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Ligar e apagar as luzes de casa, quando se está no outro lado do mundo. Ver, em tempo real, quem é que toca a campainha. Subir e baixar os estores das janelas, para simular que se encontra em casa. Monitorizar, ao segundo, os consumos de energia domésticos. Ver os seus canais e programas preferidos, a partir do tablet, mesmo a quilómetros de distância da residência. Esta forma de gerir a casa e os aparelhos domésticos não faz parte de um filme de ficção científica. Embora ainda não seja norma, a verdade é que, hoje, já se pode fazer tudo isto, como demonstrou à VISÃO Nuno Afonso, responsável pelo projeto Casa Digital, da Portugal Telecom (PT). Pode-se fazer quando se tem os gadgets certos e, condição indispensável, acesso à internet, a rede mundial de computadores que insiste em mudar (quase) todos os nossos hábitos comportamentais. Desde a maneira como comunicamos, ao modo de socializar e também de comprar.
Mais de metade da população portuguesa está ligada. É o que provam os números oficiais e as estatísticas de João Paulo Luz, do Sapo, o portal da PT: “Existem entre 5 milhões e 5,5 milhões de portugueses que regularmente acedem à internet, pelo menos uma vez por semana.” O que fazem na rede? De tudo um pouco. Por exemplo, vão ao banco… sem precisarem de ir ao balcão. “Temos mais de um milhão e meio de clientes registados no nosso site. Desses, meio milhão é considerado ativo, isto é, fez alguma transação, nos últimos 90 dias. Deste grupo, 100 mil visitam o site todos os dias, principalmente para realizar três tipos de operações: pagamento de serviços, carregamentos e transferências”, revela António Bandeira, diretor de Banca Directa, do Milenniumbcp.
Uma revolução conseguida num curtíssimo espaço de tempo. Em 1997, existiam, em Portugal, 88,6 mil assinantes de serviço de internet. Em 2010, esse número tinha disparado para mais de 2 milhões. Em termos percentuais, a variação é superior a 2 mil por cento.
Lento despertar
A evolução recente da internet assume velocidades astronómicas, mas a web nem sempre se moveu a este ritmo. “A internet apareceu no final da década de 60 e foi sendo divulgada, essencialmente, no meio académico. Só começa, no entanto a ser tornar-se mais conhecida em 1990, quando a National Science Foundation, nos EUA, disse: ‘OK, isto pode ser comercializado’.” Mário Valente, 43 anos, tecnologista, como gosta de ser chamado, resume, assim, de forma telegráfica, o nascimento “comercial” da rede mundial de computadores. “Em 1990, já existia internet em Portugal, numa universidade e num instituto públicos. E, em 1991, o PUUG – Grupo Português de Utilizadores de Unix, vendia acessos ao email e às news por 30 contos mensais. São cerca de 150 euros que, hoje, nos permitem ter acesso à internet de banda larga, durante um ano. O salto que se deu, desde aquela altura, foi radical.” Neste período de arranque, a internet era bem diferente daquela que conhecemos hoje. “As transferências de ficheiros eram dolorosas. Esqueçamos o vídeo. Esqueçamos as imagens. Um megabyte demorava uma eternidade a descarregar.”
Mário Valente foi um dos pioneiros da internet em Portugal. No início de 1995, criou, com um colega do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, a primeira empresa privada para fornecer ligações à internet, a Esotérica.
É graças a gente como Mário Valente que, hoje, existem pessoas como Elsa Luís, 42 anos. Esta engenheira informática, separada, vive com a filha, Rita, 11 anos, em Carnaxide, e já não passa sem a internet nem os gadgets que surgiram à sua volta. “Ando sempre com o iPhone atrás. Tenho wi-fi [internet sem fios] em casa e, de manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço, consulto alguns sites de notícias no telefone.” Não é a única, lá em casa, com estes hábitos. “A Rita nunca sai sem ir ao iPad. Tem aqui uns jogos interativos e precisa de alimentar uns peixes e apanhar umas moedas…” Depois de deixar a filha no autocarro da escola, regressa a casa e volta a ligar-se à internet, antes de ir trabalhar. “Vejo e respondo a mails da empresa, no telemóvel ou no computador, e aproveito para efetuar algumas tarefas, como operações bancárias, compras de supermercado ou a organização do fim de semana. Tudo na internet. Ando sempre ligada”, remata Elsa Luís.
