
Manuela Ferrer diz que, nas redes, se deve “ser interessante, criativo, observador, inovador e pensar”
Manuela Ferrer, quando sai para a rua, vai sempre equipada com as suas Canon e Pentax, e com o seu Smartphone. Sabe que o dia lhe trará surpresas e imagens que valerão a pena e que poderá mais tarde utilizar. Licenciada em Marketing e Publicidade, no IADE, com uma Pós Graduação em Livro Infantil, na Universidade Católica, Manuela foi autora e produtora, nos anos 90, do primeiro CD-Rom Infantil português. A seguir vieram o Social Media Marketing e a criação de páginas web e, já no século XXI, quando o Facebook entrou nas nossas vida «percebi que o paradigma da comunicação, da distância geográfica, das idades, da partilha de ideias sofreriam uma enorme revolução. A ideia de mudança na comunicação fascinou-me e lancei-me nesse mundo maravilhoso que é aproximar as pessoas nas redes sociais». Hoje é Social Media Manager, passa a maior parte dos seus dias nas redes sociais, na produção de conteúdos adequados a cada um dos meus clientes. Trabalha sobretudo com empresas e marcas, mas, à VISÃO, dá uma dicas de sobrevivência no Facebook: «Uma boa estória e uma boa imagem são capazes de mudar o mundo e ficar na nossa memória».
A utilização das redes sociais em Portugal (Facebook, Tweeter, YouTube, instagram, etc) já justificam o aparecimento de profissionais de social media managers? O que fazem exatamente?
Uma das características das redes sociais é a sua maravilhosa capacidade de “derrubar” constrangimentos geográficos, sociais, etários, demográficos… Podemos utilizá-las para mover consciências, falar de livros, para partilhar viagens, para fugir à solidão, para trabalhar, para nos mantermos em contato com a família e para fazer do mundo um lugar melhor também.
Num mundo, que se pensa e deseja cada vez mais, global, a utilização das Redes Sociais e a existência de profissionais/especialistas faz sentido em todo o lado: em Portugal, no Japão, em Moçambique e por aí fora. E os portugueses têm dado “cartas” nesta área. Temos profissionais fantásticos a dinamizar conteúdos e a gerar tráfego.
É fantástico podermos comunicar com qualquer ponto do planeta a qualquer hora do dia e sabermos como vai o mundo, o que aconteceu de novo, falar com amigos e família, descobrir que invenções surgiram, olhar e decidir onde ir nas próximas férias… É maravilhoso aproximarmos o mundo, as ideias, as pessoas e os sonhos.
Os SMM, Social Media Managers, fazem todo o sentido e são cada vez mais importantes e têm uma característica em comum: sermos fãs de redes sociais, adorarmos navegar à descoberta e reconhecermos-lhes o enorme potencial de comunicar “alto e bom som” para todo o mundo.
Temos também de ter um lado de “desafio e atrevimento”, porque o dia a dia de gestão de uma rede social passa muito pelo contacto virtual de quem nos visita. As pessoas visitam uma página e deixam lá comentários que precisam de ser respondidos depressa e de forma adequada. Não há um guião disponível para todas as questões, (até porque não somos máquinas) há é muito bom senso e capacidade de comunicação.
Um Social Media Manager escreve em dois ou três idiomas, fotografa, grava e edita vídeo e “dá uns toques” no Photoshop. Mas têm que ser “toques de qualidade” porque as pessoas estão cada vez mais exigentes – e ainda bem.
E eu adoro também esta diversidade e esta possibilidade de nunca entrar na rotina e de poder criar. A minha experiência enquanto Social Media Manager passa primeiro pela análise do mercado, pelos objetivos do cliente, pela indicação/sugestão de caminhos e só depois chegamos à parte da criação de conteúdos. E esses conteúdos têm que ser dinâmicos, apelativos e interessantes.
Já chamaram ao Facebook feira de vaidades, veículo de auto-promoção, de exibicionismo, um mecanismo de criar a ilusão de não se estar só, uma espécie de recreio da escola, um pátio das osgas e de fofocas, um ponto de encontro, factor de mobilização e levantamento de massas, bar de engate… Qual para si a definição que melhor se adequa?
(Risos) E consultório sentimental também… E pode ser isso tudo, evidentemente. O FB é um “prolongamento” das pessoas, da sua forma de estar na vida, na sociedade e na relação com os outros.
