Foram pouco mais de 13 minutos às voltas ao Estádio Olímpico de Los Angeles, em 1984, mas os suficientes para perdurarem na memória de todos como o exemplo maior da capacidade atlética, perseverança, tenacidade e atitude competitiva de António Leitão, um dos mais brilhantes atletas portugueses de sempre. Mas também um dos mais (injustamente!) esquecidos.
Para além de recordar o vídeo dessa corrida notável é preciso sublinhar os factos que marcaram uma das páginas mais brilhantes do atletismo nacional. Na noite de 11 de Agosto de 1984, após duas rondas eliminatórias, correu-se a mais rápida corrida de 5000 metros jamais realizada até então, com os três primeiros classificados a ficarem todos abaixo dos 13 minutos e 10 segundos, marca que lhes teria permitido a qualquer um deles, em todas as edições anteriores dos Jogos Olímpicos, ganharem a medalha de ouro quase com uma reta final de avanço sobre todos os outros concorrentes. António Leitão, aos 24 anos, foi o homem que, nessa noite, numa cadência impressionante, marcou o ritmo da corrida, dizimando, um a um, todos os adversários até só ficarem os três que ocupariam o pódium final. E felizmente existe o vídeo dessa prova no YouTube para nos permitir recordar os tempos em que atletas portugueses eram tão dominadores nas corridas de meio-fundo e fundo.
Os primeiros 1000 metros da corrida foram ao ritmo de Ezequiel Canário, outro português, que acabaria por terminar em 9.º lugar. Depois, António Leitão assumiu o comando… para só o largar a 200 metros da meta. Com voltas sucessivas à pista na casa dos 64 segundos, o atleta de Espinho foi acabando com a resistência dos outros concorrentes, até que a 500 metros do fim apenas restava ele e outros dois adversários: o suíço Markus Ryffel e o superfavorito Said Aouita, de Marrocos. Quando faltava meia volta para acabar, Aouita arrancou e tanto Ryffell como Leitão apenas se preocuparam em garantir as suas medalhas. Mas todos reconheceram, no final, que o recorde olímpico (13:05.09) então alcançado pelo marroquino – e que perdurou até Pequim 2008, numa final sem qualquer europeu nos 10 primeiros lugares! – só foi possível graças ao ritmo imprimido por António Leitão (que terminou em 13:09.20).
Esta prova acabou por ser também uma espécie de reflexo da própria carreira de António Leitão, agora prematuramente desaparecido, aos 51 anos, após uma longa luta contra uma doença rara: embora tenha dominado a maior parte da corrida, acabou por ficar na sombra do medalhado de ouro, Said Aouita. O mesmo lhe aconteceu, em termos mediáticos em Portugal, quando no dia seguinte, na mesma pista, Carlos Lopes conquistou a primeira medalha de ouro olímpica para o nosso país, monopolizando, naturalmente, todas as atenções.
Mas a memória desta corrida fantástica de 11 de agosto de 1984 (obrigado YouTube!) jamais será apagada. E revê-la é uma das melhores homenagens que se pode prestar a um atleta excecional, um dos únicos sete portugueses a ganhar uma medalha olímpica no atletismo (os outros foram Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Francis Obikwelu, Rui Silva e Nelson Évora). Até porque são exemplos destes, de perseverança, humildade e tenacidade, que Portugal mais precisa nos dias de hoje. Em qualquer pista ou competição.