José Guilherme Aguiar já foi muita coisa. Ex-dirigente do FC Porto, antigo diretor executivo da Liga de Clubes, comentador da bola nas televisões e até presidente da junta de freguesia de Arcozelo, em Gaia, nos reinados de Luís Filipe Menezes. Desde há uns anos é vereador independente no executivo camarário gaiense, de maioria PS. Na manhã de terça, 25, apareceu no bairro piscatório da Afurada para abraçar, efusivo, o secretário-geral socialista, desejar-lhe sorte para as eleições e desandar no minuto seguinte, quase incógnito. Poucos o viram e nem sequer foi claro que tenha sido reconhecido pelo candidato. Seja. “Tenho grande apreço por António Costa. Votei nele em 2015 e agora farei o mesmo”, justificou à VISÃO. “Deixei o PSD depois das malfeitorias que me fizeram e, como gosto tanto de Rui Rio como de Belzebu, vou novamente votar no PS”, ironiza o autarca, ressalvando o facto de não ter escolhido António Costa nas anteriores legislativas por causa da “Geringonça” de esquerda. “Nunca fui adepto daquele acordo, mas agora o primeiro-ministro já percebeu os amigos que tem…”.
O “termómetro” dos mercados
Houve uma época em que o termómetro de umas eleições passava por banhos de multidão no mercado municipal de Matosinhos e arruadas na Afurada. Podiam não ser decisivos para a vitória, mas o povo da cidade, do campo e da faina dava alento para as curvas apertadas da campanha.
Mário Soares teve manhãs épicas em Matosinhos, entre peixeiras e bombos, e, não por acaso, houve quem, de boa memória e muito calo eleitoral, desatasse a berrar “Soares é fixe!”, à entrada de Costa, palavras de ordem logo readaptadas para o atual líder e até transportas para t-shirts e aventais que deram nas vistas na Afurada. Mas foi também numa destas idas ao mercado e à lota que o ex-ministro Sousa Franco, então candidato ao Parlamento Europeu, perdeu a vida.
Euforia e tragédia já se enredaram por aqui, mas a manhã de António Costa em Matosinhos teve apenas as nuvens carregadas da primeira sondagem favorável a Rui Rio a pairar e a dar azo a cochichos de preocupação entre socialistas. Apesar do aconchego popular e de ter sido levado em ombros, a jornada teve mais de encenação do que genuíno regozijo. A pandemia explica alguma retração, mas a disposição dos mercados mudou e a população também. “Somos metade do que éramos”, explicou uma vendedora de hortaliças, de pé atrás ante as duas filas de socialistas que abriam alas para Costa. “Essas Marias da Fonte que aí estão nunca aparecem no mercado. Vêm hoje para se agarrarem a ele…”.
Jovens “batedores” socialistas iam na frente a distribuir bandeiras por vendedores e apoiantes antes que o candidato se abeirasse deles. Costa sorria, sempre com o cuidado de lembrar que “só votando é que está ganho”. Numa banca do mercado com dezenas de galináceos engaiolados recebeu das mãos de uma mulher uma caixa com meia dúzia de ovos. “É para quê?”, perguntou, agradecido. “É para ganhar peito!”, respondeu a vendedora, preocupada com a genica do candidato para o que resta da campanha. O cientista e ex-deputado Alexandre Quintanilha, o poeta e socialista Rui Lage, a cicerone Luísa Salgueiro e o ex-ministro Matos Fernandes foram alguns dos rostos mediáticos que se juntaram à comitiva. Costa falou depois às massas que o aguardavam no recinto – previamente engalanado com bandeiras do PS e da JS – para lembrar que os socialistas não se assustam “quando o mar está bravo ou o mar está chão”. Na canastra eleitoral, Costa leva promessas para a Saúde, o Emprego e a Economia, sem espinhas. Mas adverte: “Não há vitórias antecipadas. É preciso votar, votar, votar!”. Luísa Salgueiro ofereceu-lhe então, para despedida, uma réplica da embarcação “Vitória”. Costa ergueu-a aos céus enquanto se ouvia, alto e bom som, “o Rio já secou!”.
Nem tudo foram rosas
De Matosinhos, a caravana rumou a Gaia, à típica freguesia da Afurada, onde murmura a maré nos cascos, como Carlos Tê escreveu e Rui Veloso cantou.
Havia molhos de rosas à espera de Costa à porta do mercado municipal e também, entre outros, o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara, que desvalorizou os pedidos de maioria absoluta do candidato socialista: “Não foi precipitado fazê-lo, o PS quer a melhor a vitória possível e merece que o povo se mobilize no domingo”, afirmou à VISÃO. O candidato, entretanto, abandonou a bandeira do triunfo absoluto e readotou a teoria do diálogo com todos, excetuando o Chega. “Os dados que conhecemos levam a essa mudança”, admitiu o autarca de Gaia, “mas isso não significa que os nossos propósitos e objetivos tenham mudado. Não foi o PS que rompeu o acordo à esquerda”.
A Afurada recebeu António Costa ainda com mais calor, mas não passou despercebido o facto de muitos dos entusiastas e figurantes terem sido trasladados de Matosinhos para a marginal de Gaia. O líder do PS, acompanhado da mulher Fernanda Tadeu, foi “engolido” pelas massas à entrada do mercado e foi distribuindo rosas e promessas até ao fim da caminhada, ao ponto de garantir, na breve intervenção final, num palanque, que até resolveria o problema do fornecimento das bilhas de gás que já não atravessam o rio até à Afurada por alegada imposição da Administração dos Portos do Douro e Leixões. “É preciso tirar essa competência à APDL e entregá-la a Câmara”, afirmou. Ao mesmo tempo, acudiu a lamentos que ouvira uns passos atrás relativos a cortes inesperados nas pensões. “Falei ontem com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para publicar uma portaria e alterar a tabela para que ninguém tenha retenção nas pensões”, explicou, anunciando um aumento extraordinário das mesmas, caso o Orçamento de Estado que quis aprovar na legislatura finda tenha vida nova. “Vamos pagá-lo retroativamente a 1 de janeiro”, prometeu.
O candidato socialista saiu depois da Afurada com sinais contraditórios. Por um lado, o povo saiu à rua para saudá-lo e a dar-lhe os mimos e ombros que precisava. “É uma enorme fonte de energia vir à Afurada”, admitiu António Costa. Eduardo Vitor Rodrigues foi mais direto ao coração das gentes e muito aplaudido quando lembrou que aquele homem que ali vinha pedir apoio e ânimo “andava a lutar por nós quando estávamos isolados em casa”. Embalado, pediu o voto do “povo que não é ouvido nos inquéritos”. Por outro lado, Costa ouviu bocas azedas à porta da Casa Moreira quando se preparava para um cumprimento: “Agora já não há covid, c…?! A covid não vos apanha?! Logo vão dizer que há mais de 60 mil infetados!”, barafustou uma velhota, de avental posto e dedo em riste. O candidato encolheu o braço, virou e andou. Ainda assim, a arruada deu nas vistas. Como comentava um socialista de bandeirinha ao alto, “as ruas são estreitinhas e parece muita gente”. Para trás, ficava a banca da peixaria Rosa, com uma frase para meditar: “O vencedor não é o que começa, mas o que termina”.