É uma ferramenta poderosa de divulgação de ideias e de projetos. É um ponto de encontro para debates e de troca de experiências extremamente rico, rápido, prático e acessível. E isto é extraordinário e útil, bom e positivo!
Há uma diferença, e tem de haver entre o FB pessoal e profissional. As noções e as definições de privacidade têm que ser diferentes. Aqui ainda temos todos muito para aprender, para que não apanhemos alguns sustos. Temos de pensar que o FB, ou outra Rede Social, são como um megafone para o mundo. Não estamos nunca a falar para uma só pessoa, mas sim para milhares ou milhões, de acordo com o impacto das nossas publicações. A partir do momento em que publicamos uma foto, um texto ou um vídeo, elas seguem o seu caminho e deixam de nos pertencer. Partilhamos mesmo!
Faço por ouvir e dar imensa atenção a este tipo de comentários e críticas às Redes Sociais, porque me ajudam a perceber o que está errado, onde está o problema e como se pode aprender com a experiência. E percebemos o que querem as pessoas, enquanto clientes, consumidores ou utilizadores.
As Redes Sociais chegaram e mudaram a forma como olhamos para tudo o que está a acontecer no mundo, a forma como comunicamos, a forma como nos mostramos e a forma como os outros nos veem. Permite-nos sair do “anonimato”, da nossa vida tranquila e ser projetado para uma outra dimensão.
Terão os portugueses uma forma peculiar de “estar” no Facebook? Existe algum padrão que nos diferencie?
A cultura marca-nos e identifica-nos mas o facto das Redes Sociais aproximarem o mundo, as pessoas e as ideias faz com que as diferenças que possam existir, se diluam. Um jovem português e um jovem russo podem utilizar uma Rede Social apenas com um objetivo muito claro e comum: partilha de música, por exemplo. Não são nem a idade nem o género que alteram a forma como nos comportamos nas Redes Sociais. A forma como nos expomos, como somos capazes de escutar os outros, como aceitamos as diferenças de opinião, como exercemos a tolerância ou a indignação, a forma como falamos com os outros, ou como deixamos que “entrem” no nosso espaço surge pelo facto de sermos todos diferentes e de não termos ainda aprendido que o conceito de privacidade mudou. Há pessoas que utilizam o FB para divulgar com os amigos receitas de culinária e outros para divulgar opiniões político-partidárias e uma utilização é tão legítima quanto a outra. O que acontece é que o envolvimento emocional e o impacto prático na vida, de uma e outra diferem bastante.
O que me parece é que os portugueses são muito bons naquilo que fazem: somos criativos, falamos e expressamo-nos bem noutros idiomas e temos um léxico maravilhoso que nos permite brincar com as palavras e com a comunicação. Isto quer dizer que a nossa presença nas Redes Sociais é muito rica e interessante.
Pode-se falar em ser bem sucedido nas redes sociais tal como se fala em ser popular no liceu?
Claro que sim! Há miúdos e jovens adultos que são especialistas em criar redes dentro da própria rede. Tornaram-se especialistas e dominam.
Há uma história, duma bloger, que costumo contar nas ações de formação. É jovem, bonita e adora viajar! Teve a brilhante ideia de começar a publicar e partilhar fotografias suas em praias, restaurantes, bares etc. Percebeu muito depressa que o número de visualizações que tinha, aumentavam de dia para dia. Já não eram só as suas amigas que viam, comentavam e partilhavam as fotografias lindas que fazia. A sua rede de contactos crescia de dia para dia e ela viu ali uma oportunidade de negócio. Decidiu um dia, juntar-se a um especialista em Social Media e Web Design e juntos iniciaram uma enorme aventura de sucesso.
As fotografias, captadas de forma inteligente e com qualidade, mostram os espaços, as roupas, as joias, os telefones, os portáteis, os perfumes, etc. que ela usa e as marcas pagam, financiam.
É uma jovem com um sucesso internacional notável e criou um canal de comunicação muito especial. As marcas “fazem fila” para aparecer no blog que conta já com milhares de visualizações e seguidores. Ela transformou-se numa brilhante “opinion leader” e movimenta muitos potenciais consumidores com as suas fotos, textos e vídeos. O que é que ela “vende”? Sonhos! Viagens!
