Inês Sousa Real chegou às imediações da Base Aérea do Montijo prevenida por umas vistosas galochas vermelhas. Segundo a porta-voz do PAN, o novo aeroporto de Lisboa, previsto para o local, é projeto que “vai meter água” – e, por isso, decidiu iniciar o terceiro dia da campanha equipada a rigor.
Em território onde, há dois anos, o partido elegeu uma parlamentar – Cristina Rodrigues que, à posteriori, perderia a confiança do partido (e passaria a deputada não-inscrita) –, não foram apenas estes os “pingos” com que Inês Sousa Real teve de lidar – mas com ou sem galochas, foi através das palavras (nada meigas) que afastou os salpicos que, nas horas anteriores, ameaçaram manchar a (evidente) confiança e boa-disposição que se vive no seio de candidatos e apoiantes.
Aeroporto do Montijo é “linha vermelha”
Uma, duas, três… E assim por diante. Perdeu-se a conta às vezes que, durante o dia, Inês Sousa Real fugiu à questão do momento: vai ou não apoiar um putativo Governo do PS? E do PSD? A porta-voz do PAN, como sempre tem acontecido, foi “mastigando” a resposta, mas não deixou de avançar com condições, que devem, desde já, merecer especial atenção de eventuais parceiros.
Para Inês Sousa Real, o aeroporto do Montijo é, precisamente, uma “linha vermelha”. Do PAN? Não, diz a própria: “Quem traçou esta ‘linha vermelha’ não foi o PAN. Foram as futuras gerações, foi a ciência, foram os estudos… Em 30 anos, esta zona vai estar inundada e, então, será assim [de galochas] ou de barco que teremos de vir para aqui. É uma política que vai ‘meter água’ e afundar muitos dinheiros públicos”, afirmou. E para o comprovar, emergiu com água até aos tornozelos, junto com os seus apoiantes, nas águas da praia do Samouco – onde os sinais da subida dos níveis da água se têm feito sentir nos últimos anos. “Portugal vai ser um dos países mais afetados pela crise climática, o distrito de Setúbal em particular. Vai ser uma zona que vai ficar alagada pelo nível médio das águas. E, depois, também se trata de uma zona sensível, de especial interesse comunitário. A rota dos aviões vai colidir com três rotas das aves, o que significa que a segurança dos passageiros fica colocada em causa. E também estamos ainda a falar da proximidade com a população, de trazer ruído para dentro das cidades. Estamos a falar de poluição e da [perda] qualidade de vida”, enumerou.
Alternativas? O PAN aposta tudo numa solução: o aeroporto de Beja. E critica a insistência nas opções Montijo ou Alcochete, defendidas por PS e PSD – os tais parceiros? – ao longo de vários anos. “Existe alternativas, como a que PAN propôs, por exemplo, mas, infelizmente, os partidos continuam a defender os interesses económicos de privados, como os da ANA – Aeroportos de Portugal (responsável pela construção da futura infraestrutura). Inês Sousa Real tinha algo para dizer. E não se ficou por aqui…
CAP e Alegre: a resposta do “único partido” do mundo rural
A porta-voz do PAN tinha guardadas respostas para os “ataques” que surgiram nas horas anteriores – ontem, a Confederação dos Agricultores de Portugal apelara à rejeição do voto no PS e em todos os partidos que possam coligar-se com o PAN; hoje, em texto de opinião publicado no Público, o histórico socialista Manuel Alegre criticara António Costa por se colocar “na eventual dependência do PAN”.
Inês Sousa Real mediu as palavras, mas vestiu-as com tamanhos grandes. “É estranho que a CAP ataque, precisamente, o único partido que tem defendido o mundo rural. Não podemos estar em contra-ciclo com aquilo que é o desafio das nossas vidas: a crise climática. A CAP, mais uma vez, vem defender os grandes interesses económicos: seja o lóbi da tauromaquia, seja da caça, seja as empresas que estão a explorar de forma intensiva e super-intensiva o nosso território, mas nunca dos pequenos e médios agricultores. Esses sabem que contam com o PAN para enfrentarem uma nova era na agricultura, responsável e sustentável”, disse.
Quanto a Manuel Alegre, a porta-voz do PAN foi ainda mais direta: “Acho que Manuel Alegre tem de se atualizar”, disparou. E disse mais: “Os valores humanitários, hoje, não podem ser indiferentes ao sofrimento animal. Manuel Alegre tem de se conformar com o salto geracional que existiu em termos de sensibilidade em relação a todas as formas de vida e ao planeta, e julgo que, certamente, as gerações mais novas do seu partido não se reveem nas suas afirmações”, declarou. Antes do ponto final, repetiu para que não ficassem dúvidas aos presentes: “O PAN quer acabar com atividades como a tourada ou a caça”.
“Cristina Rodrigues? Não temos ouvido esse nome”
Em Almada, Inês Sousa Real usou calçado mais confortável. No contacto com a população, as manifestações foram moderadas – mas sempre atentas e curiosas. Principalmente, das crianças. Foi, precisamente, um grupo de meia-dúzia de rapazes de 11 e 12 anos que cativou a atenção da comitiva liderada por Sousa Real e Vítor Pinto, cabeça de lista pelo círculo de Setúbal.
Aos jovens, foi dado uma folha A4. A comitiva demorou-se até que, com orientações da própria líder partidária, o papel trabalhado deu lugar ao tradicional (e intemporal) jogo do “quantos queres?”, para satisfação da pequenada… “Estão a ver? É mais fácil explicar as nossas medidas às crianças do que aos nossos governantes!”, disse, bem-disposta.
Mas, afinal, “quantos [deputados] quer?” Inês Sousa Real, nas Legislativas de 30 de janeiro. “Seis. No minímo, sei”, respondeu, sorrindo para Vítor Pinto – eleger no círculo de Setúbal é uma das grandes apostas do partido. Como, aliás, há dois anos. E como as memórias (ainda) estão frescas, lá voltou a surgir, inevitável, o nome de Cristina Rodrigues… cessando as gargalhadas.
“Tem ouvido o nome de Cristina Rodrigues?”, “É tema tabu?”, “Sente desconforto?”, questionou-se. “Não temos ouvido, de todo, esse nome, muito pelo contrário. E não é um nome tabu. O PAN tem tido o seu trabalho pelo território, junto das pessoas, e ninguém nos questiona sobre Cristina Rodrigues. As pessoas elegeram o PAN e não a Cristina Rodrigues. A nossa causa vai além daquilo que são os seus porta-vozes. E nã, não sinto desconforto. Quem deve sentir desconforto é quem defraudou os eleitores, quem não devolveu o mandato ao PAN e prejudicou o partido – e, para mais, tem uma queixa-crime a correr”, respondeu, de rajada, Inês Sousa Real. Ainda de calçado confortável.