Aos 57 anos, quatro netos enchem-lhe as molduras da sala de estar da sua casa, em Lisboa. E conjuga vezes demais o verbo reformar na sua forma reflexiva. Nada que rime com os cinco “empregos” onde, actualmente, o seu nome deixa marca. Façam-se as contas: Escreve crónicas n’ A Bola, na revista GQ, e no semanário Expresso, coordena um caderno de reportagens do jornal I, e vai estrear-se na próxima 2ª feira, 22, às nove da noite, na SIC. Entretanto, pôs o ponto final no seu mais recente livro, Ismael e Chopin, para os mais novos. Sinais de Fogo – uma homenagem a Jorge de Sena e ao seu romance português favorito – foi o gancho para esta entrevista, envolta, como já era de esperar, em fumo de cigarro. Mas eis o que acontece quando lhe puxam pela língua…
Que Sinais de Fogo que vai emitir na SIC?
O programa vai consistir numa entrevista a um protagonista e em comentários sobre as notícias de actualidade que fizermos. Queremos marcar a diferença na forma como é editorializado e montado. Não se trata apenas de um regresso à SIC, mas de um regresso meu ao jornalismo.
Abandona assim o papel formal de comentador para vestir a pele de jornalista, ou acha que os dois podem coabitar?
Podem coabitar. Vai ser fogo mesmo, regressar dez anos atrás. Temos sempre a tentação de pensar se não é mais confortável, mais tranquilo e menos perigoso continuar a fazer o mesmo, sem ondas, ou saltar para uma situação diferente, para a qual as pessoas já não estão preparadas.
E deu esse salto porque estava descontente com a TVI ou foi, como disse na assinatura do contrato com a SIC, para “ficar mais rico”?
Essa do ficar mais rico foi mal interpretada. Não me fizeram um contrato à Gato Fedorento.
Referia-se à riqueza interior?…
Referia-me à riqueza profissional e essa foi a principal razão que me levou a sair da TVI. Lá nunca consegui um espaço fora do Jornal, apesar das minhas sucessivas tentativas. A SIC tem melhores condições para trabalhar a informação e deu-me oportunidade de voltar ao jornalismo.
Já andava a ser namorado há algum tempo…
Há um ano. Primeiro disse que não saía da TVI enquanto lá estivesse o José Eduardo Moniz ou a série Equador. As duas situações aconteceram e nessa altura a SIC insistiu muito fortemente. Então, dei por mim numa encruzilhada de três caminhos: ou definhava lentamente na TVI, ou reformava-me da televisão ou aceitava outro projecto, para tentar morrer em glória.
É engraçado dizer que ficava na TVI enquanto lá estivesse o Zé Eduardo, porque saiu da RTP zangado com ele…
Saí porque ele me pôs a dormir no segundo canal durante um ano e tal. Mas depois foi o José Eduardo Moniz que me convenceu a ir para a TVI e mantivemos uma relação leal e frutuosa durante estes anos todos.
Também afirmou que saía da TVI por causa da Ongoing…
Ainda bem que o disse antes disto tudo acontecer. Independentemente de me assegurarem que as pessoas que estão à frente da Ongoing são bem formadas e bons profissionais, aprendi a desconfiar de grupos económicos de media que nascem do nada, são financiados não se percebe bem como nem para quê, e não têm qualquer base na área onde se movem.
Acha que há por aí muito jornalismo de buraco de fechadura?
Há demais, em todos os aspectos. Era impensável na minha geração de jornalistas ver vinte repórteres de imagem à porta de casa de um fulano a ver se entra a amante dele. As pessoas estão na esfera pública, mas têm de ter cuidado com a sua retaguarda. Pelos vistos até com as conversas de restaurante…
Estreou-se na 5ª feira passada na SIC, num especial sobre escutas. Nos seus comentários defendeu que a liberdade de imprensa não está ameaçada.
Só quem quer brincar com coisas sérias e não sabe do que está a falar é que diz que há censura em Portugal. Não há censura nenhuma em Portugal. Ponha o dedo no ar a primeira pessoa que, de facto, queira dizer alguma coisa e tenha sido proibida de o fazer.
O que nos revela afinal este imbróglio cada vez mais baralhado das escutas?
