E se de repente descobríssemos que os nossos pais não se chamam como sempre pensámos? Que nem sequer têm a nacionalidade que diziam ter? Ou o emprego… ou que a vida toda da nossa família não tivesse passado de uma constante mentira ou camuflagem? Foi preciso o FBI entrar pela casa de uma típica família americana para os dois filhos do casal Donald e Tracey, de 20 e 16 anos, soubessem, de forma abrupta, que os pais sempre foram espiões russos. E que, em vez de terem nascido no Canadá, com os nomes de Donald Heathfield e Tracey Foley, eram na realidade Andrei Bezrukov e Elena Vavilova, naturais da União Soviética.
Foram ambos treinados num campo do KGB e integrados um programa de agentes secretos conhecido na Rússia como os Ilegais. Não se pense que, com o final da União Soviética ou com o nascimento dos filhos, os pais de Tim e Alex Foley se tenham reformado. Até ao dia em que a polícia americana entrou pela casa de família adentro, depois de uma denúncia de outro espião russo, eles continuaram a ser agentes, agora da SVR, a agência da Rússia moderna, sob a batuta de Vladimir Putin. Mas para todos os efeitos, o pai era consultor financeiro em Boston e a mãe dona de casa até aos filhos crescerem (depois tornou-se agente imobiliária).
A descoberta aconteceu há seis anos e demorou tempo até que os irmãos Foley realizassem que não estavam a ver (ou a viver) um filme do 007. Só quando as coisas se tornaram irreversíveis, como perderem a cidadania canadiana, país onde nasceram, e o apelido Foley, serem obrigados a entrar num avião rumo a Moscovo onde foram recebidos por gente fardada ou passarem a ser os Vavilov, é que perceberam que a ficção tinha chegado ao fim.
A família reconstruiu-se depois na Rússia, embora os irmãos tenham estudado e arranjado empregos no estrangeiro. Os pais receberam medalhas das mãos do próprio Putin, mas largaram a vida de espionagem. Timofei e Alexander conseguiram seguir em frente, apesar de toda a crise de identidade por que passaram numa idade crucial.
Agora que apoeira já assentou, decidiram finalmente contar a sua história ao jornal britânico The Guardian, com muitas reservas, mas precisavam de abrir o livro para tentarem reaver a sua cidadania. Afinal, são canadianos e é assim que se sentem, mesmo depois da hecatombe.