Já houve tentativas de aproximação de elementos da extrema-direita. António Barroso e a sua advogada, Tânia Mendes, logo as rechaçaram. Afinal, nos dois prédios de que é proprietário no bairro lisboeta da Mouraria, Barroso tem dois arrendatários muçulmanos: o bangladeshi Shah Rahmatullah, 48 anos, dono de uma loja de comunicações e informática, e Afzal Mohammed, 58, natural de Moçambique, que detém uma agência de viagens.
É uma ironia amarga, mas Shah e Afzal torcem para que seja bem sucedida uma providência cautelar interposta (em paralelo com uma ação administrativa) pela advogada Tânia Mendes, em nome do seu constituinte António Barroso, a qual foi liminarmente admitida por um juiz no último dia 25 e se encontra por decidir. Ou seja, Shah e Afzal fazem figas para que o magistrado suspenda a “declaração de utilidade pública de expropriação, com caráter urgente”, pretendida pela Câmara, para que possa demolir os prédios de António Barroso e iniciar a construção da Praça da Mouraria, com três blocos, um dos quais destinado a uma mesquita protocolada entre a autarquia e o Centro Islâmico do Bangladesh, templo esse que servirá a comunidade a que o bangladeshi e o muçulmano de Moçambique pertencem.
Mas, tal como acontece com António Barroso, alentejano de 63 anos, e a sua mulher, também as vidas de Shah e Afzal, dos seus familiares, sócios e empregados, num total de pelo menos uma dezena de pessoas, estão a ser colocadas no fio da navalha por aquele projeto autárquico. Pela perda de posição de arrendamento, a Câmara oferece a Shah uma indemnização de 42 mil e 500 euros, que o bangladeshi considera insuficientes para os prejuízos que irá ter. Quanto a Afzal, a autarquia decidiu que apenas lhe cabem 10 mil e 200 euros.
Entre as contas da Câmara e as de António Barroso, a diferença é abissal. A autarquia oferece 531 mil e 850 euros, e o proprietário exige 1,9 milhões de euros. Barroso argumenta que adquiriu os edifícios em 2006, por quase 400 mil euros, quando se encontravam em ruínas, e que investiu bastante na reconstrução dos prédios, sob apertadas regras impostas pelo Gabinete camarário da Mouraria. Além das lojas de Shah e Afzal, António Barroso arrenda ainda um espaço agora ocupado por um restaurante de comida bangladeshi, e, no edifício onde ele e a mulher residem, aluga três apartamentos a turistas. Somados o valor patrimonial dos prédios, os rendimentos mensais de seis mil e 50 euros e os prejuízos remanescentes de lucros que vai perder, Barroso chegou aos referidos quase dois milhões de euros de indemnização que reivindica à Câmara.
“Onde está o interesse público?”
Outra ironia é António Barroso e a sua advogada atribuírem a António Costa, ainda enquanto presidente da Câmara, todos os louros da requalificação da antiga zona de má fama. Começou em 2011, quando o então presidente da autarquia e o seu executivo se mudaram de armas e bagagens para o Intendente. “Hoje”, diz a advogada Tânia Mendes, “até o New York Times aponta a Mouraria e o Intendente como uma zona na moda, de visita turística obrigatória.” E, argumenta, os edifícios do seu constituinte valorizaram-se em consonância.
É daqui que, nos fundamentos da providência cautelar que interpôs, a defensora de António Barroso parte para a “inexistência de interesse público”. O projeto proposto pela Câmara, alega, “está desfasado do atual contexto, da realidade e das necessidades da zona e da comunidade”. A advogada lembra que “foi pensado entre 2009 e 2012”, numa altura em que aquela área da cidade era tida como de “evitar”, sendo hoje, em 2016, uma “zona a visitar”.
Depois, o projeto arquitetónico escolhido para a Praça da Mouraria, da autoria de Inês Lobo, de linhas modernas, “é totalmente dissonante do casario típico” do bairro. Além de que apresenta um “túnel”, o qual, “pelas suas características naturais é uma zona escura e escondida, o que promove e fomenta o seu uso para práticas ilícitas”.
E Tânia Mendes não contorna o lado mais melindroso da disputa: “O apoio à construção de um templo religioso não constitui interesse público. Pode ser erguido/apoiado noutro local, sem o sacrifício do direito constitucional à propriedade privada”. A advogada junta ainda uma série de “vícios formais” cometidos pela autarquia na urgente Declaração de Utilidade Pública que encetou. Na ausência de um acordo, a Câmara tem pela frente uma encarniçada oposição.