Independentemente do juízo que faço sobre o recurso a escutas telefónicas que estão num processo judicial – e por isso em Segredo de Justiça -, o que as conversas daqueles rapazes do Sócrates mostram é uma nebulosa promiscuidade entre os gestores das empresas privadas postos lá pelo Governo para os servirem, em vez de servir o público, que é o alvo da PT. Se o Estado tem uma golden share na PT é para os telefones funcionarem melhor e não para andarem a combinar quem vai para a TVI ou outro lado qualquer.Na verdade, para mim não foi revelador, pois há anos que escrevo sobre isso, mas mostrou despudoradamente o que é essa promiscuidade.
Acha mesmo que José Sócrates vai cair por causa deste caso ou apenas de… podre?
Apodreceu mesmo. Não por causa dos seus inimigos, mas sim pelas amizades que o mataram.
Se o Primeiro-ministro falar ao país sobre o assunto, melhorará a sua situação política?
Falando ou não, ele está condenado. Começou a deslizar por uma ladeira abaixo e não há marcha-atrás possível.
Acha que está ‘na moda’ perseguir José Sócrates, para usar expressões do Primeiro-ministro?
Mário Soares disse há dias que José Sócrates tem sido excepcionalmente maltratado na Imprensa, como nunca ninguém foi. E é verdade. Por exemplo, acho que ele está inocente no caso Freeport, pela experiência que tive enquanto advogado. Acho inacreditável que o Ministério Público arraste há seis anos um processo com um único objectivo de tentar apanhar Sócrates. Não há nenhuma Democracia no mundo em que o Primeiro-Minsitro esteja acusado de corrupção, que é o pior dos crimes, há tanto tempo. Para a opinião pública, ele já está julgado e condenado, sem nunca ter sido ouvido ou sequer constituído arguido. Depois, temos um sistema em que o Procurador-Geral da República manda zero.
Imagine-se de novo a dirigir uma revista de informação geral. Se lhe chegassem às mãos gravações com escutas de um processo judicial, envolvendo o Primeiro-ministro ou outra alta figura da nossa praça, publicava-as?
Não. Estou inteiramente de acordo com Francisco Louçã – as escutas ou interessam à Justiça ou não interessam para nada. Mas não acha importante que as pessoas saibam dessa promiscuidade a que se refere?Os meios não justificam os fins. Penso que é mais grave, a prazo, para a saúde da Democracia, usar-se a violação do Segredo de Justiça e da correspondência privada para fins que não são aqueles para os quais se autorizaram, que deixar-se de saber o que se passou no Face Oculta. Vou dar um exemplo e vão já pensar que é por eu ser do Porto…
O que é bem verdade.
Pinto da Costa foi absolvido por quatro tribunais (oito juizes) no processo Apito Dourado. O caso arquivou-se, as escutas supostamente destruídas. Três meses depois apareceram na Internet e nos jornais. Acho isso intolerável. Se fosse Procurador-Geral da República mudava isto tudo, alterava a cultura da investigação judicial.Se calhar esta minha relutância vem do facto de ter crescido numa casa onde os telefones eram escutados pela PIDE e de o meu primeiro emprego ter sido na Comissão de extinção da PIDE. Um dia, puxei as escutas de dois processos que estava a instruir. Fiquei siderado. Disse a mim mesmo que iria morrer com o segredo dessas conversas que ouvi. As pessoas não têm noção do que dizem ao telefone.
Falam de forma menos formal…
Um dia destes vão revelar as escutas entre Armando Vara e José Sócrates. É fatal que falem do Presidente da República. E é fatal – são dois amigos do mesmo partido – que apareçam a tratá-lo por “o gajo”, “o malandro”… A revelação disto causará um dano tremendo à credibilidade da Democracia. E não vamos ser hipócritas a pensar que não é assim que falam, que Cavaco também tratará Sócrates por “gajo” na intimidade com os amigos. Não há ninguém que diga: “Ok, andaram-me a escutar durante três meses, publiquem tudo”. Nem o Papa pode afirmar que não têm segredos a esconder. Um director de jornal, que confrontado com escutas feitas num processo-crime as publica, não sendo juiz nem nada, tem uma responsabilidade incrível sobre si próprio.
Portanto, no seu caso deitava as escutas fora. Nem sequer iria investigar a história?