E há muitas outras histórias assim. Ao dar este exemplo, não pretendo passar a ideia de que só as histórias, felizes, bonitas e ligadas à moda têm sucesso. Este é apenas um exemplo. Há muitos olhares que prendem a nossa atenção. Tudo dependerá daquilo que nos move, na escolha do nosso público-alvo e nos objetivos que se pretendem alcançar.
Que conselhos daria a uma pessoa (não a uma marca) para se ser «bem sucedido» numa rede social?
Vamos pensar em “bem sucedido” como alguém que tem muitos seguidores, muitos comentários e muitas partilhas das suas publicações.
O “segredo” é o interesse daquilo que se publica. A criação de um conteúdo interessante, de uma história, de uma fotografia forte fazem toda a diferença. As histórias e as imagens mexem com as emoções e com as memórias. Quando consigo chamar a atenção de quem me lê, dei um passo importantíssimo. Em média, cada um de nós tem 400 amigos no FB tornando difícil gerir e dar atenção a tantos amigos. Mas quando os nossos olhos se detêm alguns segundos sobre uma fotografia que teve o poder de captar a nossa atenção, ou sobre um texto cujo título nos deixou curiosos, aí começamos o nosso processo de comunicar.
O que nunca se deve fazer?
Esquecermo-nos de que não estamos a falar com uma pessoa, mas sim para o mundo.
Esquecermo-nos da nossa privacidade.
Esquecermo-nos das regras de boa educação e das regras para uma comunicação eficaz.
Esquecermo-nos do nosso objetivo: “eu estou presente no FB, no Instagram, no twitter, no YouTube, porque…. Qual é o nosso objetivo? Falar com a família, com os amigos, divulgar ideias, partilhar cultura, arte, divertirmo-nos, passar o tempo?
O que se deve fazer sempre?
Ser interessante, criativo, observador, inovador e pensar! Definir objetivos: “eu quero estar aqui e mostrar “isto”, porque …. e percebermos que a nossa imagem tem que ser preservada também. A forma como nos vemos e como nos veem a nós, tem de ser aquela que desejamos e com a qual conseguimos conviver.
Lembrarmo-nos que é possível termos uma vida virtual onde se criam laços que existem apenas ali mas que alteram todo o paradigma da comunicação, dos afetos e das relacionamentos e este facto é uma autêntica revolução nas nossas vidas.
As empresas e as marcas têm também de ser interessantes e cativantes e regulares na produção de conteúdos, de campanhas, de eventos nas Redes. Têm de “mexer com emoções”. Contar histórias, partilhar testemunhos… Têm de se lembrar dos seus seguidores, dos seus fãs… Fazer com que cada um se sinta especial. Têm de dar nome e rosto à equipa, porque isso ajuda a criar laços.
O que não podem as marcas e empresas fazer nunca?
Ser preconceituosas, xenófobas, racistas, politicamente tendenciosas. Não responderem às questões ou aos contactos dos clientes, dos potenciais clientes, dos amigos e visitantes.
O que devem as marcas fazer sempre?
Inovar, criar, estar atento e aparecer.
E se o objectivo for ter muitos likes nos posts do FB ou muitos amigos, ou muitas visualizações no YouTube, existem alguns truques práticos? Pode dar algumas dicas?
Se o objetivo for ter muitos “amigos” podemos passar uma tarde, onde, sem critério, convidamos os amigos dos nossos amigos e depois os amigos destes a juntarem-se à nossa lista. No caso de uma empresa/marca/produto não será esta a forma. Para se aumentar o número de fãs/seguidores de uma marca/empresa/negócio entram outros fatores como publicidade, testemunhos, críticas, e principalmente conteúdos super interessantes.
Os likes/gostos nas publicações passam uma vez mais pelo tal conteúdo único, especial e interessante, pela forma como escrevemos e pela foto ou vídeo que acompanham a publicação. E claro que quanto maior a nossa rede de contactos maior a possibilidade de sucesso. Mas para além de tudo isto, as amizades virtuais têm algo em comum com as outras. Ambas precisam de ser alimentadas e da retribuição de gentilezas. Quer isto dizer, que é necessário investir muitas horas por dia para “alimentar” a rede. Criar os tais laços e uma dinâmica de publicações semanais. Quantas vezes por semana, por dia é que eu publico? A que horas? Tudo isto faz alterar o sucesso das minhas publicações.
Como podem as redes sociais melhorar ou piorar a vida de uma pessoa?
