas dois anos, Marta sagrou-se bi-campeã nacional de iniciados, vice-campeã de juniores, campeão nacional de cadetes e alcançou um terceiro lugar em seniores, sempre ao serviço do histórico Sport Club do Porto. Os feitos, nacionais e internacionais, valeram-lhe já o estatuto de atleta de alta competição e o sonho dela agora é conseguir estar presente nas Olimpíadas de 2020, no Japão.
Em futebolês corrente dir-se-ia que é uma atleta ‘focada’ num objetivo. Mas a vida de Marta vai muito além da esgrima, pela qual se apaixonou, e que vive com a intensidade que os dois parcos patrocínios e o apoio da família permitem, é apenas um dos seus ‘mundos’. “Quando não estou a treinar ou a competir, o que faço durante duas horas e meia, três dias por semana, sou uma pessoa igual a outras da minha idade”, garante. Os outros interesses são os de uma jovem normal de 14 anos, que é como ela própria se sente e que até ouve música, ainda que com auscultadores com o volume alto. E os gostos musicais até são bastante ecléticos, desde a música eletrónica a Drake, Bruno Mars ou Artic Monkeys. “Eu sei sempre quando ela acorda porque a primeira coisa que ela faz é colocar os auscultadores”, diz a mãe, Ana Sofia Gomes, com um sorriso.
A surdez foi-lhe detetada aos dois anos quando os pais se aperceberam que “perdia o equilíbrio ou não nos respondia quando a chamávamos e não estava a olhar para nós”, explica a mãe. Após apurados exames o diagnóstico médico revelou que sofria de surdez severa no ouvido direito e profunda no esquerdo. “Ouço sensivelmente trinta por cento do que consegue ouvir qualquer pessoa”, atalha Marta. Aliás, é quando recorda o implante de uma mais evoluída prótese auditiva, que os olhos de Marta marejam de emoção: “Quando saí do consultório conseguia ouvir as rodas dos autocarros e até os barulhos das pessoas a conversar. Foi incrível”.

Marta e Filipe Melo, o treinador
Lucília Monteiro
Durante a infância, revela a mãe, “sentia-se mais confortável a brincar com os rapazes do que com as meninas” porque a jogar futebol entedia-se melhor do que a brincar com bonecas. “Até ao quarto ano era uma Maria-rapaz, só no quinto e no sexto é que passei a usar puxo no cabelo e a conviver mais com as amigas”, confessa. Essa capacidade de adaptação e a auto-confiança são também visíveis nos resultados escolares e no 9º ano que agora terminou na Escola Secundária Almeida Garrett, em Gaia, tirou 5 a todas as disciplinas “menos a Físico-Química, em que só tirei 4 mas já pedi recurso da nota porque quero estar no quadro de mérito da escola.
Foram também essas qualidades que saltaram à vista de Filipe Melo, o treinador, que a observou pela primeira vez numa demonstração de esgrima no Desporto Escolar. “Andámos a fazer divulgação da modalidade para captação de talentos e eu vi que ela era uma fora de série, um diamante em bruto”, conta à VISÃO. Ana Sofia, a mãe, de início mostrou-se renitente em deixar que a filha levasse a modalidade tão a sério e fosse para o Sport Club do Porto mas acabou por aceder e hoje ela e o marido, bem como as duas irmãs mais novas de Marta, vivem cada vitória e sucesso da jovem com emoção e entusiasmo.
Na esgrima, a única limitação que sente, relativamente às adversárias, é que o treinador tem de estar de frente para ela para poder ler através dos lábios as indicações que este lhe dá, o resto “é a inteligência e a capacidade de análise dela em cada momento que resolve”, diz Filipe Melo. E se Marta diz que quer estar nos Jogos Olímpicos de 2020, o melhor é darem-lhe ouvidos porque ela vai conseguir. En garde.