O que o jornal deve fazer é investigar a partir dali, com todo o secretismo. O Water Gate foi feito assim, investigando-se pistas dadas por uma fonte anónima. Acho que ter acesso a escutas e publicá-las, sem mais, prejudica o jornalismo de investigação, convida à inércia. Assim, basta ter um amigo na PJ ou no Ministério Público que deita mão às gravações para se conseguir atingir o objectivo número um, que é vender muito mais jornais.
Mas na semana seguinte à publicação das escutas, o ‘Sol’ trouxe desenvolvimentos da história…
Fracos… A única coisa engraçada é que acrescentou a Ongoing ao polvo, como eles lhe chamam.
Confirmou as suas desconfianças?
No comments.
Perguntaram a vários directores de jornal o que fariam com as escutas e todos disseram que as publicariam se tivessem tido acesso a elas.
É o politicamente correcto. Acho que se instalou um clima de terrorismo, em que vale tudo – a devassa, o buraco da fechadura, as fotografias emboscadas, roubar coisas de um processo… O interesse público é sempre a justificação. Gostava de saber se o arquitecto Saraiva queria que publicassem as conversas dele, mas tendo em conta o livro que escreveu, acho que não. Se o que lá está já é de tal maneira patético e grave, o que serão as suas conversas telefónicas…
Armando Vara pôs-lhe um processo por difamação, muito antes do Face Oculta rebentar. Tem alguma bolinha de cristal para se antecipar às notícias?
Ao contrário do que fez com o director do Expresso, não desistiu do processo contra mim. Pede-me 250 mil euros por danos morais ao seu bom-nome. Tudo baseado numa frase minha: “O passado político de Armando Vara não me inspira confiança nenhuma.” Agora, o juiz julgará à vista do que está aí. Neste momento, não é passado, é o presente e o futuro que não me inspiram confiança nenhuma.
O que acha de a Manuela Moura Guedes e o Mário Crespo serem actualmente os paladinos da liberdade de Imprensa?
E o Saraiva. Cada país tem os heróis que quer. Em Portugal, um indivíduo que ficou em terceiro lugar na Fórmula 1, numa corrida em que só acabaram cinco carros, recebe uma Comenda do Presidente da República. Temos 20 mil heróis nacionais condecorados pelos Presidentes da República, desde o 25 de Abril. As próximas ordens da Liberdade devem ser para o Crespo, a Manuela Moura Guedes e o Saraiva. A única coisa que digo a esse respeito é que me apontem um só grande nome do jornalismo português que esteja aí aos gritos a dizer que não há liberdade de informação.
Enquanto esteve na TVI sentiu alguma pressão política?
Não posso falar sobre isso, porque não revelo conversas privadas. Se houve ou não pressões para que saísse da TVI deve ser perguntado ao José Eduardo Moniz.
Então existiram.
Não estou a dizer isso.
Como reagiria se uma crónica que escreveu não fosse publicada?
Já aconteceu uma vez, no Público, no tempo do Vicente Jorge Silva como director. Não quis publicar uma crónica minha porque era um elogio ao Paulo Portas. Eu disse-lhe que, ou saía na semana seguinte essa mesma crónica, ou saía eu. O texto acabou por ser publicado.
E a saída do Marcelo da RTP, depois da saída dele da TVI, como se justifica? É também uma história mal contada… depois de outra história mal contada?
Com todo o respeito, já dei para o peditório do Marcelo, quando ele saiu da TVI. Disse em antena que considerava aquilo um saneamento político. Várias outras pessoas se atravessaram em defesa dele, mas, para meu grande espanto, ele ficou caladinho. Não vou outra vez atravessar-me sem Marcelo explicar se foi ou não saneado da RTP.
A providência cautelar interposta ao jornal ‘Sol’ veio incendiar ainda mais o barco. Foi um tiro no pé?
Sejamos coerentes: ou acreditamos no Estado de Direito ou não. Se um juiz, confrontado com um pedido de providência cautelar, decidiu aceitá-lo, é porque tem legitimidade. Não podemos estar nas tintas para as decisões dos juízes.
Acha-a legítima neste caso em concreto?
Em Inglaterra interpõem providências cautelares a toda a hora. Por isso é que os Mccann o fizeram ao livro de Gonçalo Amaral. Se alguém acha que vai sair um artigo que o difama, apresenta ao tribunal os indícios disso e o tribunal tem de julgar se o direito de alguém pode ser irremediavelmente afectado se sair esse texto. São as regras da liberdade de Imprensa, que não é um valor absoluto, tem limites.
