Jerónimo de Sousa voltou a um lugar onde costuma ser feliz. A rua 1.º de maio na Baixa da Banheira, concelho de Moita, encheu-se de militantes comunistas e de populares para assistir ao regresso do líder, que foi operado de urgência, no dia 13, para desobstruir a artéria carótica, e apanhou a caravana do partido na vila da margem sul, que já tinha escolhido para fazer a primeira arruada nas Autárquicas do ano passado. Ainda que visivelmente fragilizado, Jerónimo apanhou o desfile a meio, juntando-se a um público fiel, e não poupou no combate político, que começou pela direita e acabou num PS que não lhe inspira confiança.
A partir da cama do hospital e depois de casa – com a mágoa de quem “vê a campanha a decorrer de longe”, uma “contradição muito difícil” de engolir para o secretário-geral do PCP – não viu com bons olhos a mudança de discurso de António Costa e uma aproximação à direita. “O objetivo [do primeiro-ministro] era ter maioria absoluta para ficar mais livre”, interpretou Jerónimo de Sousa, “mas percebeu que esse objetivo estava longínquo e teve logo a tendência para demostrar apoio a quem não vai resolver problemas”, como quem diz ao PSD.
Já no final da rua, onde Jerónimo tinha à espera um palco improvisado, o secretário-geral do PCP insistiu na aproximação do bloco central, que “engendrou estas eleições”, e defendeu que o caminho para evitar essa coligação é dar força “à esquerda que não vai virar à direita” – à CDU, portanto.
“Há por aí quem use todos os truques e manhas para fazer crer que tudo se decide entre PS e PSD e mais nada conta. Mas conta. Conta a correlação de forças que se vai determinar na Assembleia da República”. E um acordo à esquerda não é de rejeitar à partida, desde que este seja baseado em “soluções concretas e não em declarações débeis”, dizia, enquanto admiradoras suas da terra acotovelavam a pequena multidão para poder gravar as palavras de Jerónimo e enviar-lhe um beijo à distância.
Ainda o líder não se tinha juntado ao desfile e já se sentia a ansiedade no ar. Antonieta Mestre tentava fazer ouvir-se por cima da música da banda e dizia à VISÃO que o PCP “é o seu partido de sempre. Foi o dos meus pais e é o meu, porque levamos uma vida de trabalho, somos gente honesta” e isso leva-a a acreditar que encontra compreensão nas reivindicações da CDU, que trouxe ao distrito de Setúbal as bandeiras do “emprego, salários, direitos e serviços públicos”. O mesmo se pode dizer de Maria de Fátima, 60 anos, com a neta, também Maria ao colo, que deixou o balcão da sua loja de roupa na rua onde passa o desfile para entregar um ramo de cravos que comprou hoje de manhã para entregar a Jerónimo de Sousa. Como o deputado só se juntaria à arruada uns metros à frente, a cabeça de lista pelo distrito de Lisboa, Paula Santos, e o candidato do PEV José Luís Ferreira, guardaram o presente para entregar depois ao líder, que hoje não contou com a presença dos seus substitutos, João Oliveira e João Ferreira (que regressou também ontem à campanha, depois sete dias em isolamento por causa da Covid-19).
Se há lição que leva destes dias a assistir à campanha de fora é a “categoria” dos quadros do partido, por quem acredita que “valeu a experiência”. A três dias do fim, e antes de seguir esta tarde para Évora, onde vai participar num comício no teatro Garcia de Resende, Jerónimo de Sousa pediu que, no próximo domingo, 30, “nenhum democrata fique em casa”.