Daniel Adrião, 55 anos, militante socialista há mais de 40 anos, convidado desta semana do IRREVOGÁVEL, é dirigente do PS – membro da Comissão Nacional e da Comissão Política Nacional – e líder da corrente minoritária, crítica da linha da direção do partido. Na última reunião do órgão máximo entre congressos, a Comissão Nacional, foi apupado e terá sido intimidado, nomeadamente, pelo presidente do PS, Carlos César. “O que se passou não está à altura das tradições democráticas do PS e só contribui para alimentar populismos”, denuncia Daniel Adrião. “Quando se diz, em referência à minha pessoa, que ‘há aqui gente que não presta’, pretende-se fazer um ataque de caráter, para cancelar uma voz crítica, para condicionar, para silenciar e, até, para amedrontar”, conclui.
Sobre a substância das críticas que faz à direção do PS e a António Costa, sublinha a ausência de reuniões da Comissão Política nacional, que deveria reunir-se de dois em dois meses. Lembra que o mandato eletivo, de dois anos, já não será cumprido, devido ao adiamento do congresso, que devia realizar-se este ano e foi empurrado para 2024. Mas o ajustamento aos calendários eleitorais não justificam tal adiamento? “Não”, diz o dirogente socialista da corrente minoritária (11% dos delegados à Comissão Nacional): “Houve governos que caíram, eleições que foram antecipadas, calendários que foram alterados mas o congresso de dois em dois anos – e as eleições que legitimam o secretário-geral – cumpriram sempre os calendários estatutários. “O que se vive no interior do PS parece-se, cada vez mais, com um sistema de democracia iliberal”.
Mas, afinal, qual a substância das críticas de Daniel Adrião, que foi dos primeiros a pedir uma remodelação profunda – e mesmo uma reestruturação da orgânica do Governo? Em primeiro lugar, aponta como pecado original o facto de António Costa ter resolvido compor um Executivo à base do aparelho do partido, em vez de se guiar por critérios de mérito e de competência. “Ainda por cima”, atirma “transferiu para o Governo a tensão interna em torno da sucessão, levando para lá todos os seus putativos sucessores”, fazendo com que os governantes assim escolhidos se desviem das suas tarefas governativas”. Depois, afirma, “há gente no Governo sem as qualidades socio-emocionais e relacionais que são exigíveis a quem exerce cargos de liderança”. A começar “pelo ministro João Galamba, que revelou uma total falta de inteligência emocional na gestão do seu ministério”. Mais, diz Daniel Adrião – que se bateu contra o apoio implícito do PS à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa – “se é verdade que há um Marcelo diferente, no segundo mandato, dedicado a minar o terreno do Governo, também é verdade que, no caso de Galamba, o Presidente tem inteira razão no diagnóstico que faz”.
Daniel Adrião tinha outras críticas a apontar, na Comissão Nacional: “A responsabilidade pela crise política, que o Governo considera artificial, apontando o dedo à direita e ao populismo, é da responsabilidade do próprio Governo; os populistas têm as costas largas; e a direita… coitadinha da direita, se não fosse pelos erros do Governo, nunca teria saído do estado de letargia em que se encontrava!…”
Em suma, neste Governo “aparelhístico”, muitos dos seus membros não estão à altura das suas tarefas: “António Costa quis dar aos ditos sucessores uma oportunidade para mostrarem o que valem, em funções executivas; a maior parte demonstrou que vale pouco”.
Daniel Adrião também reclama a figura de um vice-primeiro-minisro, que garanta a coordenação do Executivo: “Manifestamente, com tantos compromissos europeus, Costa não tem tempo para tudo. E já se percebeu que a solução da n.º2 Mariana Vieira da Silva, não funcionou, como não funciona um mero secretário de Estado. A coordenação do Governo exige alguém com autoridade.”
Daniel Adrião reconhece as dificuldades do recrutamento, para cargos ministeriais, mas aponta a culpa disso ao sistema eleitoral que só admite listas fechadas em partidos: “É isso que provoca a fata de qualidade das elites políticas e que faz como que o sistema partidário seja indulgente, manipulável e arranjista”. Por isso, afirma, “eu e os socialistas que me acompanham defendemos primárias para todos os cargos políticos – e espero que numa próxima indicação para secretário-geral assistamos ao regresso de primárias abertas. Neste momento, os supostos sucessores são todos correntes do costismo e foram indicados pelo próprio António Costa; trata-se de um esquema oligárquico!”, acusa.
Daniel Adrião defende o regresso do PS às suas origens, “tão bem definidas por Mário Soares”. Considera que, numa futura sucessão, Pedro Nuno Santos mantém intactas as suas hipóteses “porque será um candidato do aparelho; no entanto, com primárias abertas, a questão pode não ser assim tao simples, mesmo para quem controla esse aparelho…”
Daniel Adrião também reclama a representatividade da sua corrente, no PS, em futuras listas de deputados: “Se esse princípio fosse cumprido, em 120 nós teríamos 12; mas as listas foram feitas com base nos critérios de António Costa que se resumem a isto – ‘the winner takes it all’”.
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