Enquanto que à direita se desmarcou o difícil teste de rua em Lisboa, devido ao receio da intempérie que coincide com o fim da campanha das legislativas, a CDU apostou no desconhecido, esta quinta-feira. Até quase ao início da arruada, que aconteceu nas vésperas do fecho desta volta ao País (que para a coligação de comunistas e verdes acontece em Braga e Porto), caia água a potes. Mas, surpreendentemente, quase à hora de arranque do desfile, o sol despontou e a chuva lá se manteve distante, até ao final.
Passavam já quase 30 minutos da hora marcada, para o começo da arruada, quando apareceu Paulo Raimundo. À espera do secretário-geral do PCP, além de cerca de um milhar de pessoas, de diversos dirigentes comunistas e ainda candidatos pelo círculo da capital, estavam os dois antecessores de Raimundo, Jerónimo de Sousa, de 76 anos, e Carlos Carvalhas, 82, – a exemplo do que acontecera no Rossio, no último domingo.
E se na última quarta-feira, na Baixa da Banheira, tinha feito por se afastar da faixa que encabeça os desfiles da CDU, indo ao encontro de quem se cruzava com a caravana, desta vez Raimundo foi um pouco mais longe: apesar de a organização o ter colocado enfaixado com uma enorme lona vermelha, o líder comunista puxou energicamente o pano para si, à direita e à esquerda, (ao ponto de ter apanhado de surpresa o ex-eurodeputado João Ferreira, que estava do seu lado esquerdo e que pareceu um pouco desorientado quando se viu sem o pano nas mãos) e, de uma assentada, quebrou uma barreira muito simbólica; de uma certa postura estática de quem o antecedeu.
De cada vez que se afastava, mais para um lado ou para o outro, do desfile, lá vinha alguém da organização fazer-lhe gestos, lembrando-lhe para ficar colado e centrado no grupo. E quando decidiu puxar Jerónimo e Carvalhas, abraçando-os para uma foto, ouviu-se logo alguém da organização, ao lado de quem a VISÃO estava, a tentar repor a “normalidade”: “eh pá, não pode ser; é só o secretário-geral, é só o secretário-geral. É o momento dele”.
Não foi ao encontro de ninguém, antes pelo contrário; vieram ao encontro dele. Como uma mãe que contou a sua história ao lado do pequeno filho Miguel. “Trabalhei muito tempo a recibos verdes, entre 2012 e 2015”, disse, numa tentativa de elogiar o trabalho da Gerigonça, da qual o PCP fez parte. Raimundo optou por se focar no menino: “Como te chamas? Então, Miguel, aproveita estes senhores [jornalistas], para dizer que presente gostavas de ter”. O miúdo olhou incrédulo para o secretário-geral comunista, depois para mãe, e atirou de seguida à sorte: “Uma Nintendo Switch”. Pelo meio, no que pareceu muita coincidência (ou não), vinha em sentido contrário (ou seja, a subir a Rua Garrett) Carmo Afonso, a advogada e colunista do Público. Mais do que o entusiasmo com que reagiu o ex-líder parlamentar João Oliveira àquela presença, foi o “boa sorte” que Carmo Afonso atirou a Raimundo, que deixou o secretário-geral do PCP muito emocionado e a engolir em seco…
Piscar olho a indecisos?
É um outro Paulo Raimundo que se apresenta nesta reta final da campanha para as legislativa e quando a CDU vai aumentado, timidamente, nas sondagens, descolando do último lugar em que tem aparecido nas intenções de voto.
Uma semana depois de a VISÃO ter acompanhado a caravana, o líder do PCP parece ter encontrado o tom e o jeito: fala de uma forma entendível e humorada, sem se alongar muito com dogmas e ideologias (ainda para mais num momento, como o desta quinta-feira, em que uma chuvada está iminente), não se prende a regras de contacto nas ruas e parece não recear assuntos sensíveis. No final do desfile, deu mais uma prova disso, ao lançar um apelo a quem olha com desconfiança o projeto da CDU.
“Ainda há muita gente indecisa, com a qual temos de conversar [ainda]”, disse Raimundo, no Seixal, depois de ter lançado o mesmo apelo, três horas, no centro da capital
“Aos que que estão a pensar votar pela primeira vez na CDU: é preciso que reconheçam que não há avanço sem a CDU. Não há política de esquerda sem mais CDU. Não há respostas aos problemas sem mais CDU. E sabemos que alguns podem não estar de acordo em tudo connosco. Também sabemos. Mas, aquilo que nos une – os nossos objetivos, a luta por uma vida melhor, a luta pela consagração dos valores de Abril – é muito, muito mais, forte, do que este ou aquele pequeno assunto que nos separa”, disse, apontando a mira a quem “tem feito tantas rábulas com as repetições do secretário-geral [do PCP]”, mas que “sobre esta ideia forte [que tem repetido], sobre o povo ser quem mais ordena e que é o povo que decide, ainda não houve uma única rábula sobre esta afirmação”.
Percebendo que uns primeiros pingos começavam a cair e era preciso acelerar nas palavras, ainda brincou com a multidão, quando se referia aos lucros milionários de empresas nacionais – como os “760 milhões da Jerónimo Martins”: “Se começam a assobiar os grupos, nunca mais daqui saímos”. O riso foi geral.
Dramatizar o pós 10 de março
A chuva que se abateu logo a seguir sobre Lisboa estendeu-se à outra margem do Tejo, aonde rumou a caravana.
No Seixal, onde quase um milhar de pessoas (ou não fosse numa terra, há muito, bastião comunista) sentiu o impacto da intempérie sobre a estrutura montada para acolher o comício, ao meio da noite, Raimundo agravou o tom, para acenar com o risco de a direita chegar ao poder e afirmar que é na CDU, e não noutras forças, que “os desiludidos” e os “indecisos” podem encontrar respostas.
“Para aqueles que estão desiludidos; confiem na palavra, na seriedade e na coerência da CDU”, sinalizou, admitindo que há razões para quem se sente enganado por não ter visto promessas concretizadas. “Ainda há muita gente indecisa, com a qual temos de conversar. Cada um terá as suas razões, mas arrisco a dizer que está presente nessa indecisão a justa desilusão com anos de promessas não cumpridas”, defendeu, no último encontro que Raimundo teve na Grande Lisboa, onde só voltará no domingo à noite [no Sana Hotel, em frente à Soeiro Pereira Gomes], para acompanhar a contagem dos votos.