“Há vários nomes de atuais e antigos deputados do PSD que estarão nas listas do Chega às próximas legislativas”. A frase de André Ventura, dita aos jornalistas, nos Passos Perdidos da Assembleia da República, na passada quinta-feira, criou alvoroço. No mesmo dia, horas antes, surgira a notícia de que o deputado Maló de Abreu – que fez parte da direção do PSD durante a liderança de Rui Rio – batera com a porta nos sociais-democratas, passando a parlamentar não-inscrito.
A VI Convenção Nacional do Chega, que se realiza neste fim-de-semana, confirma a estratégia de André Ventura de recrutar novos quadros para o partido, junto de outras forças políticas à direita. No Centro Cultural de Viana do Castelo, marcam presença rostos de ex-elementos do PSD, CDS e IL, quase todos “entusiasmados” e “disponíveis” perante a perspetiva de o Chega poder alcançar, no dia 10 de março, entre 35 a 50 deputados, segundo aquilo que nos dizem as sondagens.
O ex-governante do PSD Henrique Freitas é o rosto mais mediático. O antigo secretário de Estado nos governos de Durão Barroso e Santa Lopes é uma das “contratações” de André Ventura para 2024, e marca presença na Convenção Nacional do Chega. É um dos nomes (praticamente) confirmados para integrar as listas à Assembleia da República do Chega nas próximas legislativas. Mas há outros exemplos.
António Pinto Pereira (ex-PSD): “O André Ventura é um príncipe…”
António Pinto Pereira, advogado, professor universitário, comentador dos programas da manhã, e ex-candidato do PSD à Câmara de Sintra, guarda na memória o trago amargo provocado pela liderança de Rui Rio. “Achava-o um homem deselegante, mal-educado, desnorteado…”, recorda.
A experiência marcou-o, e nem mudança na liderança social-democrata, com a subida de Luís Montenegro à presidência, parece ter sido suficiente para colocar o seu antigo partido no rumo certo. “Estava desalentado com o PSD e, então, decidi ficar quietinho no meu ‘canto’. Estive assim um ano, período em que o André Ventura me começou a convidar para fazer coisas académicas, na área da na área da justiça, da segurança interna… Decidi dar o meu contributo”.
António Pinto Pereira admite que “não conhecia ninguém no Chega, a não ser o André Ventura”. Mas as coisas mudariam. “Durante esse ano, fui conhecendo as pessoas [do Chega], fui sendo sempre tratado com muito carinho… O André Ventura é um senhor, um príncipe, uma pessoa educada, sensível, com princípios, e isso cativou-me muito”, confessa. “Houve um amadurecimento de uma relação que me levou a ver, por mim próprio, quem eram as pessoas do Chega. Vivia uma relação sem amor com o PSD, decidi desvincular-me e ir para o Chega”.
Antes, o ex-PSD tinha do partido “a opinião errada, que toda a gente tinha”. Hoje, tem outra. “Acho que as pessoas estão a deixar de pensar mal do Chega. Não vejo radicalismos, apenas pessoas com vontade de mudar o país e o país precisa dessas pessoas e dessa mudança”. “Estou aqui para ajudar a mudar Portugal. O país bateu no fundo. Tenho filhos, e quero que eles vivam num país melhor. O meu caminho é este e estou aqui para ajudar”, afirma.
Nuno de Simões de Melo (ex-IL): “O Chega não tem medo de ser de direita”
O Coronel Nuno Simões de Melo era apontado como o líder da ala conservadora da Iniciativa Liberal, mas os caminhos tomados pelo partido presidido por Rui Rocha “desiludiram”. Acabaria por ‘bater com a porta’ e, passado meio ano, inscrever-se-ia no Chega.
“Saí da IL no dia 25 de Abril e entrei no Chega na semana do 25 de Novembro. Não foi por acaso”, diz, com um piscar de olho e um sorriso. “Quando entrei na IL, tive uma entrevista com pessoas do partido, em que me assumi, logo ali, como um liberal clássico. A resposta que me deram, foi: ‘Isso somos todos’. Bem, isso não se confirmou”, diz, com um encolher de ombros. Nuno Simões de Melo considera que “a IL abraçou uma agenda de valores” com os quais não se identifica, “uma política identitária” próxima da esquerda, que considera como parte de “uma nova luta de classes marxista, com vista a criar uma nova ordem”.
“Desiludido”, sim, mas não derrotado. Continuou com vontade de participar num projeto político e, dando a si mesmo “um período de nojo”, passou meio ano “a falar com pessoas, a ler programas e manifestos”. O Chega esteva já no horizonte, até que um almoço ‘oficializou’ a relação. “Por coincidência, quando estive colocado no Kosovo, [António] Tânger Corrêa era embaixador de Portugal na Sérvia, e, logo ali, criou-se uma empatia entre nós. Houve um dia em que um amigo comum convidou-me para um almoço, que também contou com a presença do embaixador [e vice-presidente do Chega], e isso facilitou… É um homem a quem reconheço um conjunto de qualidade, e isso atrai”, admite.
Pelos corredores da Convenção, diz-se que “há muitos mais pessoas do PSD, CDS e IL que querem ser ‘recrutados’ por André Ventura
Convidado pelo Chega para falar sobre o 25 de Novembro, numa iniciativa em Ansião, Nuno Simões de Melo “acabou por filiar-se no partido nessa altura”, não apenas num papel secundário, mas passando a ter lugar de destaque, passando a trabalhar no programa eleitoral que o partido vai apresentar para as eleições legislativas de 10 de março. “Puseram-me logo a trabalhar, e eu gosto disso”.
“O Chega tem a características de ser, assumidamente, um partido de direita. Numa democracia que temos, tutelado pela esquerda, desde 1974, é um partido contracorrente, radical. Mas é apenas um partido que não tem medo de abraçar as suas causas”, garante.
Paulo Veiga (ex-CDS): “Tenho experiência, vim para ajudar”
Paulo Veiga apoiava Francisco Rodrigues dos Santos, enquanto líder do CDS, mas “o boicote” de que ‘Chicão’ foi alvo, por “pessoas do próprio partido”, explicam, segundo este ex-deputado democrata-cristão, aquilo “em que se tornou o CDS”. Foram essas ‘guerras’ internas que o afastaram do partido; a eleição de Nuno Melo foi ‘a gota de água’. “Não me senti confortável para continuar [no CDS].
“Sou um conservador nos costumes e defende a economia social de mercado”, descreve-se Paulo Veiga. As características deste economista podem ‘chocar’ com outros militantes do Chega, mas o ex-parlamentar do CDS considera que “isso é normal”. “No CDS, também havia pessoas com características diversas”, defende.
O Chega é “o sítio onde, neste momento, me sinto mais à vontade”. “Não reconheço que seja um partido radical, racista, xenófobo, homofóbico… Não!”, afirma. “Basta ver e ouvir as intervenções que têm sido aqui feitas [na VI Convenção Nacional], não se vê nada disto”, defende. A própria experiência é dada como aval: “Tenho amigos de cor, nunca fui racista ou xenófobo… Isso é algo que não sou, nunca foi… Não gosto”, diz.
E o futuro? “Depende. Faço política porque gosto, porque quero ajudar… Tenho experiência, se o Chega quiser contar comigo, bem, estou disponível para ajudar”, afirma.
Resta saber se, nas próximas semanas, mais descontentes dos partido à direita engrossam as fileiras do Chega. Pelos corredores da Convenção Nacional, há quem sussurre existirem muitos mais candidatos para a seleção feita, em exclusivo, pelo dedo do “treinador” André Ventura.