Com o pai da Rita a viver em Londres – Manuel Costa, 41 anos, é investigador na área das Tecnologias de Informação -, poder-se-ia pensar que os laços pai/filha sairiam prejudicados. Graças à tecnologia, a realidade é precisamente a oposta. Rita fala com o pai todos os dias, no Skype – uma aplicação para realizar chamadas de voz e vídeo via internet -, ou através da consola de jogos Xbox, que também inclui câmara de vídeo. “Têm o hábito de falar todos os dias, antes do jantar ou logo a seguir. A nossa vida anda muito à volta destas ‘coisas eletrónicas’.” São estas “coisas” que permitem a Elsa e Rita estarem em permanente contacto e interação, durante todo o dia. “Existe uma aplicação que utilizamos bastante. A Rita faz um desenho, que me envia, e eu tento adivinhar a palavra correspondente. Quando consigo, os papéis invertem-se. É uma forma de estar mais próxima dela.”
Não foram apenas os hábitos sociais que mudaram nas vidas de Elsa e Rita – os de muitos nós, também. A forma como “vamos às compras” também está a alterar-se. O exemplo de Elsa é, uma vez mais, paradigmático. “Quando viajo, procuro e marco tudo através da internet. As compras para a casa são feitas online, os presentes de Natal, por exemplo, também. Já não me recordo da última vez que fui a um balcão de um banco. Sou uma consumidora online quase a 100 por cento. Ainda vou às lojas, mas quase só para ver as montras. As compras, são feitas através dos gadgets, na internet.”
Tudo se vende, tudo se compra
Miguel Mascarenhas, 31 anos, percebeu bem esta nova tendência de comprar online. Em 2004, criou o Stand Virtual, uma plataforma online para a compra e venda de automóveis. “Passados três anos, já era o número um em classificados automóvel em Portugal”, revela o jovem empreendedor. Hoje, acrescenta, “uma em cada duas viaturas transacionadas no País passam pelo Stand Virtual”.
Percebendo o potencial deste filão, avançou para outros territórios e, em 2007, criou o leilões.net, inspirado no gigante dos leilões online eBay. Dois anos depois, surge o coisas.com, um site de classificados “com cerca de 6 mil anúncios novos por dia”. E, em 2011, lança o ImoVirtual, plataforma para a compra e venda de imóveis.
Nos leilões, “são transacionados 1 500 a 2 mil bens todos os dias, como telemóveis e roupa usada – os mais comuns – mas também jogos, consolas, livros, DVD, moedas, selos e tantos outros artigos”, explica.
A mecânica do negócio é simples. No Stand Virtual, a consulta é gratuita, mas colocar um anúncio custa 5 euros. Nos leilões, existe uma comissão de 5,5% sobre cada bem vendido. Todos os sites da empresa Fixeads, de Miguel Mascarenhas, captam, ainda, receitas de publicidade. No ano passado, “a empresa faturou 2,7 milhões de euros. Mas ainda estamos em fase de crescimento. Portugal tem mais potencial e estamos a usar todo o lucro possível para investir mais”.
A internet tornou-se numa montra gigante, capaz de chegar a milhares de pessoas com muito menos custos. Se vende mais, e gasta menos, pode vender mais barato. O silogismo, apresentado de forma simplista, é o pilar do negócio de empresas de cupões de desconto, como a Lets Bonnus. “Temos uma panóplia de ofertas muito variada, onde se pode encontrar quase tudo, desde restauração, beleza e estética, várias atividades ao ar livre e viagens até um conjunto muito variado de produtos, como bicicletas ou uma prancha de surf. Tudo com descontos iguais ou superiores a 50%, embora alguns artigos possam chegar aos 80%”, sublinha Ricardo Marvão, responsável pela divisão portuguesa desta multinacional, que tem entre os seus acionistas a amazon.com, o maior centro comercial virtual do mundo.
“Ao longo de 18 meses de atividade em Portugal a operação correu sempre muitíssimo bem
– já atingimos vendas superiores a 30 mil tickets [cupões de desconto] por mês e temos mais de um milhão de subscritores das nossas propostas. A compra social veio para ficar”, remata.