As Redes Sociais mudaram a forma como olhamos para o mundo e a forma como nos colocamos no mundo. Ligaram as pessoas, e as ideias e isso é positivo. Contribuíram para um mundo muito mais global, onde cada um de nós pode, por exemplo, escrever e partilhar uma notícia, um artigo científico, divulgar trabalhos de fotografia, partilhar com o mundo as suas capacidades artísticas, intelectuais etc. Contribuem para o nosso conhecimento e para nos darem a capacidade de ter voz. Podemos, se quisermos, ser responsáveis por movimentos sociais, de solidariedade, de cultura, de cidadania, de humanismo. Os benefícios são enormes mas o nosso papel e a nossa responsabilidade tornam-se ainda maiores.
Podem piorar se lhes dedicarmos em exclusivo toda a nossa atenção e existência; se aceitarmos que tudo é possível e permitido “ali” porque não é real; se abdicarmos das relações presenciais e exclusivas com os nossos amigos e familiares; se nos esquecermos de pensar antes de partilhar tudo aquilo que nos chega às mãos.
Há alguma receita de boas práticas no Facebook?
· Conteúdo interessante e imagem forte
· Estabelecer relação regular com a rede de contactos
· Retribuir gentilezas
· Criação e manutenção de hashtags. Fazer com que as pessoas usem e abusem dos seus hashtags.
· E a seguir, as publicações patrocinadas e dirigidas a segmentos específicos, com características bem definidas e agrupadas por gostos, interesses, localização, idade, género, etc.
Enfim, não há nada escrito, para além das normas de utilização de cada Rede e a possibilidade de denúncia que cada uma delas permite.
Eu adoro trabalhar com pessoas, para pessoas e sobre pessoas. E isto não é incompatível nem incongruente com o meu trabalho nas redes sociais. Passo muitas horas nas redes a contactar com pessoa e a falar com pessoas. A divulgar ideias e projetos e também a mostrar aquilo que me preocupa e que me move: O lado do humanismo e humanista é para mim uma enorme aposta. Quero dizer com isto que me preocupam a utilização errada, violenta, desumana que se faça desta ou de qualquer outra ferramenta.
Partilharia sempre ondas de solidariedade para com os mais desfavorecidos, porque isso sempre fez parte da minha educação e denunciarei sempre movimentos de ódio que surjam em qualquer parte do mundo. E de uns e outros temos muito exemplos e acredito que podemos através das redes ajudar a alterar mentalidades.
Em relação às regras, julgo ser importante que as famílias debatam a utilização das Redes Sociais, da mesma maneira que ensinam e educam em tantas outras áreas. Nas escolas deveria ser também uma matéria de debate e de conversa. O nosso mundo e a educação cívica passam também por aqui e não nos esqueçamos de que os miúdos e os jovens enquanto nativos digitais dominam este tema e estas ferramentas melhor do que a maioria dos adultos. E por isso é importante que conversemos e não “diabolizemos” nem o FB, nem o Instagram, nem o Vine, nem o Twitter, nem o Snapchat, etc.
As regras e o protocolo deviam ser aqueles que adotamos na nossa vida, no nosso dia a dia. Antes de mais nada, nós não deixamos entrar todo o mundo em nossa casa. Seria bom selecionarmos e sermos capazes de dizer não. Uma vez mais é importante que se defina o objetivo da nossa presença numa rede social. Temos de perceber quando estamos a falar para um amigo e quando estamos a falar para o mundo. E de que forma é que falamos? Que tipo de linguagem usamos? Porque não vale tudo. E quando o assunto for sério, violento ou perigoso existem entidades a quem podemos e devemos fazer denuncias e ou apresentar queixa.
Quer dar algum exemplo que possa complementar o que acabou de dizer?
Surgiu há uns anos atrás um vídeo, uma campanha, com um objetivo muito claro: sensibilizar para os exemplos, para aquilo que deixávamos, nós adultos, como modelo aos nossos filhos, às nossas crianças. Lembro-me dele e penso que tendo em conta a realidade tecnológica lhe poderíamos acrescentar algumas “frames”: porque as redes sociais são públicas e os nossos filhos, os nossos jovens e as nossas crianças vão ver, ler, aprender e imitar tudo o que virem. Tornemos então a nossa influência positiva.
*Os vídeos referidos por Manuela Ferrer podem ser vistos aqui
http://napcan.org.au/children-see-children-do/