E do ponto de vista político?
Foi péssimo para Sócrates. A voz da rua, a que acaba por contar, já diz: pois, pois… revelações tremendas e eles tentaram outra vez censurar. Acho que desta vez, Rui Pedro Soares não deve ter andado a consultar-se com os boys.
Porque diz que nesta década apenas se avançou na mediocridade?
Foi uma época marcada pelos anos de Bush – terríveis para o mundo – e acabou com a crise do capitalismo que ele fomentou. E da qual, pelos vistos, nem se está a colher uma lição de vida. Barack Obama tenta fazê-lo, mas é boicotado por todos os lados. Nem sequer consegue facturar os prémios dos administradores dos bancos, quando se sabe que foram eles que, em função dos resultados, conduziram à crise. Há senhores que levaram milhões ao desemprego. Se não se suicidaram, ao menos ponham a viola no saco e vão para casa. Por cá, achei o cúmulo João Rendeiro ter emitido um comunicado a dizer que não tinha nada a ver com o Banco Privado Português, que era Chairman, não CEO. Houve quem tivesse ficado sem um tostão. Se amanhã não puder pagar à minha empregada, tenho vergonha. Mas há pessoas que levaram centenas à miséria e estão-se nas tintas – vão à Igreja, ajoelham-se, continuam a ser da Opus Dei, a ter os seus iates e casas fantásticas e a apregoar que estão outra vez no activo. Como é possível? A vida não é a feijões… Esta minha máxima tem a ver com o póker.
É jogador?
Não estou na moda do póker. Joguei nas férias da minha juventude, mas como não tinha dinheiro, perdia sempre. É como o capitalismo – não nos podemos meter em cavalarias se não temos dinheiro para isso.
O que esperar desta década que já começou, haverá fumo branco?
Acho que só podemos ir para melhor. Pior é difícil. Mas há coisas que metem medo. Teria mais receio de ter 20 anos hoje do que na minha época. O mundo era mais seguro, não havia terrorismo, não havia Facebook (risos).
Continua a ser um irredutível discordante das redes sociais? Nem tem curiosidade em ir lá espreitar com um pseudónimo?
Não me interessam rigorosamente nada. As escutas telefónicas, a devassa da vida privada, o Facebook…
Mete tudo no mesmo saco?
Faz tudo parte de um bolo que é a violação da vida privada. Sou um cão a defender a minha privacidade. Quanto mais pública é uma pessoa, mais direito tem à sua privacidade.
Nunca abriu o Facebook?
Já vi o de alguns amigos para perceber como era. E conheço histórias extraordinárias de divórcios e acasalamentos feitos através dessa rede social. Um amigo meu que veio do estrangeiro, num ano arranjou oito namoradas no Facebook (risos).
Não é tudo mau, afinal…
Mas qualquer dia é a única forma de acasalamento entre as espécies. Posso estar a ser conservador, mas acho difícil que essas relações peguem.
Assumiu-se como defensor dos direitos dos fumadores, é um dos fundadores do Movimento Lisboa Tejo e Tudo por causa dos contendores de Alcântara. Qual será a próxima causa que tomará como sua?
Não ando à procura de causas, antes pelo contrário. Todas as semanas me convidam para uma e recuso. Tenho tribunas fantásticas para defender as minhas causas que são os locais onde escrevo. Só às vezes preciso sair para rua para ter mais visibilidade.
Apesar de ser comentador, muitas vezes político, nega-se sempre a mandar e nega-se à política. Prefere ser treinador de bancada?
Não tenho nenhuma das duas apetências.
Teria dificuldade em escolher a que partido se ligar?
Está a perguntar-me em quem é que voto (risos). Sentiria imensa dificuldade em ser militante partidário ou em passar os melhores dos meus dias sentado no Parlamento a contar moscas ou a ouvir discursos. Não tenho gosto em mandar. Prefiro criar projectos, como a revista Grande Reportagem, discutir ideias, motivar uma equipa.
Tem mesmo mau feitio, como se diz por aí?
Gostaria de negar, mas parece que não posso. Há tanta gente a dizer isso que deve ser verdade. Mas já estou como Paulo Portas que outro dia dizia que preferia pessoas com mau feitio e bom carácter do que o contrário. Acho que tenho mau feitio, mas bom carácter.