E as outras compras, como aquelas que fazemos para o nosso lar, regularmente, nos supermercados, também já tratam a internet por tu. “Servimos, por ano, mais de 300 mil clientes através do Continente Online”, afirma Nuno Almeida, 39 anos, diretor de e-commerce da Sonae. Resultado: “A nossa frota de distribuição de compras já integra perto da centena de viaturas.”
Os números da NetViagens não são tão exuberantes mas, ainda assim, revelam-se significativos da alteração de hábitos de consumo dos portugueses. “Temos cerca de 15 mil clientes por ano, do que resulta a venda de cerca de 30 mil viagens no mesmo período”, contabiliza Raul Gonçalves, 47 anos, diretor daquela agência virtual, que foi pioneira, em Portugal, na venda de viagens online. “Hoje, não devem existir muitas pessoas que, antes de decidirem comprar uma viagem, não vão à internet comparar preços e condições”, admite o gestor. Quanto a valores das compras online, “o preço médio por viagem ronda, atualmente, os 600 euros.”
Não é apenas na forma como gastamos que a internet revolucionou as nossas rotinas. Procurar emprego, em tempos de crise, também pode passar pela net. Esta foi a oportunidade que Luís Martins, 34 anos, identificou e que esteve na génese da Zaask, uma rede social “que promove o encontro entre pessoas que precisam de ver tarefas realizadas – a quem chamamos askers -, e aqueles que têm o talento e o tempo disponível para responder àquelas necessidades – os taskers -, que são maioritariamente desempregados”. Esta comunidade, lançada no final de maio, conseguiu, nas primeiras três semanas de funcionamento, ter mais de 10 mil pessoas registadas – 40% askers e 60% taskers – e realizar 20 tarefas com valores envolvidos próximos dos 10 mil euros. O modelo de negócio? “Uma comissão, que vai dos 3% aos 10%, consoante o valor da oferta. Quanto maior o valor, menor é a comissão.”
O lado negro
Para aceder a estes descontos, oportunidades de trabalho, leilões, viagens, compras de supermercado e tudo o mais, já nem é necessário ter um computador à mão. Os modernos telemóveis com acesso à internet, os smartphones, são uma solução de bolso à qual os portugueses recorrem cada vez mais. “As pessoas utilizam estes novos aparelhos por necessidades de comunicação, ganhando novos hábitos de socialização – nomeadamente, as redes sociais – e de consumo. Atualmente, sobretudo através dos equipamentos móveis – sabemos que existem cerca de 360 mil utilizadores de smartphones em Portugal -, a comparação de preços e de produtos é muito maior e muito mais eficiente”, sublinha Viriato Filipe, 42 anos, diretor de marketing e comunicação institucional da cadeia FNAC. E nem a crise vai refrear a evolução deste tipo de comportamentos, nem a venda de dispositivos móveis. “Esperamos, para 2012, um grande crescimento das vendas de smartphones – que têm evoluído a ritmos de cerca de 50% ao ano – e também de tablets.”
Tanta evolução, de forma tão rápida, não tem uma face perversa? Mário Valente acredita que existem, de facto, lados negros na internet. “Mas há pior do que a pirataria ou a pornografia. Estou a falar de submundo, roubo de informações comerciais, espionagem eletrónica, organizações terroristas, tráfico de droga… Mas isto não são lados negros da internet. São lados negros da sociedade. O que acontece é que, na internet, se tornam mais difíceis de controlar.”
Sobre o futuro, menos negro, o especialista em tecnologias aponta para a internet of things. A internet das coisas “vai ter grandes repercussões na organização da sociedade”, antevê. “Haverá cada vez mais tecnologias, mais baratas, mais miniaturizadas que permitirão, por exemplo, um qualquer artigo de vestuário ter incorporado um chip com ligação à internet que, sempre que entramos numa loja, nos aponta os artigos de que possamos gostar mais. Na saúde, aqueles elementos minúsculos podem analisar, em tempo real, o nosso batimento cardíaco, pressão sanguínea e muito mais, enviar essa informação para um centro médico que nos pode avisar, por exemplo, de que corremos o risco de ter um ataque de coração, nas próximas duas horas.” Será assim, o futuro? Ele nos dirá.