Em 3 de dezembro passado, Bernard Tapie e a mulher, bem como os seus sócios, viram a Justiça francesa obrigá-los a devolver os €403 milhões que, em 2008, o Governo de Nicolas Sarkozy, através do Ministério das Finanças, tutelado por Christine Lagarde, lhes concedera. Tratou-se oficialmente de uma indemnização, por um suposto “erro de cálculo” do organismo público responsável pela liquidação dos ativos do banco Crédit Lyonnais, o qual fora encarregado por Tapie de vender a Adidas, que lhe pertencia, quando entrou para o Executivo de François Mitterrand, em 1992, como ministro dos Assuntos Urbanos.
Cerca de dois meses depois, no último dia 8, em Lisboa, José Veiga foi colocado em prisão preventiva pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, por suspeitas de corrupção no comércio internacional, tráfico de influência, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Ou seja, os dois velhos amigos e ex-sócios, que em 2000 estabeleceram uma parceria de “prestação de serviços”, voltam a estar em apuros.
E no epicentro de ambos os casos estão bancos intervencionados pelo Estado. A investigação da PJ a Veiga foi acelerada quando o ex-empresário de futebolistas se aprestava, à frente de um grupo de investidores luso-africanos, para comprar ao Novo Banco, por €14 milhões, o antigo BES de Cabo Verde. Após cair em desgraça em 2006, quando se demitiu de diretor-geral da SAD do Benfica por problemas relacionados com dívidas bancárias e ao Fisco, José Veiga nadava agora em dinheiro, resultado de negócios chorudos que fez no francófono Congo-Brazzaville.
Tudo indica ter sido Tapie a abrir-lhe, em 2009, a porta do palácio do Presidente Sassou Nguesso. O general congolês, que governou o país de 1979 a 1992, e regressou ao poder em 1997, no qual se mantém com a oposição manietada por um regime clientelar, embora “multipartidário”, é fanático por futebol. É adepto do Marselha, clube que sob a presidência de Tapie, entre 1986 e 1994, foi pentacampeão e conquistou uma Liga dos Campeões. Mas Nguesso também torce pelo Real Madrid, clube para o qual José Veiga transferiu Luís Figo, em 2000 (roubando-o ao rival Barcelona), e Zidane, em 2001 (vindo da Juventus de Turim), o que o colocou nos píncaros como empresário futebolístico.
O futebol criou, pois, o clima perfeito para outros negócios, a ponto de a oposição congolesa apelidar Veiga de “feiticeiro português” do Presidente Sassou Nguesso.
‘Almas gémeas’
É preciso salvaguardar distâncias quanto ao escândalo da indemnização recorde atribuída a Tapie. Em 17 de dezembro passado, o Tribunal de Justiça da República (CJR, na sigla em francês) decretou que Christine Lagarde seja julgada pelo crime de negligência, por, enquanto ministra, não ter travado a atribuição daquela quantia milionária. A atual diretora-geral do FMI recorreu de imediato da decisão do CJR, que se encontra pendente. Mas o caso Tapie já tinha sido um dos temas do longo interrogatório a que Nicolas Sarkozy foi submetido, em julho de 2014, pelas autoridades francesas, numa investigação ao financiamento da sua campanha presidencial de 2007.
Por cá, no entanto, é possível que o processo Veiga chegue a cumplicidades de alto nível no Novo Banco e no Fundo de Resolução Bancária.
Se José Veiga está agora indiciado por corrupção, Tapie antecipou-se-lhe: em 1993, foi acusado desse crime, por manipulação de resultados desportivos. Seria condenado, em 1995, a dois anos de cadeia, e a três anos de privação de direitos civis. Mas esteve apenas seis meses preso. Ah: e só foi ministro de Mitterrand durante quatro meses e 23 dias.
Em relação a fraude fiscal, Tapie seria condenado, em 2005, a oito meses de prisão efetiva, e 28 meses de pena suspensa. Mas o juiz, numa decisão técnica, considerou que estava feito o cúmulo jurídico com a sentença de 1995, livrando o empresário (que voltou aos negócios, incluindo media) do regresso à cadeia.
Também José Veiga foi acusado de fraude fiscal, suspeito de se ter apropriado indevidamente, em 2000, de €4,2 milhões na contratação de João Vieira Pinto pelo Sporting. Condenado, em setembro de 2012, a dois anos e dois meses de prisão, com pena suspensa, e a três anos e nove meses, por branqueamento de capitais, recorreu para a Relação de Lisboa, que o absolveu dos dois crimes.
Há mais a unir Tapie, 73 anos, e José Veiga, 52: os feitios incandescentes, e o gosto pela ribalta mediática e pela música. O francês tem uma faceta de cantor, com discos editados, e o português tocou acórdeão no agrupamento As Águias.