Desde há um mês com linhas de contacto abertas (telefone, email e site), o Grupo VITA recebeu até agora 23 denúncias sobre abusos sexuais na Igreja , que não só irão ser dadas a conhecer às comissões diocesanas como ao Ministério Público. A maior parte das vítimas contou pela primeira vez a sua história a esta entidade, não fazendo parte dos cerca de 500 casos reportados em fevereiro pela Comissão Independente que estudou aquele flagelo nas fileiras católicas. Este é o retrato possível, para já, de ser traçado por Rute Agulhas, responsável por aquela entidade criada pela Conferência Episcopal para apoiar vítimas, mas que também terá “portas abertas” para ajudar “potenciais agressores” e prevenir novos casos.
“Recebemos 23 pedido de ajuda; sendo que, alguns, começaram antes de abrirmos as linhas telefónicas – através do e-mail. Estamos a falar, na maioria, de pessoas sobreviventes mais velhas, que foram vítimas de violência sexual há alguns anos, muitas delas há décadas. Em relação a algumas, é a primeira vez que estão a partilhar a sua situação. Muitas dessas pessoas não falou com ninguém, nem sequer com a ex-comissão independente. São pessoas, na maioria dos casos, do Norte do País e que não pedem nada. No fundo só pedem para ser escutadas”, adiantou no IRREVOGÁVEL, o podcast da VISÃO, Rute Agulhas, a reconhecida psicóloga a que o líder dos bispos portugueses, José Ornelas, desafiou para desenvolver o VITA, na senda de uma recomendação da comissão independente.
De acordo com aquela responsável, após esse “primeiro contacto”, as vítimas já estão ou irão ter “um atendimento individualizado, que pode ser online ou presencial, dependendo de onde vivem e a disponibilidade”. “Nesse atendimento, fazemos uma recolha adicional de informação. Não só para se perceber o mais detalhadamente o que é que se passou, mas acima de tudo do que é que aquela pessoa precisa hoje – se é apoio psicológico, apoio psiquiátrico, social e jurídico. Neste momento, estamos já a fazer o encaminhamento de acordo com as necessidades”, explicou, enfatizando que “a maioria nunca falou antes; nem com a comissão independente, nem com ninguém”.
“Algumas dessas pessoas que foram suspensas das suas funções poderão vir ter connosco, independentemente de se assumirem culpados ou inocentes. Vir ter connosco não é uma assunção de culpa”, alerta Rute Agulhas.
As denúncias, disse, irão ser reportadas “a cada uma das dioceses; e há situações que aconteceram em determinado instituto religioso, a quem vão ser reportados esse ou esse casos”. Além disso, foi estabelecido com a Procuradoria-Geral da República um canal privilegiado de contacto e nas mãos do Ministério Público já estará uma denúncia. Todavia, a identidade das vítimas e outras informações pessoais não serão sinalizadas caso seja essa a intenção.
“O que fizemos foi criar um canal direto com a Procuradoria-Geral da República, com quem reunimos há uma semana. Mesmo em relação àqueles processos que já prescreveram, do ponto de vista penal, as vítimas têm que dar o seu consentimento. Há uma situação que já foi reportada e outras se seguirão esta semana, com o consentimento das pessoas, e para que a PGR possa fazer a distribuição ao Ministério Público que será territorialmente competente”, adiantou, ao referir que o apoio especializado é o maior objetivo do VITA.
“Na prática, vamos reportar à Igreja e, ou, ao Ministério Público, pensando sempre no que é mais confortável para estas pessoas, e o que elas querem. Porque há também algumas situações (poucas, mas temos) de pessoas que falam conosco que assumem a sua identidade, mas não querem expor-se de forma alguma. Só estão disponíveis para serem ajudadas do ponto de vista psicológico. Temos muitas pessoas a aguardar a distribuição para a nossa bolsa de profissionais, que já está constituída e que iremos começar a formar no dia 17 de julho. Logo estas pessoas serão encaminhadas para estes profissionais, para que se dê início aos processos de acompanhamento, quer psicológico, quer psiquiátrico”, acrescentou, lembrando “um telefonema de uma senhora” que a marcou com o seu caso.
Ouvir agressores como prevenção
Tendo em conta que um dos objetivos do VITA é prevenir a ocorrência de novos casos dentro da Igreja, Rute Agulhas assegura que o grupo terá porta aberta para os alegados agressores, onde se incluem aqueles responsáveis eclesiásticos que estão suspensos por ordem das suas dioceses, e igualmente para os sacerdotes que apenas queiram falar com ajuda especializada.
“Algumas dessas pessoas que foram suspensas das suas funções poderão vir ter connosco, independentemente de se assumirem culpados ou inocentes. Mesmo que a pessoa se assuma como inocente, não deixa de ser um processo doloroso. Vir ter connosco não é uma assunção de culpa”, disse, sinalizando a meta de ações de prevenção junto de “seminaristas” e de outras áreas dentro da Igreja.
No IRREVOGÁVEL, Rute Agulhas adiantou que “após a Jornada Mundial da Juventude irá ser articulada com os bispos a forma em como se pode chegar a estas pessoas”. “Quer as pessoas que já cometeram este tipo de crime, quer as pessoas que nunca cometeram, mas que podem de alguma forma sentir-se mal, porque têm pensamentos sobre isso, têm sonhos sobre isso; e as pessoas precisam de ajuda para não passar ao ato”.
“Temos sentido alguma incompreensão por parte de algumas pessoas que têm dificuldade em perceber esta parte do nosso trabalho”, admitiu, reforçando que há uma equipa distinta, baseada no Porto, para lidar com este casos (constituída por uma psiquiatra e um psicólogo) – “a doutora Márcia Mota e o Ricardo Barroso estão focados nos agressores ou potenciais agressores”.
“Quando tratamos com potenciais agressores também estamos a proteger crianças e jovens. Porque se ninguém trabalhar com estas pessoas há reincidência. E a reincidência é elevada nos crimes sexuais se não houver qualquer tipo de intervenção. Desde que recebi, em março, a chamada do bispo D. José Ornelas, ficou claro para mim que este grupo iria trabalhar com vitimas, com potenciais agressores e que ia trabalhar na prevenção primária”, concluiu.
Além do número 915 090 000, disponível de de segunda a sexta-feira, entre as 9h00 e as 18h00, e do e-mail (geral@grupovita.pt), o Grupo VITA recebe denúncias através do seu site aqui.
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