Faz as três coisas que gosta – ler, escrever e pensar – e ainda é pago por isso. Um privilégio, sem dúvida.
Faço o que gosto, rigorosamente o que gosto, quando gosto, como gosto, no meu espaço e ainda me pagam bem. Não tenho ninguém em quem mandar, ninguém manda em mim. Agora parece fácil, mas na altura em que escolhi ficar em casa, sem nada de certo, arriquei.
Quando foi isso?
Quando larguei a Grande Reportagem há 11 anos. Estava cansado de dirigir uma redacção e queria escrever um livro. Percebi que para isso tinha de me retirar do activo. E nem quis um adiantamento do editor de Equador, pois não sabia se iria ser capaz de terminar a história e não podia estar pressionado.
Comemorar este ano três décadas de carreira causa-lhe alguma espécie de nostalgia, do tipo fazer um balanço, repensar na vida…?
Já tive uma fase da minha vida em que fui saudosista e nostálgico, agora não sou. Aprendi a viver com o passado posto à frente, o que contraria a minha natureza, porque sou Caranguejo. Durante muitos anos pensei que não havia nada a fazer e que o passado era tudo para mim. Cheguei à conclusão que era um atraso de vida, literalmente falando.
Começou a andar para a frente?
Não carrego nada para trás. As coisas passam, seguem e quero fazer outras coisas. Além disso, odeio efemérides, datas, comemorações. Não ligo nem aos meus anos, só ao Natal e ao dia de Ano Novo.
Até certo ponto, a sua carreira evoluiu quase em paralelo com a de Margarida Marante, na RTP e na SIC. Hoje ainda vai sabendo dela?
Tenho sabido mais ou menos. Mas não estou com ela há mais de quatro anos. A vida correu-lhe mal numa fase de muito más companhias. Resolvi afastar-me, porque o contágio era perigoso. Infelizmente, ela percebeu isso tarde demais. Se a encontrar hoje, caio-lhe nos braços.
É dos que está sempre a dizer que no seu tempo é que era bom?
Comecei com a televisão a preto-e-branco e escrevia numa AZERT, daquelas maquinas em que se enfiavam os dedos e se ficava com calos. Ainda hoje se riem de mim, porque matraqueio o teclado do computador como se fosse uma velha máquina de escrever. Já parti duas vezes o teclado, uma coisa absurda.
Não me referia tanto às questões técnicas, mas a reflexões mais filosóficas…
Os jornalistas mudaram muito. Nos finais dos anos 70 eram notavelmente mal preparados, não sabiam fazer coisa nenhuma. Era raro encontrar um jornalista que soubesse o que era uma balança comercial ou dissesse uma frase em inglês. Hoje são todos quase especialistas.Em contrapartida, a qualidade dos chefes piorou. Quando comecei, havia uma geração de jornalistas – Álvaro Guerra, Fernando Assis Pacheco, Vitor Cunha Rego – com alto nível cultural, que praticamente não voltou a existir. Houve também um nivelamento para baixo na área editorial. O critério editorial passou a ser o daquilo que vende.
E os livros, estão na gaveta agora que passará a ter uma presença mais activa no ecrã?
Além dos cinco empregos que tenho, continuo a escrever diariamente. Acabei agora um romance infantil e entreguei-o à editora. Chama-se Ismael e Chopin – Ismael é uma homenagem ao Moby Dick.
Se escreve todos os dias, já deve estar a trabalhar noutro livro?
Isso é o Lobo Antunes, que vai a meio de um livro e já está a pensar no seguinte. Preciso de mais tempo… Não tenho nenhum contrato comigo mesmo que me obrigue a escrever livros, por isso não estou condicionado pelo tempo. Até hoje, sempre aconteceu por acaso. Mas estou sempre a escrever, algumas vão para a gaveta.
O que faz a essas coisas que escreve e não são publicadas? Guarda-as ou vão para o lixo?
Umas vezes evoluem, outras não. A história de No Teu Deserto partiu de um desses escritos pessoais que guardei.
Em que circunstância deixaria de fumar?
Quando deixar de ser proibido. Já não sei se fumo por gosto ou por dever cívico, de resistência. Estou perfeitamente consciente de que estou a perder anos de vida. Mas talvez deixe no dia em que sentir que me faz mais mal do que me dá prazer.
Quantos cigarros fuma por dia?
Isso é segredo, nem ao meu médico confesso (risos).